Disque Amizade ou a solidão na madrugada
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 25 de setembro de 1986
Nesta cidade
De dois milhões de habitantes
Estou sozinho no quarto
Estou sozinho na América
("A Bruxa", Carlos Drummond de Andrade)
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Flor procura pelo Cavaleiro Solitário.
O corujão quer saber o telefone de Penelope.
João Bala insiste com Pink Panther num encontro.
Asa Branca quer simplesmente conversar.
Os pseudônimos são múltiplos e variados - alguns de imaginação, outros nem tanto. A conversa varia desde confissões pessoais, aparentemente dramáticas, até abobrinhas das mais descompromissadas. Dependendo da entrada de uma nova voz feminina a conversa vai crescendo em intensidade erótica e atinge detalhes de sexo explícito.
O curitibano solitário descobre um novo e fascinante modismo: o Disque Amizade -, o mais novo dos serviços que a Telepar criou para aumentar suas múltiplas fontes de estímulo a que cresçam as contas telefônicas ao final de cada mês - já implantado oficialmente em Paranaguá, Maringá e Londrina e, agora em fase de teste, há dois meses, em Curitiba.
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Dos 25 serviços especiais oferecidos pela Telepar - que vão desde a Hora Certa (o de maior procura) até o planejamento familiar - o Disque Amizade, por certo, é o que poderá oferecer maiores aberturas para interpretações até de ordem psicológica. Afinal, com 675 linhas abertas para a formação de grupos de até cinco pessoas - o que permitirá 135 conversações paralelas, o número 145 pretende ser, antes de tudo, um serviço destinado, oficialmente, como diz a própria informação da página 6 do Guia Telefônico - edição 1986, "a oportunidade de discutir, trocar idéias e expressar suas opiniões".
Inicialmente operando, diariamente, das 18 horas às 9 da manhã seguinte, sem qualquer divulgação (a não ser a inclusão do número na lista telefônica), o seviço já está oferecendo um nível impressionante de impulsos - cobrados pelo tempo normal de conversação, isto é, como se fosse uma ligação normal no horário das 8 às 20 horas em dia útil (um imlpulso em cada 4 minutos). Só que até a sua inauguração oficial, a Telepar não está registrando as chamadas, o que faz com que o entusiasmo dos solitários da madrugada cresça cada vez mais por esta forma de passar o tempo, quebrar a monotonia de quem está sozinho ou, como tem sido o caso principal, buscar companhias, que transcedam do simplesmente auditivo para o físico.
Ironicamente, já há quem chame o número 145 de "Tele Sexo" ou de "Tele Prostituta", considerando que, inexistindo nesta fase experimental qualquer sistema de controle, a partir da meia-noite, inúmeras vozes masculinas ficam tentando contato com solitárias que também buscam algum encontro. Na madrugada de segunda-feira por exemplo, o Corujão (uma das normas implícitas é o uso de pseudônimos), que se identificava apenas como bancário, 31 anos, desquitado e residente de Campo Largo, permaneceu horas tentando encontrar "uma mina para descolar um programa". E a conversa não era nada sutil: o solitário já fazia propostas diretas às eventuais mulheres que caíssem no seu grupo.
Feito o contato e estabelecida uma conversação, pode existir a troca do telefone do participante do encontro marcado em determinado local. Curiosamente, até agora o local mais citado para possíveis encontros tem sido a praça interna do Shopping Center Mueller, nas tardes de sábado.
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José Fernando Cunha, 31 anos, há 4 na gerência das relações públicas da Telepar, está preocupado com o sobrecarregamento das linhas do Teleamizade nesta fase experimental e tem, inclusive, solicitado que não haja maior divulgação na imprensa. Mais preocupado ainda ficou ao saber que o nível das conversas na madrugada, estava na base do erótico, com uma verdadeira caçada auditiva de programas sexuais através dos solitários aos telefones. Um misto de serviço oficializado de Carl Girls, Swing e voyerismo auditivo - que já que até cinco pessoas podem participar de cada grupo - o que retira qualquer privacidade do serviço, faz com que, ao menos nesta primeira etapa, o Disque amizade faça com que a identificação real de um participante e, principalmente a revelação de seu número telefônico venha a implicar em sérios aborrecimentos posteriores, em trotes e chamadas inconvenientes.
Lembrando que o Disque Amizade já aprovou nas três cidades paranaenses em que foi implantado - e que existe hoje em 58 cidades no Brasil e 38 no Exterior - José Francisco Cunha garante que a partir da oficialização do serviço, os chamados inconvenientes, que buscam o número como uma opção para encontros de ordem sexual, poderão ser desligados por um serviço controlado por telefonistas. Só que para isto acontecer, alguém do grupo terá que fazer a reclamação a um outro número, identificando o pseudônimo do brincalhão mais audacioso. Entretanto se os cinco participantes aceitarem o jogo erótico, o mesmo não sofrerá qualquer censura.
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