Kung Fu invade cinemas mas há o melhor Woody
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 01 de junho de 1990
Deu a louca na programação cinematográfica!
Filmes da linha Kung-Fu que, no máximo, mereciam os circuitos poeira - São João, Itália etc. - chega, as salas nobres: "KickBoxer - O Desafio do Dragão", com o ídolo das lutas marciais, Van-Damme, estréia no Bristol, sala de primeira categoria, que exibia ainda esta semana o excelente (mas fracassado em termos de público) "Splendor" de Ettore Scola. Outro ator - faixa preta na linha Kung-Fu, Steve Seagal é o astro de "Difícil de Matar", que está no Astor - outro cinema de categoria e cujo público é o que aprecia violência gratuita, lutas marciais etc.
Mas a crise de público é tão grande que os programadores da Vitória, que decidem em São Paulo as estréias curitibanas, pensam diferente. E dentro de um conceito de que há uma faixa "classe A", que "aprecia" este gênero mas não se anima a freqüentar um cinema como o São João (para assistir uma sessão, o espectador tem que gastar quase Cr$ 300,00 no estacionamento "Fon-Fon", na Rua Westphalen, um dos que mais explora a freguesia) decidiram incluir o Bristol e Astor no circuito de violência.
Para compensar o lançamento destes filmes-karatê, há obras preciosas: a começar pelo aguardado "Crimes e Punições", penúltimo longa de Woody Allen (ele nunca pára, e seu novo filme já está às vésperas de lançamento em Nova York), que conseguiu arrancar elogios até do irascível Paulo Francis. Não precisa dizer mais nada. Temos no circuito CIC, duas estréias auspiciosas: as refilmagens "Um Toque de Infelicidade" [Infidelidade] (de "Cousins", 59, de Claude Chabrol) e "Não Somos Anjos" (de "Veneno de Cobra", 54, de Michael Curtiz). Com isto, "A Caçada ao Outubro Vermelho" passou para o Lido II e "Além da Eternidade" de Steven Spielberg foi para o espaço. Quem viu, viu! Quem não assistiu, terá que aguardar o lançamento em vídeo.
Mas as loucuras continuam! No Plaza, onde estreou uma cópia de "Cristina... - Hanna D - A Boneca Perversa", na linha sexo-drogas, prostituição infanto-juvenil, anuncia-se para a próxima semana um festival com três importantes filmes da Columbia, que mereceriam lançamentos especiais. Em compensação, serão massacrados em apenas dois dias cada, praticamente perdidos para o público que poderia se interessar: o político "Complô Contra a Liberdade", com Christopher Lambert e Ed Harris; o musical "Tap - A Dança de Duas Vidas", de Nick Castle, com Gregory Hines e participação especial do recém falecido Sammy Davis Jr. e o belo "Incontrolável Paixão", de Michael Radford ("1984", que representou a Inglaterra no IV FestRio).
Estes três filmes, bem trabalhados, atingiriam boas faixas de público. Entretanto, estarão sendo queimados num festival improvisado.
"Camile Claudel" continua em cartaz no Ritz "Contos de Nova York", com episódio de Scorcese ("Lições de Vida"), Coppola ("A Vida sem Zoe") e Allen ("Édipo Arrasado") voltou ao Cine Luz. No distante Guarani - uma das salas mais deficitárias da cidade (seria interessante se saber quanto custa aos cofres público a sua manutenção!) em reprise "Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos", de Pedro Almodovar.
O GRANDE ALLEN
Paulo Francis raramente elogia. Portanto, sua palavra conta. E no ano passado, não só Francis, mas grandes nomes do jornalismo - a começar por Vicente Canby, do "New York Times", enalteceram "Crimes e Punições" (Cinema I, 3 sessões - sábados e domingos, também às 14 horas). Mesmo os insensíveis que não haviam, entendido a dimensão da trilogia intimista "Interiores", "Setembro" e "A Outra", foram obrigados a reconhecer: Allen, 54 anos, realizou neste "Crimes and Misdemeanors" uma (nova) obra-prima, com um roteiro inspirado livremente no maior clássico literário do russo Fiódor Dostoievski (1821-1881), mas, naturalmente, vivendo na contemporânea Nova York da qual Allen não se afasta. Depois de "A Outra" e do episódio "Édipo Dilacerado" de "New York Stories", Allen retornou a sua paixão pelos autores russos. Afinal, "A Última Noite de Bóris Gruchenko" tinha ligações com "Guerra e Paz". Em "Hannah e Suas Irmãs" mais uma vez ligava-se ao espírito da obra de Tolstoi - sem desprezar também Tchecov.
Filme que possibilitou inúmeras leituras - e que por isto mesmo deve ser visto com toda atenção - "Crimes de Pecados" é a grande estréia da semana. Maria Ester Martinho, escrevendo de Nova York, poucos dias após a estréia (15/10/89), salientou que "o filme é talvez o retrato mais irônico já composto pelo diretor do que se costuma chamar sucesso. A trama conjuga duas histórias paralelas. Na primeira, um oftalmologista bem sucedido, Judah Rosental (Martin Landau - indicado ao Oscar 90, de melhor coadjuvante por sua atuação) comete um crime para livrar-se do assédio de uma amante (Anjelica Huston) e salvaguardar seu status social e familiar. Na segunda, Allen é Cliff Stern, um produtor de documentários em eternos conflitos profissionais e afetivos. "Crimes and Misdemeanors" é o filme mais profundo já dirigido por Wood Allen - além da melhor tentativa do diretor de fazer um filme ao mesmo tempo muito sério e muito engraçado".
Décimo nono filme escrito e dirigido por Allen, Crimes e Pecados" marca a quarta vez que Allen trabalha com Som, Watersom ("Interiores", "Hannah e Suas Irmãs", "Setembro"), a segunda em que convoca a atriz Joanna Gleason ("Hannah") e décima vez que a estrela é sua mulher Mia Farrow. Mas o filme tem também Alan Alda, a chapliniana Claire Bllom, Anjelica Huston (também indicada ao Oscar de melhor atriz coadjuvante, por sua atuação neste filme e também em "Enemies"(que a Vitória Cinematográfica está ameaçando desperdiçar no Poeira São João). A equipe habitual que faz de Allen um cineasta maior: os produtores Robert Greenhut, Jack Rollins e Charles Joffe; a fotografia do mestre sueco Sven Nykvist, o desenho de produção de Santo Loquasto e a música que acaba refletindo sua própria sensibilidade de nostálgico jazzístico apaixonado pelo que de melhor fez no cancioneiro americano. Enfim, "Crimes e Pecados" é filme IMPERDÍVEL que se deve ver hoje mesmo - pois a estupidez do público que condenou ao fracasso obras como "Contos de Nova York" e "Splendor" pode fazer com que também esta nova obra-prima de Allen saia de exibição na próxima semana.
REFILMAGENS
Duas refilmagens, mas em tratamento muito especiais, constituem outras atrações da semana. "Um toque de Infelicidade [Infidelidade]" (Cousins) de Joel Schumacher ("O Primeiro Ano do Resto de Nossas Vidas", "Os Garotos Perdidos") é uma refilmagem de "Os Primos" (Les Cousins, 1959), o segundo longa-metragem de Claude Chabrol, no frescor de seus 29 anos - e quando a nouvelle vague - explodia mundialmente. Ainda com mais leveza do que na versão francesa, tratando com ironia pequenas infelidades [infidelidade], "Cousins" está agradando no Brasil: há 17 semanas tem casas lotadas em São Paulo. No elenco, a bela Isabela Rossellini, Sean Young, a argentina Norman Aleandro (de "A História Oficial") e Ted Danson - a revelação de "Meu Pai - Uma lição de Vida" que estava em exibição no Lido II, até a última quarta-feira. A fotografia de Ralf Bode é esmerada, a música é de Angelo Balamenti e este filme (Cine Condor, 5 sessões) tem tudo para agradar. No elenco ainda Lloyd Bridges, Gina DeAngelis e Gerry Bean. NÃO PERCA.
Em 1955, Michael Curtiz (1888-1962), uma espécie de pau para toda obra nos estúdios da Warner, realizou uma comédia sobre alguns prisioneiros que fogem e enganam várias pessoas passando-se por religiosos: We're No Angels"- que no Brasil se chamou "Veneno de Cobra", com Humphrey Bogart e Peter Ustinov na dupla central. No ano passado, o inglês Neil Jordan (respeitado pelo profundo "Monalisa") decidiu fazer um revival da história, mas só que convidou para fazer o roteiro, um escritor (e cineasta) tão talentoso - David Memett (roteirista de "Os Intocáveis, autor de "Perversidade Sexual e Chicago"; diretor-roteirista de "Jogos e Emoções" e "As Coisas Mudam") que a história acabou ficando totalmente diferente - pouco restando deste filme ter grande interesse par quem busca comédia, suspense e crítica social.
LEGENDA FOTO 1 - Anjelica Huston e Martin Landau em "Crimes e Punições" de Woody Allen - o melhor filme da semana. No Cinema I.
LEGENDA FOTO 2 - Sean Penn e Robert de Niro em "Não Somos Anjos": uma refilmagem de "Veneno de Cobra" em exibição no Lido I.
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