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Paulo Emílio conta quem foi o pai de Jean Vigo

Ao mesmo tempo em que se preparava para viajar ao Japão - onde permanecerá um ano, desenvolvendo tese sobre o cineasta Yasujiro Ozu (1903-1963), a crítica Lucia Nagib trabalhou intensamente. Como uma das executivas da Fundação Cinemateca Brasileira organizou vários ciclos - inclusive um sobre escolas de cinema da Alemanha, que [motivou] sua vinda [à] Curitiba, em promoção do Goethe Institut há alguns meses escreveu um belo livro sobre o cineasta alemão Werner Herzog e traduziu "Vigo, Vulgo Almereyda" que Paulo Emílio Salles Gomes (1917-1977) escreveu em Paris, quando ali residiu nos anos 40. "Vigo, Vulgo Almereyda" (notas de Edgar Carone, capa de Ettore Bottini, co-edição Edusp/Cinemateca Brasileira/ Companhia das Letras) é o único livro existente sobre uma das personalidades mais interessantes do anarquismo francês. O nome Almereyda é, na verdade, um anagrama da expressão "que tem merda" (oy il y a de la merde"). Foi essa a forma que um jovem franzino e solitário encontrou para renegar o nome do pai e do avô que não conheceu e insultar a sociedade indiferente à miséria dos oprimidos. Além disso "Miguel Almereyda" soava anarquista e espanhol. Foi assim que nasceu o jornalista e militante libertário que ficaria famoso na França da Belle epoque - é citado por Victor Serge e tornou-se notório também por ser o pai de Jean Vigo (1905-1934), o grande cineasta francês de vida e obras breves, mas de importância fundamental para a história do cinema ( "A Propos de Nice", 29; "Taris-la Natation", 31 "Zéro de conduite", 33/35; "L'Atalante", 34). Foi justamente a partir de pesquisas sobre Jean [Vigo] (a quem dedicou um livro, também editado na França e que só há poucos anos foi traduzido para o português pela Paz & Terra) que Paulo Emílio Salles Gomes, um dos mais importantes ensaistas e pensadores sobre cinema, se deparou com o extraordinário Miguel Almereyda, cuja vida lhe pareceu merecer também um longo estudo. Escrita em francês - e inédita desde 1952 - esta obra mostra com brilho literário a vinda de um [homem] que reflete todas as tensões e ambigüidades de sua época. Na França do começo do século, Almereyda descobre na prisão sua vocação de revolucionário. Liga-se ao movimento anarquista, quase se transforma em terrorista, escreve artigos violentos no Libertaire. Contudo, a guerra entre a França e a Alemanha fez dos revolucionários um nacionalista fanático. Liga-se a políticos, seus antigos inimigos, conspira; sua impetuosidade porém, para muitos, é nada menos que traição. Mas sua incoerência, talvez, seja compensada por sua sinceridade: toda sua vida é obra de vontade. Em 1917, novamente na prisão, morre misteriosamente. Esta personagem instigante interessou a Paulo Emílio não apenas pelo fato de ser o pai de um grande cineasta, mas por mostrar a trajetória de um estranho aventureiro em um tempo de transformações vertiginosas. Sem julgar o ator ou o cenário, Paulo Emílio escreveu "Vigo, Vulgo Almereyda" para compreender o momento político anterior à revolução russa. Paulo Emílio Salles Gomes foi um dos melhores conhecedores de cinema do mundo. Neste momento em que Brasília realiza seu 24o. Festival do Cinema brasileiro, a lembrança de Paulo Emílio é viva: foi ele que, como professor do pioneiro curso de cinema da Universidade de Brasília, ainda nos anos JK, idealizou este evento que, sofrendo as mais difíceis crises, continua a acontecer. Paulo Emílio foi militante de esquerda, preso aos 17 anos, fugiu e viajou para Paris, onde permaneceu por dois anos. Em 1946 retornou para estudar cinema - época em que seria companheiro de um grande intelectual curitibano, o também crítico (hoje aposentado) Armando Ribeiro Pinto - quando ambos freqüentavam a Cinematheque Française. De volta ao Brasil, foi fundador da Cinemateca Brasileira em 1949 (nasceu como um clube de cinema). Além de escrever sobre Jean Vigo (1957), que lhe deu o prêmio Armando Tallier, da França, publicou centenas de artigos no suplemento literário de d'"O Estado de São Paulo" - carinhosamente reunidos e editados por seu discípulo, Carlos Augusto Calil, diretor executivo da Fundação Cinemateca Brasileira, em dois volumes editados pela Paz & Terra. Como ficcionista, escreveu também três novelas em "Três Mulheres de três PPPs", uma das quais foi levada ao cinema por Paulo Cesar Sarraceni ( "Ao sul do Meu Corpo", 81). Conservador-chefe da Cinemateca Brasileira, em 1968 passou a lecionar História do Cinema na USP até sua morte há 14 anos.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
20
06/07/1991

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