O bom "cult" que os cinéfilos perderam
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 09 de março de 1991
Pouquíssimos cinéfilos da cidade souberam assistir uma obra de um dos mais respeitados cineastas contemporâneos - "Vícios e Prazeres", do húngaro Miklos Jancso, que confundida na programação pornô-violenta do Cine Palace Itália, não despertou maior curiosidade. Quem foi - como Valêncio Xavier, o atento diretor do Museu da Imagem e do Som - extasiou-se com um filme belíssimo, cortante e cruel em sua crítica ao poder, que com imagens coloridas e uma trilha sonora muito bem escolhida, envolve o espectador. Embora com cenas eróticas - mas anos-luz longe de qualquer pornografia - "Vícios e Prazeres" (Vizi Privati, Publiche Virtu) com um elenco ítalo-húngaro (Lajos Balazsovits à frente), é uma produção antiga (1976), quando Jancso começava a adquirir reconhecimento internacional. Aos 70 anos - a serem completados em 7 de maio próximo - Miklos Jancso é, entretanto, um nome respeitado na cinematografia do Leste Europeu desde os anos 60. Dirigiu vários documentários antes de estrear no longa em 1958 com "Os Sinos Partiram para Roma" (A Henragok Romaba Mantek). Como acentuou o crítico Rubens Ewald Filho, "ele criou um estilo próprio com planos gerais longos que formam verdadeiros tableaux vivos". Casado com a também cineasta Marta Meszáros, em sua extensa filmografia tem realizado filmes na Itália e França - o que já garantiu presenças de artistas como Marina Vladu e Jacques Charier ("Sirocco d'Hiver", 1960), Monica Vitti / Pierre Clementi ("La Pacifista", 1971) e mesmo o inglês Michael York ("L'Aube", 1987). Em 1989, recebeu o prêmio de contribuição artística por toda a sua obra, no Festival de Cannes.
Enquanto este seu "Vícios e Prazeres" adquire a áurea de "cult movie" - desprezado pelo grande público e pouquíssimo visto mesmo pelos ditos conhecedores de cinema - sua obra maior permanece inédita no Brasil, como de tantos outros realizadores de maior voltagem - distantes do consumismo das locadoras e suas platéias robotizadas.
Implacável em termos de rendas, Alex Adamiu, o nervoso dono do Cine Palace Itália, já determinou ao simpático Antoninho, gerente local da casa, que substituísse a partir de ontem, "Vícios e Prazeres" por um terrível documentário: "Os Últimos Tabus", de Emerson Fox, produção alemã, na pior linha "Mondo Cane", focalizando horrores humanos, aberrações da natureza, violência e sexo escatológico em várias partes do mundo. Quem tiver estômago forte e muito tempo livre para desperdiçar pode ter um sádico prazer em ver este circo de horrores visual.
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Para quem não viu, um consolo: "Vícios e Prazeres" saiu em vídeo, selado pela América Vídeo. Só que perde muito da beleza da imagem em sua redução para a telinha.
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