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Aramis

Telepar já sabe qual é o preço da solidão

A solidão curitibana tem um preço. Exatamente Cz$ 1.320.000,00. E tem também quem lucra com ela: a Telepar. De 3 a 25 de outubro, ou seja, em apenas 22 dias, o mais novo serviço da Companhia de Telecomunicações do Paraná - O Disque Amizade - ultrapassou todas as expectativas: 4. 400.000 impulsos. Considerando-se que cada impulso corresponde a trinta centavos, a Telepar faturou mais Cz$ 1.320.000,00 no mês passado. Até agora, o serviço da Telepar que oferecia maior demanda era o da Hora Certa - com uma média de três milhões e oitocentos mil impulsos por mês na região metropolitana (em setembro, o número exato foi de 2.575.694 impulsos). O Disque Amizade - 145 - mesmo antes de ser inaugurado oficialmente (o que ocorreu a 8 de outubro) vinha apresentando um número impressionante, as previsões se confirmaram: o curitibano é, antes de tudo, um solitário. São 45 troncos permitindo em cada grupo a conversa de até cinco pessoas - o que pode totalizar 145 participantes simultaneamente. Há três monitoras que, acionando-se o número zero, podem retirar "do ar" o participante que esteja incomodando. E este, aliás, tem sido o maior problema do Disque Amizade: milhares de engraçadinhos e desocupados (algumas desocupadas, também) que insistem em transformar este serviço numa espécie de call-girl oficial. O puritano Luiz Gil Leão, o mais conservador dos curitibanos, já deu urros na Câmara protestando contra a criação deste serviço - que, ironicamente tem sido chamado também de "disque-prostituta" ou "disque-sacanagem". Na verdade, a intenção da Telepar ao implantar o novo serviço não foi apenas de aumentar o seu já impressionante faturamento. A exemplo do que ocorre em outros Estados - e também nos municípios de Maringá, Londrina, Ponta Grossa e Paranaguá, o Disque Amizade foi desenvolvido para aproximar pessoas que, na solidão de suas casas, após as 18 horas, desejam travar novas amizades. Disca-se o número 145 e entra-se num grupo de outras pessoas - no máximo mais quatro - que estão num bate-papo. Geralmente, a conversa é aquela que a juventude tão bem define com o termo de "abobrinha": nada de sério, raramente identificando-se com o nome verdadeiro - pois ninguém sabe quem pode estar participando do papo. Quando há vozes femininas no grupo, sempre surge o caçador, ou seja, aquele que pretende raptar a solitária para um contato mais íntimo. Neste caso, chega até a oferecer o número de seu telefone, para uma chamada particular. Na madrugada, a barra esquenta: palavrões e estórias pornográficas, insinuações de sexo grupal e tudo o mais que nem mesmo os programas visuais do "circuito do orgasmo" oferecem acabam entrando num voyeurismo auditivo. Se alguém duvida, é só fazer a experiência! A Telepar, oficialmente, diz que a verdade não é bem esta. Se há muita gente ainda interessada em transformar o 145 no Call-Girl oficial há também pessoas realmente solitárias, que buscam o serviço como uma terapia, uma forma de dividir o isolamento e o desespero de cada um. Há também os que buscam apenas um bate-papo rápido, antes de cair nos braços de Morfeu. Osni Bermudes, 54 anos, um dos mais conhecidos homens da comunicação no Paraná, pioneiro da televisão, hoje na assessoria de Comunicação Social da Telepar, faz uma comparação: - Uma hora de papo pelo 145 custa apenas Cz$ 4,50 para o usuário. Uma cerveja está custando Cz$ 7,00, quando se encontra. E ninguém fica num botequim, bebendo apenas uma cerveja durante 7 minutos. Portanto, o Disque Amizade é uma terapia econômica. Corações solitários existem em todo o mundo - na busca de uma comunicação com o próximo. Em 1933, Nathanael West (Nova Iorque, 17/10/1903 - Califórnia, 22/12/1940) publicava um clássico romance intitulado "Miss Lonelyhearts" (no ano passado, lançado no Brasil pela Brasiliense) sobre os solitários que buscavam contatos através dos consultórios sentimentais nos segundos cadernos dos jornais. Na época, convenhamos, os telefones eram precários e não comportariam serviços sofisticados como o Disque Amizade. Há 20 anos, estreando no longa-metragem, Sidney Pollack (hoje o consagrado diretor de "Entre Dois Amores"), enaltecia o serviço telefônico que nas grandes cidades é um apoio a desesperados, na iminência de se suicidarem. O filme chamava-se "The Slender Thread" (no Brasil, "Uma Vida em Suspense"), com Sidney Poitier, Annie Bancroft e Telly Savalas. A previsão é de que os impulsos da Disque Amizade cresçam ainda mais. Afinal, Curitiba é hoje uma metrópole com mais de um milhão de habitantes e solitários, neuróticos e deserdados sentimentais aumentam a cada dia. Especialmente depois do pôr-do-sol.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Nenhum
1
23/11/1986

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