O falso mito do bom "público" curitibano
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 18 de dezembro de 1984
VAMOS deixar de hipocrisia! Essa estória de que o público de Curitiba é o melhor do Brasil e que somos cidade-teste (???) e o espetáculo aqui aprovado pela seleta assistência é sucesso nacional, tem que ser revista. Há pelo menos 20 exemplos concretos de excelentes espetáculos que aqui fracassaram devido ao desinteresse, desinformação e despreparo do nosso público - mais ligado aos modismos impostos do que um real empenho em conhecer bons trabalhos artísticos - que não tenham marketing via televisão.
A mais recente vítima deste despreparo do público é o maestro, arranjador, pianista e compositor Geraldo Flach, 38 anos, que voltou ontem a Porto Alegre, consciente de que uma das piores experiências de sua vida profissional foi ter aceito a proposta de, ganhando Cr$ 700 mil, para três apresentações com o seu grupo, encerrar a programação de 13o aniversário do Teatro do Paiol. Simplesmente, Flach não teve condições de fazer apresentações na sexta-feira e sábado pela ausência de espectadores, praticamente caçados pela mignom Glacy Gotardelo, responsável pelo setor de música da Fundação Cultural de Curitiba.
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De principio é bom que se esclareça: Flach é um talento reconhecido nacionalmente - embora não integre o clube dos superstars promovidos via televisão. Autor de uma obra marcante, responsável pela produção de 150 discos durante os 3 anos em que dirigiu a Isaec, em Porto Alegre, há dois anos foi o arranjador e tecladista escolhido para fazer a parte musical do álbum duplo "Antologia Poética de Mário Quintana" (Polygram, 1983). Formando um grupo instrumental, desenvolvendo temas próprios, jazzísticos, Geraldo veio a Curitiba, atraído pela lenda de que o público de nossa cidade é sensível a bons espetáculos. Triste decepção. A exemplo de Paulinho Nogueira, Francisco Mário, Olivia Byghton e, especialmente, o trio Triângulo (Luisinho Eça/Robertinho Silva/Luiz Alves) - as mais recentes vítimas da falta de espectadores no Teatro do Paiol, Geraldo Flach amargou a decepção de ver, na sexta-feira, apenas dois solitários espectadores - o engenheiro e guitarrista Alan Cadell e sua esposa, Rosana, que, entretanto, tiveram um show particular. Isto porque, em admirável demonstração de profissionalismo, Geraldo e os seus colegas Márcio Tubino (saxofone/clarineta), Bebeto (Carlos Roberto Mohr, 32 anos), na percussão e Teníson (Ramos, 37 anos), na bateria, fizeram um ensaio-apresentação mostrando um repertório belíssimo, repleto de improvisos e criações sonoras dignas do mais exigente expert. Apesar de decepcionado pela ausência do público, Flach não desanimou: permaneceu em Curitiba e sábado aguardava melhores resultados. Nova decepção! Poderia, tranquilamente, cancelar a terceira apresentação, mas, numa mostra de seriedade profissional, o grupo fez questão de cumprir o contrato. Através de telefonemas a amigos, Glacy Gottardelo e Fernando Alexandre, responsáveis pelo setor musical da FCC, conseguiram levar cerca de 50 espectadores ao Paiol. Que não fizeram favor nenhum, muito pelo contrário! Aplaudiram um dos melhores espetáculos instrumentais do ano, desenvolvido ao longo de 10 belíssimos temas de Geraldo - entre os quais "Milonga Vida", "Outubro", "Nana Rosa", "Rancheirinha", "Reencontro" ("Sacudindo", e uma belíssima composição do baixista Tenison ("Cela 13"). No final, algo de raro de acontecer no Paiol: o público, em pé, aplaudiu tanto que houve um número extra.
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[A vinda] de Geraldo Flach e seu grupo a Curitiba custou mais de Cr$ 2 milhões à FCC - entre passagens aéreas, hospedagem e cachê. Como apenas 50 pessoas assistiram a apresentação, teria-se o preço de Cr$ 40 mil - o que é simbólico, já que ninguém pagou ingresso. Agora é de se indagar: sendo um espetáculo que fazia parte da temporada de aniversário do Paiol, não teria sido muito mais simpático e inteligente a FCC ter distribuído convites para os três espetáculos, garantindo suas realizações e proporcionando, que não apenas 50, mas ao menos 300 curitibanos, conhecessem este trabalho?
Entretanto, numa idiota determinação (não se sabe de quem) a Fundação Cultural não permite a distribuição de convites, mesmo a quem, constantemente, colabora na divulgação e realização de suas promoções. Assim, a FCC gastou mais de Cr$ 2 milhões num espetáculo de alto nível artístico mas que só teve uma única apresentação. O culpado? Quem é o culpado? O primeiro suspeito seria dizer "falta de divulgação". Mas houve divulgação a propósito da temporada - embora restrita a espaços normalmente abertos a programação do Paiol. Faltou, isto sim, interesse do público que assim perdeu de conhecer um conjunto de alto nível e que, sinceramente, jamais aceitará voltar a Curitiba.
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Infelizmente, Geraldo Flach não é o primeiro - nem será o último - artista de talento a sofrer com a falta de público em Curitiba. No passado, nomes internacionais como Dizzy Gillespie e Bill Evans (já falecido), monstros sagrados do jazz, tocaram para menos de 300 espectadores no grande auditório do Guaíra. Há alguns meses, a atriz Lota Moncada reservou várias semanas no auditório Glauco Flores de Sá Brito para uma peça que foi apresentada apenas algumas noites - cancelada nas demais pela ausência de espectadores. O mesmo se repetiu recentemente, com "A Cantora Careca" (Teatro da Classe). Enfim, há exemplos e mais exemplos de que realmente o difícil não é realizar espetáculos em Curitiba. O difícil é conseguir público. Que Dora Paula Soares, do Studio D, que o diga!
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Na semana passada a FCC fez um "seminário de avaliação" de suas atividades em 1984. Seria interessante que se pensasse em fórmulas capazes de evitar constantes fracassos de espetáculos que não estejam amparados em caríssimas campanhas promocionais via tv ou capitaneados por astros globais. Caso contrário, o melhor que se tem a fazer com o Teatro do Paiol, é transformá-lo novamente em depósito de material - como ele o foi durante mais de 50 anos - ou arrendá-lo para um restaurante ou botequim. Aliás, um café-concerto até que seria uma boa idéia!
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