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Aramis

O encontro que todos procuram

Há 53 anos, o romancista americano Nathaniel West (1903-1940) numa pungente história, "Miss Lonelyhearts", falava de uma das mais doloridas formas de expressão dos solitários das grandes cidades: aquelas milhares de pessoas que buscam o correio sentimental dos jornais e revistas em busca de um encontro afetivo. Há quase 20 anos, ao estrear no cinema, o hoje consagrado Sidney Pollack (Oscar de melhor diretor-86, por "Entre Dois Amores/Out of Africa"), então com 32 anos, mostrava em "Uma Vida em Suspense" (The Slender Thread), a importância de serviços telefônicos aos quais pessoas desesperadas, suicidas em potencial, recorrem antes do momento final de se matarem. Hoje, na sofisticação de agências de encontros amorosos que utilizam processos de computadores, firmas especializadas em providenciarem scorts (femininos ou masculinos) 24 horas por dia (em Curitiba, já há meia dúzia delas, que anunciam em jornais e revistas) e, numa escalada erótica cada vez mais explícita, os anúncios que propõem todas as variantes do sexo através de páginas especializadas de publicações tipo "Forum" (suplemento da revista "Ele & Ela", com milhares de leitores), é claro que o comportamento em termos de encontro de pessoas mudou de freqüência e estilo. Mas uma coisa permanece: a solidão é cada vez maior, e, surpreendentemente, aumenta na proporção que a cidade cresce. xxx O número em escalada de chamadas para o fone 145 da Disque Amizade, ao lado do modismo que uma novidade como esta pode proporcionar, é também significativo em indicar o quanto as pessoas buscam companhia, alguém que, na madrugada, esteja disposto a ouvir o outro. Se existe o lado de interesse em ter um encontro físico com a pessoa - seja de um homem e uma mulher, seja entre gays (que também começaram a discar para o 145), há os que buscam simplesmente uma voz amiga, "disposta a me ouvir, pois eu gosto muito de falar e sou difícil de falar cara a cara", queixava-se na madrugada de quarta-feira uma jovem de 18 anos, aluna do Colégio Estadual do Paraná, filha de pais desquitados que se dizia complexada por ser gorda e mal-amada. Em outro grupo, um senhor de 46 anos, executivo, desquitado queixava-se de não conseguir encontrar amigos e, em plena madrugada, sem sono, "ter vontade de falar com alguém". Se o TelePaz (222-9609/ 223-2121). mantido pela Igreja Adventista, procura fazer um aconselhamento a pessoas desesperadas, mas dentro de uma linha basicamente espiritualista - com mensagens gravadas - o Disque Amizade , ao possibilitar, automaticamente que até cinco pessoas se encontrem numa conversa totalmente inusitada - e portanto, naturalmente até com lances surrealistas, tem condições de oferecer múltiplos enfoques de apreciação. Do irônico ao psicológico, mostrando antes de tudo a solidão das pessoas nas cidades - nas quais nem a televisão, o vídeo-cassete, a música ou leitura, conseguem superar aquilo que de mais sublime Deus dotou a criatura Humana: a palavra. xxx Interesses comerciais à parte - afinal a Telepar nada fez que não vise obter lucros - o fato é que a implantação do Disque Amizade, especialmente em seu horário na madrugada, é um serviço que faz com que corações solitários se abram e na busca de um encontro ao menos auditivo, fazem com que o grande Drummond tivesse razão, quando há quase 40 anos, sintetizou a solidão na selva de cimento armado, ao aclamar em seu poema "A Bruxa": Estarei mesmo sozinho? Ainda há pouco um ruído Anunciou a vida ao meu lado. Certo não é a vida humana, mas é a vida E sinto a bruxa presa na zona de luz De dois milhões de habitantes! E nem precisava tanto... Precisava de um amigo, desses calados, distantes, que lêem versos de Horácio mas secretamente influem na vida, no amor, na carne. Estou só, não tenho amigo, e a essa hora tardia como procurar um amigo?
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
25/09/1986

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