Maria escreve livro sobre o pai Tenório
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 20 de setembro de 1986
O filme só estreará em setembro, depois da Copa. Afinal, Sérgio Rezende sabe que apesar de toda euforia pelo cinema brasileiro neste primeiro semestre, nas águas das três premiações internacionais (Oscar a William Hurt, por "O Beijo da Mulher Aranha"; Urso de Ouro para Marcélia Cartaxo por "A Hora da Estrela" e Palma de Cannes a Fernanda Torres por "Eu sei que vou te amar"), os jogos no México, a partir da próxima semana, farão com que os cinemas esvaziem.
Assim, catipultuado [lançado] com os principais prêmios do último Festival de Gramado - incluindo os Kikitos, de melhor filme (júri oficial e popular), "O homem da capa preta" pode ser o grande acontecimento cinematográfico no segundo semestre.
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Se o filme não chega agora as telas, em compensação na semana passada as livrarias já receberam "Tenório - O Homem e o Mito" (216 páginas, Cz$ 69,90, Record), de Maria Carmo Cavalcanti Fortes - um dos três textos em que Rezende, José Louzeiro e Tairone Feitosa se basearam para construir o roteiro enxuto, preciso e inteligente do filme. Além do livro de Maria de Lourdes do Carmo Fortes, foram básicos o ensaio "Capa Preta e Lurdinha - Tenório Cavalcanti e o povo da Baixada", de Israel Beloch (desenvolvida como dissertação de mestrado) e "Meu Pai, Tenório" de Sandra Cavalcanti Freitas Lins - caçula de Tenório e cujo livro ainda está inédito.
Esposa do general Sérgio da Rocha Lima Fortes, ex-comandante do Colégio Militar de Curitiba, residindo em Curitiba desde 1958, mãe de três filhos - Frederico Antônio, Marcelo e André - do Carmo Fortes é uma de nossas mais conhecidas pintoras naif. Seus trabalhos estão espalhados em coleções importantes e ela já é verbete até em dicionários e enciclopédias de arte editadas na Europa e Estados Unidos.
Há anos que, pela natural admiração ao seu famoso pai - Natalício Tenório Cavalcanti de Albuquerque - e da imagem distorcida que foi criada em torno de sua personalidade - Do Carmo Fortes prometia uma biografia. Afinal, com exceção do pioneiro trabalho jornalístico de Arlindo Silva ("Memórias de Tenório Cavalcanti", O Cruzeiro, 1954), literatura de cordel e muito material fantasioso, pouco havia de concreto sobre a personalidade conflitante, independente e polêmica do político que nascido nas Alagoas se tornaria o nome mais famoso da Baixada Fluminense durante quase 30 anos.
O Tenório Cavalcanti da capa preta, da metralhadora "Lurdinha", que de vereador de Caxias chegou em várias legislaturas a Câmara Federal e disputou tanto o governo do Estado do Rio de Janeiro como do Estado da Guanabara (perdendo para Carlos Lacerda) é, sem dúvida, uma figura fascinante - e isto fez com que o cineasta Sérgio Rezende (autor de filmes marcantes como "O sonho não acabou" e "Até a última Gota") realizasse um filme apaixonado sobre a sua vida. Aos 78 anos (embora algumas biografias indiquem seu nascimento como 27 de setembro de 1906, na verdade nasceu em 1909), afastado da política há quase 20 anos, Tenório recebe agora uma visão extremamente pessoal de sua filha, Maria do Carmo. Afinal, embora consciente de que a imparcialidade é sempre penosa para quem participou intimamente da vida atribulada de uma personalidade como este homem, sua abordagem pessoal busca "exorcizar" o passado. Do político, do homem público, a autora procura transmitir uma visão isenta de paixões, separando o cidadão do pai, o político do amigo. Uma tarefa difícil, é claro, mas desenvolvida a contento.
Do Carmo Fortes busca justificar a personalidade de seu pai face às suas origens, iniciando a narrativa reportando-se à Vila do Bonifácio, nas Alagoas, onde ele nasceu e de onde partiria, em 1927, para tentar a vida no Rio. Entende Do Carmo Fortes, que muitos dos conflitos que pontilharam sua carreira foram gerados pelas marcas que trouxe da infância, somadas à têmpera do caráter nordestino, do homem do sertão, do habitante da solidão povoada de morte. Como tantos outros, ele chegou ao Rio trazendo um código de honra, uma escala de valores, e isso tudo entraria em choque com a permissividade da metrópole.
Depois da visão acadêmica que Israel Beloch deu a Tenório Cavalcanti em sua dissertação de mestrado de história da Universidade Federal do Paraná, analisando especialmente as relações sociais entre o político e a população da Baixada Fluminense, temos agora uma visão familiar de Maria do Carmo Cavalcanti Fortes.
Qual será o approach que a sua irmã, Sandra, dará agora em "Meu Pai, Tenório" - completando assim uma trilogia de livros sobre um dos homens que marcaram a vida política brasileira nos anos 50.
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