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Aramis

A Patrulha da Madrugada e uma polêmica nos dourados anos 30

Naquele final dos anos 30 eles eram conhecidos na provinciana Curitiba de menos de 100 mil habitantes como A Patrulha da Madrugada. Nos sonhos intelectuais dos vinte e poucos anos, faziam aquele jornalismo que era uma mistura da mais sadia boêmia embalada com a tinta literária, nas páginas da "Gazeta do Povo" e "O Dia" - os dois principais jornais da época. Pagamento, quando havia era simbólico, mas o importante era o entusiasmo pela descoberta da literatura, da política, da filosofia, os sonhos e projetos, numa época em que um isolamento das notícias do mundo lá fora - aqui chegando pachorrentas, sem pressa - como o próprio cotidiano da cidade amiga e cordial (longe, muito longe, da violência e solidão destes nossos dias) era compensado por um real estilo de viver. E esta Patrulha da Madrugada, que saindo das relações da "Gazeta do Povo" e "O Dia", ambas na praça Carlos Gomes - época em que os jornais fechavam sua páginas na madrugada - e esticava suas conversas nas mesas do já existente (resistente) Bar-Café ao Palácio, na rua Barão do Rio Branco, no velho casarão que, nos anos 60, seria demolido para dar lugar ao cine Vitória. Foi neste clima que, uma noite, Temístocles Linhares propôs ao seu amigo Bento Munhoz da Rocha Neto o desenvolvimento de uma feroz polêmica, capaz de acender paixões e retirar os jornais da paralisia que viviam, submetidas pela censura do famigerado DIP do Estado Novo - e que contribuía para a queda cada vez maior na venda das publicações. Bento gostou da idéia - e três companheiros - Milton Carneiro, Caio Machado e Homero Braga, aderiram. Nascia, então, uma inflamada guerra de textos, com hábeis espadachins das palavras fazendo colocações polêmicas, críticas e corajosas (para a época), em relação a um tema tabu: se a Rússia Comunista devia ou não unir-se aos Aliados para derrotar o nazismo. Qual seria o maior perigo: o de Hitler ou de Stalin. A polêmica pegou fogo. O Brasil ainda não havia entrado na guerra, a quinta coluna era forte no Sul e Plínio Salgado comandava um exército integralista. Os comunistas também eram organizados. Mas os cinco intelectuais curitibanos, independentes de filiações obtusas em partidos - com a liberdade que os pautaria por toda sua vida - queriam era discutir as idéias. E o fizeram de forma brilhante, com textos que aumentaram a circulação dos jornais, provocavam discussões na então clássica Rua das Flores e, naturalmente, incomodaram muita gente. Uma noite, Walfrido Pilotto, todo poderoso delegado da ordem Política e Social, servindo aos interesses do DIP, procurou Acir Guimarães (1896-1948), então editor da "Gazeta do Povo" e, sem meias palavras, declarou: a polêmica - criada pelo grupo, mas que, para os leitores passava a idéia de mostrar pontos de vista de pessoas que levavam até no lado pessoal sua oposições - não poderia continuar tendo como tema a Rússia. Ordens são ordens e Acir Guimarães prometeu cumprir o que a autoridade determinava (posteriormente, Walfrido Pilotto viria a publicar uma dezena de livros, mas infelizmente, até hoje se recusa a prestar um depoimento para o projeto Memória Paraná, esclarecendo melhor sua participação na repressão no Paraná durante o Estado Novo). A Patrulha da Madrugada não esmoreceu. Criativos, bastou mais um jantar ao longo dos filés-grisses (na época bem mais generosos e saborosos do que as magras porções servidas hoje) no "Palácio", para se encontrar a fórmula: a polêmica mudaria o enfoque para uma discussão filosófica - a Pessoa Humana. Só que a inteligência de homens como Bento Munhoz - que seria o grande Estadista do Paraná - Milton Carneiro, Caio Machado, Homero Braga e Temístocles Linhares, fez com que os artigos continuassem a ter a mesma força e coragem, buscando a discussão da questão inicial - o marxismo, a Rússia e outros temas correlatos. Há 50 anos - como depois aconteceria durante a ditadura militar a partir de 1964 - a inteligência vencia a prepotência. Estes artigos espalhados nas amarelecidas coleções de "O Dia" e "Gazeta do Povo" não poderiam ficar perdidas. Assim, Temístocles - remanescente da Patrulha da Madrugada - fez um levantamento completo de tudo que foi publicado, acrescentou notas a preparou um texto introdutório para o livro "Relíquias de uma polêmica entre amigos", que em convênio com a Secretaria da Cultura, a Livraria José Olympio Editora lança nos próximos dias. Por certo, um livro-documento que, apreciado hoje, no distanciamento do tempo, possibilitará reflexões e provará, mais uma vez, a perenidade da palavra escrita, da importância da opinião, dos textos bem situados na imprensa. O projeto era antigo, mas só no ano passado Temístocles pode completar as pesquisas para recuperar os textos e, finalmente, agora trazer mais este livro para nossa biblioteca - que a ele já tanto deve. E fica, também, um alerta para os inquietos jovens que hoje, no Bar do Cardoso e outros botequins da vida, praguejam contra os "velhos", procurando diminuir a importância de gerações que as antecederam - em busca de "novas" e "revolucionárias" propostas. Será que no ano 2.040, seria possível encontrar nos jornais de hoje textos feitos por esta nova geração de intelectuais que resistirão a uma releitura? Eis uma questão para os jovens apressadinhos em destruir o passado refletirem quando não estiverem embriagados de vaidade, prepotência e arrogância intelectual! LEGENDA FOTO 1 - Temístocles: revivendo uma polêmica LEGENDA FOTO 2 - Walfrido Pilotto: o delegado censor
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
29/05/1988

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