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Aramis

Jazz - O eterno Satchmo e o novo gênio Marsalis

Um dos aspectos mais significativos no trabalho de Maurício Quadrio como responsável pela área de jazz da Sony Music (ex-CBS) é a sua visão ampla em oferecer tanto os trabalhos mais historicamente importantes do passado, paralelamente a produção do que existe de melhor na música instrumental. No último suplemento (julho/agosto), há exemplos marcantes. Dois álbuns magníficos para quem curte jazz: o sexto volume da série Louis Armstrong ("St. Louis Blues") e o penúltimo álbum do melhor pistonista da atualidade, o consagrado Wynton Marsalis ("Standard Time - Volume 2 - Intimacy Calling"). Se a obra de Louis Armstrong (New Orleans, 04/07/1900 - Nova Iorque, 06/07/1971), por sua extensão e importância dentro de mais de meio século no jazz continua a oferecer sempre novas formas de ser (re)apreciada - ainda mais agora, com a perfeição do CD (opção que a Sony oferece nestes lançamentos, mas também possíveis de serem obtidas em vinil), a obra em progresso do jovem (30 anos a serem completados no dia 18 de outubro), Wynton Marsalis, como o Satchomo, nascido em New Orleans, de uma família de músicos (o pai Eddie e o irmão, Branford são também excelentes jazzistas) vem sendo lançada no Brasil quase simultaneamente aos Estados Unidos e Europa. Em maio último, a mesma Sony trazia a trilha de "Tune in Tomorrow...", primeira experiência de Marsalis feita para o cinema. Homenageando especialmente um de seus ídolos, Duke Ellington (1899-1994), Marsalis criou uma trilha perfeita que chegou antecipando a estréia do filme de John Amiel, baseado no romance "Tia Julia e o Escrivinhador", de Mário Vargas Llosa, ainda inédito em nossas telas. Neste filme-trilha, um dos destaques é a extraordinária cantora Shirley Horn, 56 anos, que apesar de quase 30 de carreira, chega só agora ao Brasil (a Verve/Polygram acaba de lançar seu CD "You Won't Forget Me"), que canta "I Can't Get Started". Agora, após as músicas da trilha de "Tune in Tomorrow", temos um álbum em que Marsalis - que alterna sua produção entre trabalhos eruditos com jazzísticos - vem numa produção classe A, no qual recria alguns dos mais belos standards americanos como "You Don't Know What Love Is" (G. de Paulo / D. Raye), "I'll Remember April" (D. Raye / G. de Paulo / P. Johnson), "Embraceable You" (George / Ira Gershwin), "Crepuscule with Nellie" (Thelonious Monk), "What's this Thing Called Love?" (Cole Porter), "Lover" (Richard Rodgers / Lorenz Hart), "Yesterday" (Jerome Kern / Oscar Harbach) e "Bourbon Street Parade" (P. Barbarin). De quebra, Marsalis ainda mostra uma composição própria - a tocante "Indelible and Nocturnal" e inclui outros momentos expressivos - como "The End of a Love Affair" (E. C. Redding) e "East of the Sun, West of the Moon" (B. Bowman). Uma seleção que, por si, já mostra a competência desta produção da dupla Steven Spstein / George Butler, no qual a genialidade não fica apenas no sopro especialíssimo de Marsalis - comparado no início de carreira a Miles Davis (de duas boas fases), mas que demonstrou, nos últimos 5 anos, que tem uma autonomia ainda mais ampla do que aquele bruxo negro. Buscando músicos como o incrível pianista Marcus Roberts, baixista Robert Hurst, baterista Jeff Watts (em "Bourbon Street" substituído por Haerlin Rilley), saxofonista Tood Willians e Wes Anderson, Marsalis desenvolve uma espiral sonora, de envolvimento ao coração e também a reflexão sonora ao longo deste álbum com lugar seguro entre os melhores do ano. Se Marsalis pode ainda exigir apresentações e mesmo introduções a sua obra (como o belo texto que o musicólogo Stanley Crouch faz para o encarte deste "Intimacy Calling") falar de Louis Armstrong é retundância. Afinal, mesmo os mais analfabetos musicalmente sabem que aquele negro de sorriso amplo e extraordinária comunicabilidade foi a personificação do jazz em sua forma mais autêntica, num trabalho que passou por todas as fases e só parou com sua morte - há 20 anos (por sinal, uma efeméride que não teve as comemorações merecidas). Neste sexto volume da série de gravações históricas que Satchmo deixou na CBS - uma das gravadoras nas quais esteve mais tempo (sua obra é imensa, ultrapassando mais de mil fonogramas constantemente reeditados), temos registros feitos entre 1929/1930, quando em pleno vigor, Satchmo trabalhava especialmente com "Red" Allen no pistão; George Pops Foster na guitarra, entre outros, que estão nas faixas "I Ain't go Nobody", "Dallas Blues" e "St. Louis Blues" - estes três temas em duas diferentes interpretações, uma delas, não lançada na época (1929) e só agora rematerizada e editada. Uma curiosidade especial é "Bessie Couldn't Help", num registro de fevereiro de 1930, mesma ocasião em que gravou "Blue, Turning Grey over You". Em abril de 1930, com algumas substituições em sua banda - Ed Anderson no pistão, Henry Hicks no trombone, Bobby Holmes, Theodore McCord e Castor McCord nos saxes (o segundo também no clarinete), Joe Turner e Back Washington nos pianos e Lavert Hutchinson na tuba (instrumento usado primitivamente com ênfase no jazz), foram registrados temas como "My Sweet", "Indian Cradle Song", "I Can't Believe that You're in Love with Me", "Exactily like You", "Dinah" e "Tiger Rag". Já com outras modificações - por exemplo, Leon Elkins no pistão e Harvey Brooks no piano - temos "I'm a Ding Dong Dandy" (From Dumas), "I'm in the Market of You", "I'm Confessing" e "If I Could Be with You One Hour Tonight". O standard mais contemporâneo - e ao lado do histórico "St. Louis Blues" - mais conhecido desta seleção, "Body and Soul", foi gravado em Los Angeles, em 09/10/1930, desta vez com outros músicos na banda, entre os quais Lionel Hampton na bateria e vibrafone. Hampton começava praticamente sua carreira na época.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Música
4
01/09/1991

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