Música
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 16 de novembro de 1985
Quando José Fontella e a bela Maria Luiza Benites, apresentadores da 5ª Seara da Canção Gaúcha, chamaram o compositor e cantor Cenair Maicá, para integrar o júri, as quase 2 mil pessoas que lotavam o ginásio da Acapesul, em Carazinho, na noite de quinta-feira, 7 de dezembro, levantaram-se para aplaudir o artista missionero. Entre a admiração e a emoção, Cenair fazia praticamente sua reentré no movimento nativista, após mais de um ano de grave enfermidade que emocionou todo o Rio Grande do Sul.
Gaúcho da região missionera - (nasceu em Tucunduva, distrito do município de Águas Frias), Cenair Maicá, 38 anos, forma ao lado de Noel guarany, Pedro Ortega e, especialmente, Jaime Caetano Braun, a força mais importante do chamado canto missionero. Originário da região dos 7 Povos das Missões, de uma família de 10 irmãos que viveu muitos anos na Argentina, Cenair, ao lado de Noel foi dos primeiros artistas a gravarem a música missionera. Partindo de um compacto simples, produção independente, mostraram o vigor do novo canto que se fazia no extremo do Brasil, na divisa com a Argentina.
Nascido em São Luiz Gonzaga (26/12/1941), Noel Guarani tornou-se o primeiro cantor missionero a ter sua obra destacada, especialmente a partir de seu primeiro lp ("Filosofia de Guadério", 1971, Premier) e posteriormente faria vários outros discos (na Odeon e RGE), participando também da série "Música Popular do Sul", da Marcus Pereira). Entretanto, devido ao seu temperamento explosivo, briguento e violento, Noel hoje está praticamente afastado do movimento nativista, preocupando-se em disputar uma cadeia na Câmara de sua cidade natal. Em compensação, Cenair se projetou como o grande nome do movimento missionero, gravando inicialmente na CID e, posteriormente, fazendo dois belos lps na WEA (dos quais, há poucos meses, foram extraídos faixas para um lp que está em catálogo). Autodidata como a maioria dos artistas gaúchos, Cenair começou cedo a fazer música, tendo formado com o irmão Adelque, uma dupla que, em 1961, vindo a Curitiba, aqui conheceu um senhor que pretendia produzir discos 78rpm através da etiqueta Araucária. Os irmãos Maicá chegaram a gravar um 78rpm que, por sinal, nunca foi editado - como aliás, a maioria dos outros artistas contratados por esta etiqueta que justifica, aliás, uma pesquisa a respeito.
Com problemas de deficiências nos rins, Cenair passou o ano de 1984 e, parte de 1985, hospitalizado, mas graças a um transplante do rim de seu irmão Darci, 48 anos, recuperou-se totalmente. E, no show que fez em Carazinho, iniciou cantando uma emotiva música falando de sua doença. Antes, porém de se submeter a intervenção cirúrgica (no dia 13 de julho último, no Hospital Conceição, em Porto Alegre), Cenair fez questão de gravar um novo disco, com composições desenvolvidas com vários parceiros (Nenito, Jayme Caetano Braun, João Alberto Pretto, Talo Pereira, Amaury Beltrão de Castro e sua esposa Issara Batista), além da "Milonga Vanerada", do maestro Bury, bandoneonista nascido na Finlândia, criado na Argentina e que hoje acompanha Cenair em seus shows. Foram dez músicas de grande força, com a participação de Bury no bandoneon e de exímios acordeonistas (Albino Manique, Gilberto Monteiro) e violonistas (Oscar Soares / Lúcio Yonel) e que formam o lp "Meu Canto", recém-lançado pela Continental.
As canções de Cenair Maicá falam da terra, de sentimentos, da bravura dos homens, mas não esquecem o amor. Com fervor diz que "Em todo canto onde meu canto chegar/ A de brotar esta semente que plantei /Destes frutos nascerá outras sementes / E pela América com o povo cantarei". Profundamente social, em parceria com o grande poeta missionero Jayme Caetano Braun, fala do êxodo rural na tocante milonga "João Sem Terra", no qual faz até uma crítica ao BNH:
Não paga o BNH e usa o barro brasileiro.
Mas te cuida João Barreto que os homens vão te pegar".
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