Jornada cineclubista com alta temperatura
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 15 de julho de 1987
Se não é inédito, é raro: alguém se dispor a renunciar cargos que significam senão vantagens financeiras, ao menos prestígio e mordomias indiretas - inclusive viagens nacionais e ao Exterior.
Pois é isto mesmo que quatro jovens paranaenses - um de Curitiba e três do Interior - farão na próxima semana, durante a 21ª Jornada Nacional de Cineclubes (19 a 24 de julho, auditório do Setor de Ciências Agrárias - UFP), que a exemplo do encontro anterior, em Brasília, deverá estar com a temperatura bastante aquecida devido a profundas divergências ideológicas, que hoje marcam o cineclubismo. A situação é tão tensa que seis musculosos seguranças, entre os mais fortes atletas de uma famosa academia de karatê da cidade, foram contratados para garantir a integridade física dos participantes, evitar atentados e, no mínimo, separar brigas - que, ao que tudo indica, poderão acontecer.
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A proposta mais polêmica do encontro será levantada pela atual diretoria do Conselho Nacional dos Cineclubes: a renúncia coletiva dos quatro diretores executivos, eleitos há um ano, em Brasília, e que teriam oficialmente mais 12 meses de mandato.
Por entender que as eleições para a direção do Conselho somente dividem o movimento cineclubista, estimulando ambições pessoais, o presidente José Gil de Almeida, 32 anos, paranaense de Goioerê - e que foi eleito para o cargo em julho de 1986, quer introduzir no Conselho um sistema que observou na Líbia, país pelo qual nutre a maior simpatia: a substituição da figura de diretor pela de conselheiro, que só existe durante os encontros.
- "Com isto vamos eliminar o carreirismo que existe no meio cineclubista, com jovens sendo tragados em seu idealismo pela sede do poder, pela ganância, pela ambição em galgar postos que representem vantagens pessoais, dividindo um movimento que deve ser puro e cristalino", raciocina Gil.
Entretanto, se este é o seu pensamento - encampado pela Federação Paranaense de Cineclubistas - os dirigentes das outras federações existentes no País - Bahia, Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo - é totalmente oposto. Os paulistas, liderados por Alex Roiseman, que segundo Almeida representa o pensamento do PC ortodoxo, pretendem balançar o coreto e impedir o posicionamento dos paranaenses, "na lei ou na marra", no melhor estilo radical.
A Federação Paranaense de Cineclubistas - que representa 28 cineclubistas, 18 dos quais da Capital - adotou há tempos a formulação de funcionar sem diretoria, apenas com sete coordenadores: o próprio Gil, mas Antônio Carlos Marques (Goioerê), Cássio Burkel (Foz do Iguaçu), Ladir Galle (Medianeira), Marilene Martins (Curitiba), Edson Volcanis (Curitiba) e Roberto César Tavares de Oliveira (Curitiba).
Da diretoria do Conselho Nacional de Cineclubes fazem parte Gil, na presidência; José Lannes, 27 anos, farmacêutico em Goioerê, como secretário-geral; Celso Zanim, 25 anos, assessor de sua irmã, a vereadora Marlene Zanim, de Curitiba, como tesoureiro-geral; e Ladir Galle, 24 anos, dona de uma locadora de vídeo em Medianeira, como diretora de publicações. Os quatro vão renunciar aos seus cargos, dentro da proposta inspirada no exemplo da Líbia.
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Outra proposta de Gil que irrita dirigentes de outras Federações é a criação da Federação Latino-Americana de Cineclubes, que, no entender dos opositores à idéia, enfraquecerá a Federação Internacional de Cineclubes, com sede na Suíça. A respeito, diz Gil:
- "Queremos uma Federação ligada a problemas do continente latino-americano. A FICC está distante da realidade, preocupada com a Europa".
"A Federação Latino-Americana - diz Gil Almeida - será fundada também na "lei ou na marra". Para tanto, uma dezena de jovens entusiastas aqui estará representando cineclubes do Paraguai, Argentina, Venezuela, Colômbia e Chile".
Hospedados no Ginásio de Esportes Almir de Almeida, no Tarumã, com sessões no auditório do Setor de Ciências Agrárias da Universidade Federal e também no plenário da Pró-Reitoria de Assuntos Comunitários, mais de 200 cineclubistas estarão também vendo filmes - que, é bom lembrar, faz parte de suas preocupações ao lado da política internacional. Para tanto, Francisco Alves dos Santos, coordenador da área de cinema da Fundação Cultural, abriu espaços na Cinemateca para a exibição de vários curtas e médias metragens, enquanto que nas salas da FCC (Ritz, Groff, Luz) estará reprisando "A Última Ceia", do cubano Guttierrez Allea, "Cabezas Cortadas", que Glauber Rocha rodou na Espanha há 16 anos, e no Ritz, fazendo o lançamento do polêmico filme "Outra História de Amor", de Americo Ortiz de Zarate, produção argentina, com um argumento incômodo: um bem sucedido executivo, casado, aos 50 anos assume a sua homossexualidade e abandona a família para viver uma "love story" com um jovem.
A abertura da Jornada, terá uma exibição especial: o excelente filme de animação "Respeitável Público", 15 minutos, realização dos irmãos Wagner (Elizabeth, Rosane, Ingrid e Mutti), recém concluído e que teve uma pré-estréia na semana passada. Inscrito já para a Jornada de Documentários e Curtas e Médias Metragens de Salvador, o filme dos Wagner foi visto, domingo pela manhã, por Gil e sua assessora, Miriam Meyer, e na hora aprovado para a sessão de instalação dos cineclubistas. Trabalho de maturidade dos irmãos Wagner, nona realização em filme de animação, resultado de mais de dois anos de esforços, "Respeitável Público" é criativo, satírico, inteligente e encantador - o melhor exemplo do cinema que se faz no Paraná para uma mostra de gente que se interessa por esta forma de comunicação. Sem dúvida, muito se falará de "Respeitável Público": a partir de Salvador, inicia uma carreira que, temos certeza, representará merecidas premiações ao talento de seus realizadores.
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