Só 10 viram os raros filmes de Joris Ivens
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 20 de setembro de 1986
A surpresa não poderia ser maior e mais agradável. Os 10 espectadores que foram à Cinemateca na noite de quarta-feira, 17, para assistir "Comissário Pepe", filme que Ettore Scola realizou em 1969 e que é praticamente inédito no Brasil, receberam a notícia de que havia surgido uma programação extra: uma mostra de filmes do mais importante documentarista da história do cinema, o holandês Joris Ivens.
Oito dos 65 preciosos filmes que Ivens realizou até hoje foram trazidos a Curitiba por nada mais, nada menos, que o próprio diretor da Cinemateca Nacional da Holanda, Jean Dvaal, que acompanhado de sua esposa, Catarina, diretora dos Arquivos Joris Ivens, esteve em Salvador, participando da Jornada de Cinema da Bahia.
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Devido a programação ter sido feita em cima da hora - ontem o casal Dvaal viajou para Porto Alegre, de onde segue a Montevidéu - a Fundação Cultural não pôde divulgar a exibição destes filmes tão importantes quanto desconhecidos. Entre eles, uma obra citada em todas as biografias de Ernest Hemingway: "Terra da Espanha" (Spanish Earth), que um grupo de intelectuais de esquerda dos Estados Unidos - entre os quais Hemingway, Lelian Hellman e John dos Passos - ajudou a realizar em 1937, para obter fundos em favor das brigadas internacionais que combatiam as tropas de Franco na Guerra Civil Espanhola. Outro filme exibido, "Aqui, Indonésia", rodado na Austrália, em 1946, sobre o movimento da independência das Filipinas, foi a obra que tornou, por 40 anos, Joris Ivens uma persona non grata ao governo holandês - o que o fez se fixar em Paris, onde vive até hoje.
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Simpáticos, falando francês, Catarina e Jean Dvaal explicaram aos poucos espectadores presentes na Cinemateca, que Ivens, aos 88 anos, continua lúcido e vigoroso - e que só não veio ao Brasil porque se encontra na China, ali realizando um projeto que há muitos anos o fascinava: um documentário sobre o vento que sopra no deserto de Gobi e faz com que as areias cheguem até as ruas de Xangai.
Comunista desde a juventude - mas sem jamais ter entrado no Partido - Ivens publicou há pouco uma autobiografia ("La mémoire de un regard"), que Dvaal espera ver traduzido para o português. Em sua imensa obra de documentarista, Ivens sempre se voltou ao trabalho, a natureza e a opressão social, realizando verdadeiras obras primas. Amigo de Alberto Cavalcanti (1897-1982) foi seu assistente em "Die Vin Rose", um episódio rodado no Brasil e também trabalhou como assistente em "As Aventuras de Till" (1956), único filme que um dos mais famosos atores da França, Gerard Phillip (1922-1959), realizou como diretor.
Três filmes curtos e emotivos também fizeram parte da inesperada - e única - oportunidade de se conhecer o cinema de Joris Ivens, em Cinemateca: "Flecha Ardente", seu primeiro filme, realizado familiarmente quando tinha 14 anos de idade; "Der Brug" (A Ponte), seu primeiro documentário, de 1928 - com influência da vanguarda européia e o lírico "A Chuva", de 1929, no qual captou com imensa poesia, um dia chuvoso em Amsterdam.
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Só se pode lamentar que, mais uma vez, filmes tão importantes de um cineasta que faz parte da história do cinema mundial, tenham tido uma projeção tão clandestina como esta. A cidade cresceu, os eventos se multiplicam e o público que poderia aproveitar ocasiões como estas não aparecem.
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A propósito: o Goethe Institut, promove a partir do dia 29, o seminário "Brecht e o Cinema", com obras importantes. Vera Lúcia, coordenadora do Goethe, mostra-se pessimista com a falta de interesse do público e, com justa razão, chega a comentar: "É uma roda viva na organização que não deixa a gente respirar. Às vezes me pergunto se vale a pena, pois pra tanto trabalho o público é ínfimo!"
O Seminário terá orientação de teórico Dans Joachimk Schlegel, 44 anos e inclui filmes realizados pelo próprio Brecht e Karl Valentim, como "Os Mistérios de uma Barbearia"(1923) e "Kuhle Wampe", além de "Outubro" (Eisenstein), "A Ópera dos Três Vintes" (Pabsts, 1930), "Tempo de Guerra" (Godard, 63) e dois filmes nacionais - "O Desafio" (Paulo Cesar Sarraceni) e "Os Deuses e os Mortos" (Rui Guerra) , com debates coordenados pelo crítico Jean Claude Bernardet.
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