Um memorial para Bento Munhoz
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 13 de maio de 1990
Na biblioteca de seu apartamento, no edifício André de Barros, a Sra. Flora Munhoz da Rocha guarda, entre milhares de livros, revistas e jornais encadernados, nada menos que 70 álbuns de recortes que contém, em quase mil páginas, um pouco da história política do Paraná. A partir do dia 17 de abril de 1929, com recortes de "O Dia" e "Gazeta do Povo", dando uma grande cobertura ao seu casamento com o "jovem e futuroso engenheiro Bento Munhoz da Rocha Neto", ali estão perpetuados, através de notícias da imprensa paranaense (e, posteriormente, veículos nacionais), toda a vida política e pessoal do grande estadista. Um referencial indispensável para qualquer consulta que se pretenda fazer para entender melhor a nossa vida política durante mais de três décadas, em que Bento foi Constituinte, deputado federal, governador, ministro da Agricultura, e, por último, candidato a voltar ao Palácio Iguaçu, em 1965, quando foi derrotado por Paulo Pimentel - numa das mais decisivas eleições diretas realizadas no Paraná.
Há pelo menos 10 anos, dona Flora sonha com um projeto que vários de seus amigos - como o falecido jornalista Ali Bark, editor da "Rumo Paranaense", sempre defenderam: a necessidade de se criar um "Memorial Munhoz da Rocha", capaz de preservar todo o acervo documental, criteriosamente organizado, sobre a presença de Bento na vida pública brasileira. Há sete anos, no governo José Richa, se não fossem as denúncias que aqui fizemos, os dez anos da morte de Bento Munhoz da Rocha Neto, falecido em 12 de novembro de 1973, teriam passado sem nenhum registro. Só a custa de protestos feitos na imprensa - e que tiveram repercussão junto aos meios políticos e culturais - Richa determinou ao seu infeliz secretário da Cultura, para que fosse providenciado algum evento marcando a data. Foi feito muito pouco e ficou a promessa de que seria "estudada" a antiga sugestão de se fazer o memorial que um homem que construiu o Palácio Iguaçu e idealizou todo o Centro Cívico - entre outras grandes obras que marcaram o centenário de emancipação política do Estado - merece.
O tempo passou e o projeto continua apenas uma promessa.
Dona Flora, com razão, preocupa-se com o destino do acervo histórico deixado por Bento. Enquanto inexiste um local específico com material informativo, catalogado, para consultas a respeito da chamada "Era Bento" - em sua residência, os alguns de recortes, livros e uma coleção de discos contendo dezenas de discursos feitos por Bento em diferentes ocasiões, estão a espera de melhor utilização.
Às vésperas de seus 79 anos - a serem completados no dia 23 de setembro, embora jovial e com boa saúde, dona Flora sente dificuldades para cuidar do acervo. Os álbuns encadernados, pesados, sofrem com a passagem do tempo: as amarelecidas páginas de jornais e revistas começam a se despregar, assim como as tarjas indicativas de cada período.
- "Gostaria que isto pudesse estar melhor conservado e, de preferência, microfilmado", comenta dona Flora, enquanto folheando as páginas dos álbuns, não deixa de se emocionar em, como numa máquina do tempo, rever todo um passado em que, como esposa de um político, professor universitário, ministro da Agricultura, escritor, humanista e, sobretudo, estadista, acompanhou grande parte da vida pública paranaense.
Ao falecer, aos 72 anos - nasceu em Paranaguá, em 17 de dezembro de 1905 - Bento Munhoz da Rocha Neto deixou uma obra marcante. Seus discursos na Câmara Federal, no qual foi um dos parlamentares de maior presença, só ganharam forma de livro há dois anos, graças aos esforços do ex-deputado Norton Macedo, que sempre foi um de seus maiores admiradores. Um volume hoje já referencial, que ganhou em sua caprichada edição um lúcido ensaio introdutório do advogado e estudioso Luís Roberto Soares, ex-secretário da Cultura, e que mesmo sem ter conhecido pessoalmente a Bento, sempre se interessou por sua vida.
Grande parte dos discursos que Bento fez ao longo dos cargos que ocupou e em campanhas políticas, foram preservados em discos de acetato, recentemente transcritos em fitas para o Museu da Imagem e do Som. Dona Flora gostaria de ver uma síntese destes discursos - entre os quais, verdadeiras aulas sobre o Paraná, seus homens, sua história e seus valores, editadas em forma de livros. Modesta, sem desejar criar constrangimentos, se recusa a tomar a iniciativa, esperando que algum amigo levante esta idéia. Assim como ela também acha que mesmo o nome de Bento tendo sido preservado no grande auditório do Teatro Guaíra, falta ainda uma avenida ou grande logradouro com o seu nome. Afinal, personalidades da dimensão de Munhoz da Rocha - e cuja grandeza aumenta quando se compara aos dias de esvaziamento cultural da classe política que marcaram as últimas décadas - merecem serem lembrados.
O projeto do "Memorial Munhoz da Rocha" - preferencialmente a ser erguido no Centro Cívico, assim como em Brasília, foi feito o "Memorial JK", não deve ser esquecido. Só é necessário que apareça(m) pessoa(s) com a mesma visão de Bento para que o Paraná tenha este espaço em lembrança a uma de suas grandes figuras.
LEGENDA FOTO - Dona Flora defronte um retrato do governador Bento Munhoz da Rocha Neto: um memorial necessário para preservar a lembrança do grande estadista.
Enviar novo comentário