Itaiópolis, terra de Airto, tem seus artistas regionais
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 09 de abril de 1988
Sempre que vem a Curitiba para visitar sua mãe, dona Zelinda, irmã e sobrinhos, que residem no bairro do Boqueirão, Airto acaba levando alguns discos de música brasileira. Geralmente são trabalhos instrumentais ou dos compositores e cantores mais famosos. Desta vez, Airto - que ao lado da esposa Flora Purim, se apresenta somente hoje a noite no auditório Bento Munhoz da Rocha Neto - estará levando um disco diferente: o elepê "Artistas de Itaiópolis".
Musicalmente um disco simples, pobre até, mas que ele recebeu das mãos do produtor, Ivan Graciano, com muita alegria: afinal registra cantores, instrumentistas e compositores do município de Itaiópolis, Santa Catarina, onde nasceu no dia 5 de agosto de 1941.
Tem mais! Se houvesse tempo, Airto até aceitaria o convite para rever a pequena cidade catarinense, que, em sua simplicidade, nem tem consciência da importância musical que o mais talentoso dos seus filhos conseguiu alcançar em duas décadas de vivência internacional.
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"Artistas de Itaiópolis" é um disco que justifica reflexões. Produzido pelos próprios artistas - dois grupos vocais - instrumentais, (Invernada de Guapos e Os Serranitos), três duplas (Jair e José, Odir e Adélio e Valdemiro e Sidney) e o acordeonista Walter Breda (nenhum parentesco com o professor e advogado Acir Antonio Breda, hoje todo poderoso Chefe da Casa Civil do Governador Álvaro Dias) - custou pouco mais de Cz$ 150 mil e foi realizado em Curitiba.
Ivan Graciano, 42 anos, que em dez anos já lançou cerca de 100 discos (entre compactos simples, duplos e elepês) com artistas regionais do Paraná e Santa Catarina, produziu o disco, gravado no estúdio Fio Terra, do jovem Marcelo Forte. Com a participação dos violonistas Adão e Flor da Mata (João Antonio da Luz), os humildes mas sinceros intérpretes e compositores de Itaiópolis mostram seus vanerões, schottis e toadas, como "Sacudindo a Bombacha" e "Entrevero dos Guapos" com a Invernada de Guapos; "Bugiu do Itajaí" e "Quarto Solitário" com os Serranitos; "Último da Lista" e "Doce Prazer" com Valdemiro e Sidney.
Histórias humanas cercam estes artistas de Itaiópolis. Odir, por exemplo, da dupla com Adélio (presentes no disco com "Eunice" e "Ainda Te Quero") é um ex-plantador de batatas, que, descrente com as possibilidades de sobreviver na lavoura, acabou vindo para Curitiba, trabalhando agora como ajudante-de-pedreiro na Cidade Industrial. José, que forma a dupla Jair (presentes no disco com "Momentos de Amor" e "30 Dias de Solidão") é o único que conseguiu prosseguir os estudos e atualmente faz o curso de engenharia florestal.
O acordeonista Walter Breda é dono de um restaurante nas margens da rodovia que dá acesso a Itaiópolis e sua popularidade é imensa com os caminhoneiros. Tanto é que foi um dos responsáveis pelo fato da tiragem de mil cópias do elepê ter se esgotado em poucas semanas. Agora, prepara o seu elepê-solo, assim como os grupos Invernada de Guapos e Os Serranitos.
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Filho da dupla Nhô Belarmino (Salvador Graciano, Rio Branco do Sul, 1920 - Curitiba, 1984) e Nhá Gabriela (Julia Alves Graciano, 65 anos), Ivan vem desenvolvendo um trabalho dos mais interessantes em termos de apoio aos artistas regionais. Utilizando um esquema barato para gravações, eliminando custos supérfluos que normalmente oneram as produções fonográficas quando feito por grandes fábricas, tem permitido que dezenas de cantores, instrumentistas e grupos realizem o sonho de terem o seu disco. Principalmente em compactos, simples e duplos, que hoje ficam ao redor de Cz$ 200 a Cz$ 300 mil (um elepê, mesmo com toda economia, custa no mínimo Cz$ 400 mil), artistas amadores, mas populares em suas comunidades, fazem suas gravações e, vendendo diretamente o produto em seus shows, conseguem recuperar o investimento - e, muitas vezes ter lucro, geralmente reinvestido em novo disco.
Há discos que surpreendem pela aceitação. É o caso do elepê da menina Celia Mara, 8 anos, filha da cantora Meri e do radialista José Medeiros, que gravando um elepê com a mãe e a tia Marli vendeu toda a edição (2 mil cópias) em poucas semanas. Celia Mara é uma garota que tem enorme popularidade na região de Rio Negro e Mafra. Seu pai, Zé Medeiros, 45 anos, produz e apresenta um programa de nada menos que nove horas e meia na Rádio São José, em Mafra. Mara, cantando, declamando, encanta o público da região e, no disco, dividido com a mãe Meri, a tia Marli e mais o acordeonista Zezinho, traz canções que se identificam com a singeleza do público a que se destina. No álbum, a abertura é com uma "Homenagem ao Belarmino" do próprio Ivan Graciano, seguido do maior sucesso do sempre lembrado Nhô Belarmino, "As Mocinhas da Cidade" - que já teve várias gravações, inclusive com o luso-brasileiro Roberto Leal, que fez sucesso até em Portugal e se ouvia numa seqüência de "O Beijo da Mulher Aranha" (1985, de Hector Babenco), como som incidental, em cena de rua na qual aparecia o ator William Hurt atravessando a avenida Paulista.
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