Jornadas da Bahia, a mostra do cinema real
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 18 de dezembro de 1990
O governador eleito da Bahia, Antônio Carlos Magalhães - que pela terceira vez volta ao poder em seu Estado - tem uma chance de mostrar que os grandes eventos culturais devem ser prestigiados. Para tanto basta dar ao Guido Araújo condições de reativar as Jornadas de cinema de Salvador, interrompidas em sua 17ª edição, há dois anos, pela falta de apoio oficial.
Reconhecido hoje como um dos mais importantes eventos na área do cinema documentário - comparado ao Oberhausen, na República da Alemanha - as Jornadas que Guido organizou desde 1972 cresceram de uma modesta realização regional para merecer o respeito e atenção dos importantes cineastas e produtores do cinema documental. Para tanto valeu a seriedade com que Guido sempre marcou o evento, por ele literalmente carregado nas costas por 17 anos, raras vezes encontrando os apoios merecidos.
Quando retornou a Salvador - após passar quase 20 anos no Rio de Janeiro e na Checoslováquia - Guido Araújo reencontrou a cidade vivendo os últimos anos da euforia do ciclo de cinema que ali prosperou nos anos 60. A eclosão de um vigoroso cinema de jovens realizadores locais - naturalmente capitaneados por Glauber Rocha, mas que incluía retrospectiva de filmes que Roberto Pires ("Redenção", "A Grande Fera", "Tocaia no Asfalto"), Trigueirinho Neto, o próprio Glauber ("Barravento", "Deus e o Diabo na Terra do Sol"), entre outros, ali realizaram. Paralelamente, o Goethe Institut promovia uma mostra retrospectiva do Festival de Oberhausen, embrião para que, com o entusiasmo do jovem diretor da instituição, Roland Schafner (que se apaixonou tanto pela Bahia, que ali casou e vive até hoje) resultaria numa I Jornada de Curta-metragens em janeiro de 1972. Em seu encerramento nasciam as bases para o evento adquirir regularidade, sempre na segunda semana de setembro e crescendo já para a Jornada Nordestina.
Em 1979, quando problemas orçamentários ameaçaram o evento, o seu prestígio era tamanho que o reitor Linaldo Cavalcanti, da Universidade da Paraíba, o abrigou em João Pessoa. Entre 1983/84, as Jornadas - já com dimensão nacional - foram transferidas para Cachoeira, apesar dos problemas de infra-estrutura daquela histórica cidade. Em 1985, voltaria para Salvador, internacionalizada. Com prestigiamento inclusive de Joris Ivens (1898-1989), o maior nome do cinema documental, e que só não veio a Salvador devido a problemas de saúde. Entre 1985/88, as Jornadas internacionalizaram-se em definitivo, com prestigiamento a cinematografias do terceiro mundo. Seminários, mesas redondas, conferências, sempre deram uma característica da maior seriedade ao evento, na qual o Paraná teve participações de destaque, inclusive com a premiação do curta "Carta ao Sr. Fellini", de Valêncio Xavier, numa das edições.
Símbolo de resistência cultural, enfrentando inclusive a má vontade de autoridades militares, as Jornadas se incluem, como um evento da maior importância cultural - e seu restabelecimento, devidamente apoiado pelo governo da Bahia, é hoje a maior reivindicação de quem se interessa por cinema e vídeo no Brasil.
Guido Araújo, baiano de Castro Alves, 52 anos completados em 12 de julho, já realizou uma dezena de filmes, voltados tanto a documentação de aspectos da cultura e tradição ameaçados de desaparecimento, como a questões sociais e problemas ecológicos. Discípulo do maior nome da crítica de cinema da Bahia, Walter da Silveira (1925-1970), ainda jovem teve atuação no cinema do Rio, onde foi assistente de Nelson Pereira dos Santos nos filmes "Rio 40 Graus" (1954) e "Rio, Zona Norte" (1956). Com bolsa de estudos foi estudar cinema em Praga, ali casando e residindo de 1958 a 1970, quando voltou ao Brasil.
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