Nascimento & Santiago
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 19 de outubro de 1975
É estimulante a audição de [elepês] de novos talentos - em termos de gravação e promoção nacional, numa prova de que os caminhos da emepebe continuam abertos a [múltiplos] talentos. Registremos hoje dois destes novos talentos, que embora já com alguns anos de estrada musical, só agora ganharam a chance de fazerem seus primeiros lps: Roberto Nascimento e Emílio Santiago.
Carioca de Vila Isabel - o que já é muito significativo, Roberto Nascimento foi piloto civil, programador de IBM, [repórter] de jornal, assistente de psicólogos em testes vocacionais, antes de pegar num violão. O que aconteceu de forma engraçada:
- "Estava com 19 anos e fui visitar uma namorada em Conservatório, Minas. De noite escutei uma serenata, embaixo de minha janela, muito bem tocada com todos seus violões, serrotes e vozes rasgadas. Só não foi melhor a sensação porque a serenata era para a minha namorada. Mas por causa dela eu peguei pela primeira vez num violão e pouco depois em 1961, já tocava com a Elizeth (Cardoso), sem nunca ter estudado ou tomado aulas".
Hoje, aos 34 anos de idade, Roberto Nascimento tem uma boa experiência [artística], que ele resume numa de suas mais recentes musicas, "O Balancete" ("que só não é balanço porque ainda não morri"):
"Quem é fraco desespera/e eu espero há 34 anos nos primeiros 10 fui anjo/nos segundos 10 fui burro e nos quatros que se seguiram/dei murro em ponta de faca/do presépio fui a vaca/e há 10 anos que não falo/mas não é que eu seja mudo/reticência é necessária/mas não é suficiente/pela boca morre o peixe/o otário e o valente.
Roberto Nascimento fez parte do movimento Opinião, trabalhando com Nara Leão, Elis Regina, Leni Andrade, Bethania ("a primeira vez que cantou no Rio eu a acompanhei"), colaborando assim com shows históricos como "Opinião" (remontado há pouco), "Liberdade Liberdade", "Se Correr o Bicho Pega, Se Ficar o Bicho Come", "Arena Conta Zumbi", sempre com a direção musical, ou simplesmente, fazendo a música.
Assim, Roberto teve muito boa formação musical, até que foi para o México, onde chegou com 500 dólares e visa de turista por um mês, mas acabou ficando seis anos, tocando muito para os estudantes e fazendo jingles publicitários. Há dois anos, finalmente retornou ao Brasil e neste período fez o show de Chico Buarque "Tempo & Contratempo", na Casa Grande, ajudou remontagem de Opinião, tocou nos concertos do Sombras, no Banquete dos Mendigos, com Macalé, no show de Alaide Costa, participou em várias gravações e agora, finalmente, ganha seu primeiro [elepê] como vocalista (Tapecar, LP-X-29, Setembro/75). Produzido por Ruy Faria, do grupo MPB-4, com arranjo numa faixa d'O Magro, e participação do próprio Ruy e sua esposa, Cynara (do Quarteto em CY), ao lado de Joyce e Roberto, no coro em cinco faixas, este é o exemplo da estréia auspiciosa. As musicas de Roberto - autor de 11 das 12 faixas - são de ótimo nível, criativas, mostrando um compositor de peso, que é também um inspirado letrista, pois em só três faixas tem parceiros: "Desamor" e "Choro do quarto branco", com letras de Walter Queiroz e "Buenos Aires", com letra de Paulo Cesar Pinheiro. Tocando violão e cantando - uma voz agradável gostosa, misturada com piano elétrico (Fred), bateria (Joãosinho), baixo (Urgo) e até um bandoneon (Ubirajara), em duas faixas ("Desamor" e "Buenos Aires") as suas musicas vão do bolero ("El Saltamontes/O Louva-Deus", com letra em espanhol) ao melhor tango. A última faixa é uma homenagem "aos velhos carnavais": "Se Eu Errei", um belo samba de Francisco Neto, Edu Rocha e Humberto Carvalho, que foi sucesso há mais de 20 anos.
Outras faixas: "Voltei", "Burros do Ano 2000", "Rock de Ninar", "Tema de Vania" (com vocal de Joyce e uma das melhores faixas do [elepê]), "Morena", "Relampaguêo" e "Lero-Lero".
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O professor Alceu Schwaab, um dos melhores caráteres desta mui leal Vila de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais, mestre universitário durante o dia e um dos mais sérios pesquisadores de nossa emepebe, é um homem que sabe das coisas. Organizado, acompanhando todos os bons lançamentos, Schwaab, em sua lista dos melhores de 1974, foi possivelmente o único a indicar como revelação de cantor um nome totalmente desconhecido, chamado Emílio Santiago. E mais uma vez o professor - de bioquímica e de conhecimento musicais - mostrou que tinha razão. O [elepê] que Emílio Santiago fez agora (Companhia Industrial de Discos, 8.008, agosto/75), lhe dá condições de aparecer, tranquilamente este ano, como o cantor do ano já que revelação não vale mais, pois foi em 1974, com um modesto compacto (que não teve divulgação no Paraná, mas nem por isso escapou do ouvido atento do professor Schwaab). Produzido por Durval Ferreira, pianista e compositor dos mais respeitáveis, hoje diretor artístico da CID, este primeiro [elepê] de Emílio Santiago lhe dá amplas condições de mostrar toda a potencialidade de sua voz, num repertório do mais alto nível (com exceção de "Brother", de Jorge Ben, infelizmente abrindo o lado 2) e, com uma produção em que foram convocados instrumentistas de primeiro time: pianista João Donato, baixista Novelli, guitarrista Durval Ferreira, flautista Copinha, pistonistas Formiga e Marcio Montarroyos, sax-tenor Victor Assis Brasil e Zé Bodega, sax-baritono Aurino, trombonista Edson Maciel, baterista Wilson das Neves, só para citar alguns dos muitos instrumentistas que, por certo entusiasmados com a voz de Emílio Santiago, fizeram questão de participar das diversas sessões de gravações, o que explica as diferentes formações instrumentais em cada faixa, o que veio valorizar ainda mais o [elepê], pois deu maior dinamismo as dez diferentes faixas. A rigor, exceptuando-se a comercial "Brother" (com letra em inglês), de Jorge Ben, as outras nove faixas são excelentes. Mas, sem dúvida o grande destaque é "Porque Somos Iguais", da dupla Durval Ferreira-Pedro Camargo, os mesmos autores de "Chuva" (entre outros clássicos), que teve uma interpretação simplesmente extraordinária de Emílio Santiago, com arranjo de Dori Caymmi, e participação dos seguintes instrumentistas: Alexandre (baixo), Mamão (bateria), Hélio Delmiro (guitarra); Edson Maciel, Edmundo Maciel, João Luiz Maciel e Jesse Sadoc nos trombones, mais Danilo Caymmi e Celso Woltzenglogel nas flautas em sol e Botello, no clarinete. Com letra e música belíssimas, "Porque Somos Iguais" já justificaria a compra deste [elepê], mas que tem oito outras ótimas interpretações: "Bananeira" de Gilberto Gil e João Donato; "Quero Alegria", de Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito (com arranjos e regência de cordas de Dory Caymmi); "Batendo a Porta", o belo samba de João Nogueira e Paulo Cesar Pinheiro (arranjos de João Donato, participação na flauta de Copinha); "Depois", de Ivan Lins e Otavio Daher (arranjos e piano de Ivan Lins, participação do grupo Modo Livre); "La Mulata", de Marcos e Paulo [Sérgio] Valle (nos vocais, participação de Jaime, Nair, Lucia Lins, Rocha, Marcos, Jurema e [Márcio] Lott); "Nêga Dina", de Zé Ketti, "Doa a Quem Doer", de Ivan Lins e "Sessão das 10", de Tita, Edson Lobo e Renato Rocha.
Emílio Santiago é cantor há muitos anos, trabalhando até há pouco [anonimamente] em boites (nos últimos meses no "706" e no "Preto 22"), e agora começando a ter uma promoção nacional. O produtor Roberto Santana, que vem orientando sua carreira, pretende trazê-lo inclusive a Curitiba, mas para isso é preciso que os diretores sociais de nossos aristocráticos clubes deixem de apenas impingirem suas predileções ao estilo Demônios da Garôa (que tem seu valor, não há duvida, mas a insistência cansa) e lavem os ouvidos para escutarem o que há de novo e de bom na emepebe. Afinal, Graças a Deus, nem só de Benitos di Paula (com seus preços escandalosos) vive a nossa emepebe.
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