Num clima europeu, Campos do Jordão fez seu festival
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 03 de agosto de 1986
Antônio Meneses, hoje um dos grandes violoncelistas internacionais, deveria fazer um dos principais concertos do XVII Festival de Inverno de Campos do Jordão. Entretanto, como casou há apenas um mês, com uma famosa pianista, preferiu viajar em lua-de-mel e cancelar o compromisso no Brasil. Em seu lugar, quem se apresentou foi outro virtuose, o pianista Arthur Moreira Lima, 41 anos, considerado um dos maiores intérpretes de Chopin do mundo e que é hoje talvez o músico erudito brasileiro mais popular, devido suas experiências na área da MPB, inovações em concertos estilo one-show-man e, especialmente, "Um Toque de Classe", programa que idealizou e apresentava até há pouco na Rede Manchete de Televisão.
Se Antônio Meneses não esteve, este ano, em Campos do Jordão (no ano passado, ali apresentou-se), agora virá ao Brasil para uma série de concertos com a Orquestra de Câmara de Blumenau, sob regência do curitibano Norton Morozowicz (dia 13, auditório Bento Munhoz da Rocha Neto, com patrocínio da Pró-Música de Curitiba).
No dia 12, no mesmo auditório, quem se apresenta é o pianista Antônio Guedes Barbosa, que no dia 6 de julho, fez o segundo dos 45 concertos do Festival de Campos do Jordão, apresentando um programa com peças de Villa Lobos, Chopin, Schubert e Liszt. Aqui, Antônio Barbosa será solista da Orquestra Sinfônica do Paraná, num concerto também co-promovido pela Pró-Música de Curitiba, instituição fundada em abril de 1963 e que hoje presidida pela pianista Maria Leonor Mello Macedo, reinicia suas atividades.
A Boa Temporada
Ao encerrar o Festival de Inverno de Campos do Jordão, no domingo passado, o seu diretor artístico, maestro Eleazar de Carvalho, fez questão de salientar que hoje aquele evento não se reduz apenas a um mês de cursos e concertos. Graças a uma inteligente política cultural desenvolvida pelo secretário Jorge Cunha Lima, São Paulo tem hoje eventos musicais permanentes, com dezenas de grupos que fazem regulares apresentações e espaços culturais múltiplos - aos quais se acrescenta agora um antigo cinema na capital paulista, adaptado para sala de concertos.
Prestigiado com a presença de nomes dos mais famosos da música erudita, um corpo docente de 28 prefessores de alto nível que orienta aulas para 120 bolsistas e uma programação intensa, com 45 concertos realizados entre os dias 5 a 27 de julho - assistidos por aproximadamente 40 mil pessoas - o Festival de Campos do Jordão atingiu o mais alto nível entre os eventos musicais realizados no Brasil.
A "feliz cumplicidade" - como diz o secretário Jorge Cunha Lima, da Cultura, desenvolvida entre o Estado e a iniciativa privada - representada pela Souza Cruz, que desde o ano passado incluiu o evento dentro do Projeto Carlton - permitiu sua concretização com maior folga financeira (dos quase Cz$ 12 milhões de custo, a Souza Cruz contribuiu com cerca de Cz$ 4,5 milhões), numa demonstração de que antes mesmo da Lei Sarnei entrar em vigor, a iniciativa privada já vem participando de bons projetos. Marcos Molina, gerente de comunicações da Souza Cruz, garante que apesar dos cortes havidos na área da publicidade das empresas de cigarros, a verba de promoções não foi (até agora, ao menos) atingida. O que garante que, não havendo nenhum problema maior, o patrocínio continuará em 1987.
O Bom Modelo
Inspirado no Festival de Tanglewood, um pitoresco recanto na cidade de Lenox, Massachusetts, EUA, onde foi assistente do maestro Sergei Koussewizki nos anos 50 (o outro assistente era Leonard Bernstein), Eleazar de Carvalho, joje aos 74 anos, mas forte e rijo, trouxe para Campos do Jordão a válida experiêcia daquele evento. O resultado é que ao longo de 16 edições - das quais esteve afastado apenas durante o governo Salim Malluf (quando o Festival foi dirigido pelo mestre-de-banda José Coelho de Almeida) - Campos do Jordão consolidou-se como o grande festival de música do Brasil. Para uma cidade turística, com 50 hotéis que especialmente nos fins de semana e época de férias permanecem lotados, o Festival de Inverno trouxe ainda uma maior movimentação. O auditório principal que sedia os concertos e administração do Festival - localizado num paradisíaco parque, entre esculturas monumentais de Felicia Lerner, à sombra de verdes pinheiros - fica normalmente lotado de um público interessado, incluindo milhares de pessoas que sobem a Serra exclusivamente para ali aplaudir grandes virtuoses,orquestras, duos, quartetos de cordas, que fazem apresentações praticamente todas as noites - mas naturalmente com maior ênfase nos fins de semana, quando até 7 concertos chegam a ser realizados, incluindo os que acontecem na Praça do Capivari, aos domingos pela manhã e, a partir deste ano, no antigo Cine Abernéssia, restaurado pela Souza Cruz para se tornar um novo espaço cultural da cidade. Funcionará todo o ano, com uma programação desenvolvida pela Diretoria de Turismo e Esportes da Prefeitura. Encerrado o Festival, na semana passada, ali estreou a peça "Viva a Nova República" e várias outras atrações já estão previstas.
Para 1987, há o plano de agregar à música, outras artes - como teatro, dança e cinema, fazendo a movimentação cultural crescer ainda mais. A Secretaria da Cultura, após ter construído confortáveis apartamentos para alojar os bolsistas do Festival, preocupa-se agora em criar espaços apropriados para as aulas, já que a tendência é fazer com que as aulas para teclados, metais, cordas e percussão adquiram cada vez mais um nível de pós graduação, ou seja, reunindo os jovens instrumentistas de maior talento - os quais já se encontram em nível de pré-profissionalização. Entre os professores convocados para este ano, alguns virtuoses curitibanos, como os violinistas Maria Esther Brandão e seu marido, Koiti Watanabe, ambos formados pela nossa Escola de Música e Belas Artes.
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