Laraine Day, a estrela dos anos 40 (e de 39 filmes) anônima na cidade
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 19 de maio de 1974
Sentada na arquibancada do Ginásio do Tarumã, ao lado de suas filhas Dana e Gigi, ninguém reconheceria na elegante senhora de meia idade, uma das principais atrizes do supporting cast da Metro Goldwyn Mayer do final dos anos 30 e toda a década de 40. Assim como no Hotel Caravelle, onde ela está hospedada há quase dois meses, ninguém até hoje lhe pediu autógrafos. É apenas uma senhora americana, muito distinta, mãe extremada de duas belas meninas, esposa dedicada de um dos principais executivos da superprodução Disney On Parade (Ginásio do Tarumã, estréia nacional na sexta-feira, dia 24) e que na terceira noite que passou em Curitiba ficou muito preocupada: sua filha Gigi ficou gripada com o nosso tradicional frio e seu estado de saúde exigiu a presença de um atencioso médico.
Realmente, ninguém até agora havia reparado que está em nossa mui leal Vila da Nossa Senhora da Luz dos Pinhais, na várias semanas, a atriz que já contracenou com Spencer Tracy, Gregory Peck, Clark Glabe, Jeff Chandler, Ronald Colmann, Gary Grant, Gary Cooper e tantos outros ídolos da Usinha dos Sonhos chamda Hollywood.
A atriz que sob as ordens de cineastas como Alfred Hitchcook, Cecil B. De Mille, Josef Von Sternberg, William Wellman, Charles Vidor, Mervyn LeRoy e King Vidor apareceu em alguns dos mais marcantes filmes do cinema americano.
Enfim, a atriz LARAINE DAY - a enfermeira Madeline de "Pelo Vale das Sombras" - o famoso filme em que Gary Cooper interpretou o médico Gorydon M. Wassell, ou a passageira Lydia Rice em "Um Fio de Esperança", dois de seus filmes mais famosos, está em Curitiba, simplesmente acompanhando o seu marido e portanto identificada oficialmente como Mrs. Michel Grilikhes.
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Nascida em Roosevelt, uma pequena cidade de Utah - o mais agreste dos Estados americanos que a fé dos mormons transformou numa próspera unidade, a 133 de outubro de 1920, Laraine Johnson, filha de com comerciante de lã e cimento, sempre "se considerou artista". Na escola primária já se interessava por teatro e música - "pois os mormons, embora radicados em muitas questões, incentivam as artes". Em termos musicais, uma prova disto é o coral do Tabernáculo, em Salt Lake City, a maior cidade de Utah - um dos melhores (e maiores) do mundo.
Mas só em 1930, quando seus pais mudaram-se para Palm Beach, é que surgiram as primeiras chances para Laraine Johnson tentar o mundo artístico. E como tantas outras começou pelo teatro - não se lembra exatamente quando, mas deve ter sido "dois ou três anos antes de fazer o primeiro filmes". E como sua estréia se deu em um clássico de King Vidor - "Stella Dallas", em 1937, pode-se estimar o início artístico da grande atriz há 40 anos.
Em "Stella Dallas" a atriz principal era Barbara Stanwwyek - ao lado de anne Shirley e John Boles, nomes de destaques da época. E o papel de Laraine foi bem curto.
Apenas uma ponta selecionada por um dos assistentes de mr. Vidor, explica.
Mas o fato é que já no ano seguinte faria três outros filmes - então com participação maior: "Scandal Street", na Paramount, "Border-G Men" e "Painted Desert", ambos na RKO. Em 1939, após mais um filme no estúdio de Howard Hughes, ( "The Arizona Legion"), merecia uma grande oportunidade: o austríaco Josef von Sternberg (1894-1969), nove anos após ter lançado a alemã Marlene Dietrich em "O Anjo Azul" (Der blaue Engel, 1930) lhe confiava um dos papéis de destaque de "Sargento Madden" (Sergeant Madden). Esta fita marcaria a carreira de Laraine por vários motivos: foi o seu primeiro trabalho na MGM, que acreditando em seu talento lhe contrataria com exclusividade por mais de 10 anos, mas, em compesanção, exigiu que ela adotasse um novo nome: até então, aparecia com seu nome verdadeiro - Laraine Johnson. Na Metro, havia uma atraiz chamada Rita Johnson e na hora de optar por um novo sobrenome, Laraine lembrou-se de um dos primeiros diretores de teatro que havia conhecido - mr Day, e a partir deste dia passou a ter um novo nome artístico.
E de Von Sternberg, o que acha?
Era um homem estranho, calado. Quando estava presente todos ficavam em silêncio e ele se dava ao luxo de escrever num quadro-negro o nome da pessoa com quem sempre lhe levava chá e bolos. Com suas pernas que ele fez famosas.
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A partir do ingresso de Laraine Day na MGM - então o principal estúdio de Hollywood, Laraine Day passou a atuar em vários filmes, dentro do esquema industrial que os tycoons da empresa - Samuel Goldwyn (1884-1974) e Louis B. Mayer (1885-1957), na cúpula, supervisionaram . E ficou famosa a série que Laraine fes como a enfermeira do Dr. Kildare.
Era uma série totalmente diferente da que muitos anos depois foi produzida para a televisão. Não há nada em comum entre as duas.
E qual a razão do sucesso daquela série?
O americano parece gostar de filmes sobre médicos e hospitais.
Em 1939, Laraine fez "Tarzan Finds A Son", dirigido por Richard Thorpe - 15 filme da série de fitas sobre o personagem criado por Edgard Rice Burroughs (1875-1950). Johnny Weis muller era Tarzan, Maureen O'Sullivan a Jane e John Sheffield e boy.
Sua explicação:
Cai um avião. O único sobrevivente é um garoto que Tarzan e Jane Adotam. Os componentes de uma expedição de resgate - da qual eu era uma das intérpretes - caem nas mãos de selvagens sangüinários. Tarzan os salva. Em agradecimento, eles lhe deixam o garoto.
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De todos os diretores com quem trabalhou, Laraine destaca Charles Vidor (1900-1959),, como o seu predileto:
Ele permitia ao intérprete dar o melhor de si.
Sobre Cecil Blount De Mille (1881-1959), que a dirigiu há 30 anos em "Pelo Vale das sombras", tem uma opinião crítica:
Foi um grande diretor de superespetáculos, de multidões. Jamais poderia fazer um filme intimista.
A respeito de Alfred Hitchcook - com quem fez "Correspondente Estrangeiro" em 1940, opina:
Ah! Hitch faz tudo: ele dirige, escreve, representa e até respira pelo intérprete. É um diretor absorvente.
William Wellman, hoje aos 78 anos, que há 20 a dirigiu em "Um Fio de Esperança"- um dos grandes sucessos de bilheteria de Warner Brothers nos anos 50 e que deu início a uma série de filmes sobre acidentes de aviação - é quase laconica.
Um bom diretor. Competente.
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Mas foi "The Locket", que fez em 1946, sob direção de John Brahm (cineasta nascido em Hamburgo em 1893, em Hollywood a partir de 1937), sobre um caso de cleptomania, o filme que mais a agradou - atuando ao lado de Roberto Mitchum e do latino Ricardo Cortez. Embora não esqueça de destacar "Meu Filho, Meu Filho" (My Son, My Son, 1939) - feito ainda para a United Artits, antes de seu longo contrato com a Metro. O motivo é óbvio: "foi dirigido por Charles Vidor, um cineasta que sabia obter dos intérpretes o melhor rendimento".
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Residindo em Hollywood há mais de 30 anos - apesar de suas constantes viagens ao Exterior, acompanhando o marido, mantém uma mansão em Beverly Hills, Laraine Day não cita um único nome conhecido do cinema como seu amigo ou amiga.
Eu recebia os colegas em minha cas, frequentava as suas festas, mas meus amigos, de fato, sempre foram pessoas de outros setores profissionais.
Após "Um Fio de Esperança", Laraine interpretaria para a Universal uma comédia romântica que fez algum sucesso no Brasil - Em Curitiba foi lançada no antigo cine Ritz, em maio de 1958: "Três Coraçòes Solitários" (Toy Tiger, 1956, de Jerry Hopper) ao lado de Jeff Chandler (1917-1961) e Cecil Kellaway. Mas o grande astro da fita era um menino chamado Tim Hovey, que a Universal havia lançado como garoto-prodigio um ano antes em "A Guerra Íntima do Major Benson".
Laraine, onde está hoje Tim Havey?
Não tenho a menor idéia. Deve ter acontecido com ele o mesmo que ocorreu com outros prodígios: cresceu e deixou de ser prodígio.... e ator.
Na época de produção de "Toy Tiger", Laraine já explicava estar fazendo menos filmes. Numa entrevista a Screen Stories (no Brasil, "Filmelândia", dizia:
Na minha opinião, o ideal é exatamente o que estou fazendo, isto é, um ou dois filmes por ano. Fazendo mais, o artista passa quase o tempo todo diante das câmaras ou então em preparativos para filmar. Ora, a monotonia que então invade o ator reflete-se em seu trabalho e eu não quero que isso aconteça comigo. Houve um ano em que fiz quase dez filmes e no fim já o público e eu estávamos saturados um do outro.
Na época, Laraine já dizia do medo de aceitar papéis, que pudessem se transformar no que é conhecido por série. Pois tão excelente foi num desses papéis que levou 12 anos para livrar-se dele: a enfermeira Mary Lamont, ao lado de Lew Ayres, nos filmes do dr. Kildare.
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Desde que a televisão apareceu nos EUA, Laraine day fez programas especiais. Foi em Nova York, na produção de um deles, que conheceu Michael Grilikhes, mas que só voltaria a rever seis anos depois, em Londres, na produção de um programa da série "Playhouse 9". E em 1961, casaria com o produtor.
Falando em Nova York, V. prefere morar na Costa Oeste ou naquele cidade?
Nova York me atraiu há muitos anos. Quando era uma cidade com lei, limpeza e pessoas. Hoje há poluição, corrupção na polícia e violência.
Uma das últimas estadas demoradas de Laraine em Nova York, foi quando fez sua última peça na Broadway - "Gas Light", em 1959. Inspirada na novela "Angel Street", com Gregory Peck, foi um sucesso e depois viajou por várias cidades. Posteriormente, Laraine só voltou a atuar em ooutra peça: "The Women", em temporada no Fort Worth. No elenco, estava outra atriz que hoje o cinema esqueceu: a loira Sheree North.
Convidade para voltar ao teatro, em várias ocasiões, Laraine tem sempre recusado.
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O último filme que Laraine Day fez foi "A Terceira Voz" (The Third Voice, 1959) de Hubert Cornfield, com Edmond O' Brien. A respeito, ela diz:
foi um thrilling de suspense, feito por um jovem cineasta cujo nome não me lembro, pois estava começando no cinema.
Na verdade Cornfield havia começado há mais tempo: em 1951 e tinha feito três outros longos. Três anos depois, Stanley Kubrick lhe produziria seu primeiro sucesso: "Tormentos d'Alma".
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Admitindo, nostalgicamente, que o bom cinema americano foi dos anos 40 "e me alegro ter participado desta época", Laraine não pensa em voltar a filmar ou atuar em teatro. Cito o exemplo de Lauren Bacall, de sua geração, que foi um êxito na montagem de "Aplauses":
Para mim, o importante são minhas filhas - Gigi, 9 anos, Dana, 11, meu marido e meu lar. Não preciso mais do cinema e do teatro: preciso de minha família.
Sem mágoas por nunca ter merecido uma nomination para a Oscar, conta que hoje vai pouco ao cinema. Quase só aos filmes indicados pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood. Do pouco que viu recentemente, cita "Um Toque de Classe" e "Butch Cassidy" como dois que lhe agradaram bastante.
Na música gosta de cantores románticos - "como Frank Sinatra e Perry Como". Leitura?
Romances policiais (e mostra o pocket-book que estava lendo antes da entrevista: "The Cabirel Hounds" de Mary Stewart"). Acrescenta:
Eu Não leio Shakespeare!
De formação Mormon, sempre discreta em sua vida particular apesar de dois requintes anteriores - em 1942 casou com Ray Hendricks, do qual teve dois filhos: Angela e Christopher; divorciou-se em 1946 e no ano seguinte casou com Leo Durocher, do qual se divorciou há 14 anos - Laraine Day sempre esteve na categoria das Ladies de Hollywood, livres das fofocas maldosas estilo Louellea Parssons (1881-1973), Hdda Hopper, ou Sheilla Graham. E diz numa sintética frase a razão, sem falsa modestia: Porque eu sempre fui Lady.
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Conservando a beleza da juventude, elegante em seus trajes discretos, uma bela silhueta apesar da tenção dos doces e dos pratos que engordam (ri quando lhe conto o pensamento de Mafalda, a respeito: Tudo que é bom na vida é pecado ou engorda") - Laraine Day é sincera ao dizer que até vir para Curitiba, acompanhando o marido, pouco sabia do Brasil. Nunca viu um filme brasileiro e de nossa música só tinha ouvido Sérgio Mendes. Na cidade, com bastante tempo livre, tem passeado muito e feito algumas compras. Gostou muito da Rua das Flores.
E no final, a clássica pergunta - há muito engatinhada:
Afinal, porque V. abandonou o cinema a 14 anos?
Bem, em primeiro lugar a família, as crianças. Tenho recebido alguns secreenplays, vários convite, Mas eu sou do tempo de que havia um cinema em que as atrizes usavam roupas.
LEGENDA FOTO 1 - Conservando os traços da beleza que a fez uma das atrizes de sucesso dos anos 40. Laraine Day é hoje uma elegante senhora que se dedica ao marido e as duas filhas.
LEGENDA FOTO 2 - Laraine Day: "No meu tempo as atrizes usavam roupas".
LEGENDA FOTO 3- A família Grilikhes: Michael, Gigi, Laraine e Dana.
LEGENDA FOTO 4 - Laraine, 1940: ao lado de Eduardo Cianelli, Herbert Marshall e Joel MacCrea em "Correspondente Estrangeiro", um trabalho do mestre Hitchcock.
LEGENDA FOTO 5 - Laraine, 1941: em "A Laraine, 1942: "Sublime Suprema Cartada". Alvorada.
LEGENDA FOTO 6 - Laraine, 1948: "Minha Secretária Favorita", ao lado de Kirk Douglas.
LEGENDA FOTO 7 - Laraine, 1954: "Um Fio de Esperança"; 1956: "Toy Tiger".
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