Há 60 anos, o artista plástico Hans Richter já realizava filmes de vanguarda. Exposição de filmes e fotos de Hans Richter
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 23 de abril de 1987
Numa das seqüências do documentário sobre Hans Richter, que acompanha a exposição de fotos patrocinada pelo Goethe Institut (Sala FUNARTE, Rua Cruz Machado, 98, até o dia 2 de maio), aparecem Richter e os cineastas Sergei Eiseinstein (1898-1948) e Man Ray (1890-1976). Só a fixação deste encontro dá uma dimensão da importância de Hans Richter (1888-1976), artista plástico, precursor da vanguarda, com resultados excelentes - como nesta rara oportunidade, os interessados poderão assistir na Sala FUNARTE (hoje e no dia 28, às 16 horas).
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Se Eiseinstein é hoje um nome conhecido mesmo do grande público, graças à fama de seus filmes "O Encouraçado Potemkin" (1925), "Alexander Nevski" (1939), "Ivam, O Terrível" (1945/46), e mesmo "Que Viva México" (1931/32), que deixou incompleto mas foi concluído por um de seus assistentes, de Richter e Man Ray, poucos sabem. Os filmes de Eiseinstein tem sido constantemente reprisados na Cinemateca - além de alguns estarem a disposição em vídeo com boa qualidade. Entretanto, os filmes experimentais que Hans Richter realizou a partir de 1921 (seu "Rhythmus 1", cinco anos após ter se integrado ao Movimento Dada, em Zurique) só poderão ser apreciados neste importante documentário, narrado em português, cópia em 16mm, e que pertence a filmoteca do Consulado Geral da República Federal da Alemanha, em Curitiba.
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Embevecido, ao assistir pela primeira vez as imagens dos filmes de Richter, intercaladas de depoimentos de várias fases de sua própria vida, o artista plástico e designer Ivens de Jesus Fontoura, 43 anos, coordenador da área de Museus da secretaria da Cultura, impressionava-se com a atualidade das idéias de Richter. Especialmente seus conceitos sobre os usos de formas, expostos em palestras há 60 anos, permanecem absolutamente perfeitos - entrosando-se inclusive com propostas que hoje fascinam Ivens e que está desenvolvendo para sua tese de mestrado, iniciada há 4 anos, quando foi estudar na Universidade do México.
Filmes experimentais realizados por Hans Richter, a partir de 1921, antecipavam formas de propostas visuais, que, se hoje são comuns graças ao computador (especialmente para a televisão brasileira, onde outro Hans - o Donner, da Globo - faz misérias com os recursos da informática), há 50 anos, quando o cinema ainda engatinhava em sua técnica, Richter e seus colaboradores conseguiram verdadeiros milagres, como mostram os fragmentos de seus filmes, agora possíveis de serem apreciados na Sala FUNARTE.
Perseguido pelo Nazismo - como centenas de outros artistas e intelectuais, Richter viajou para a França, Holanda, e finalmente para a Suíça, antes de, em 1941, emigrar para os Estados Unidos. Diretor efetivo e, desde 1948, também professor no Institut of Films Techniques do City College de Nova Iorque, ali, ao lado de filmes curtos ("Der Sieg Im Osten" / A Viúva Do Oriente, "Invasion" / A Libertação De Paris), durante três anos se empenhou num longa-metragem hoje histórico (e que lamentavelmente não acompanha esta mostra): "Dreams That Money Can't Buy" (Sonhos Que O Dinheiro Não Pode Comprar), em cores, que, há 40 anos obtinha o Prêmio Internacional da Bienal de Veneza "por sua excelente contribuição para o progresso da arte cinematográfica". Uma idéia fascinante e bem desenvolvida: o poeta, um vendedor de sonhos, vê no olhar de quem lhe está defronte, imagens dos processos íntimos da alma, aspirações e angústias. Este filme, desenvolvido entre 1943/47 (e que em Curitiba foi projetado há 15 anos passados, no Teatro do Paiol) nasceu da colaboração de velhos amigos de Hans Richter, pintores e escultores pertencentes a primeira vanguarda dos anos vinte: Max Ernst, Fernand Léger, Man Ray, Marcel Duchamp e Alexander Calder (o criador do mobile). Foi assim que foram crescendo os sonhos de 1944-47, entre amigável colaboração.
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Chega a ser até irônica a atualidade dos filmes de Hans Richter. Por exemplo, "Inflation" (Inflação, 1927/28) - desenvolvido na Alemanha pré-Hitlerista e antes do crack da Bolsa de Wall Street, em suas imagens rápidas e delirantes, "parece até um cinejornal, sobre a realidade brasileira", conforme comentário do cinéfilo César Fonseca, maravilhado ante o cinema de Hans Richter. "Inflação" foi realizado como introdução para um filme da UFA, "Die Dame Mit Der Maske" ( A Senhora Da Máscara), de Wilhelm Thiele, e é definido como "uma dança macabra do zero inútil valorizado e do ser humano desvalorizado. Todo o edifício social desaba na anarquia total. Enquanto as coisas diminuem, as notas de um banco aumentam cada vez mais e os zeros se multiplicam até o infinito".
Outro filme fascinante de Richter é "8 x 8 - O Tabuleiro". Nele, o jogo dos contrastes, de incidentes e acidentes, de reis e peões, de homens e mulheres, de recursos e sucessos... das infinitas combinações da vida. Interpretado por amigos e colegas a quem esteve unido por décadas.
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Com 97 fotos, a mostra de Hans Richter - "Pintor e Cineasta", simples em sua estrutura, é extremamente informativa sobre um dos artistas mais importantes do século. Uma (rara) oportunidade dos vanguardistas de botequins, que julgam tudo conhecer, entender que há 60 anos já se fazia (talvez até de forma mais criativa) o que hoje os vanguardeiros curtem...
LEGENDA FOTO 1 - Hans Richter recebe do enviado italiano (à esquerda), o Prêmio Internacional da Bienal de Veneza pelo filme "Dreams That Money Can't Buy". À direita o presidente do City College de Nova Iorque, onde Hans Richter era professor em 1947.
LEGENDA FOTO 2 - Um encontro histórico: Hans Richter, Sergei M. Eiseinstein e Man Ray, em 1929.
LEGENDA FOTO 3 - Richter fotografado em 1958.
Fotos-reproduções de Alice Varajão
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