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Aramis

Requiem para o Paiol

O Teatro Paiol completa hoje 14 anos. Sem qualquer comemoração. Praticamente desativado há um mês, o Paiol que há alguns anos se constituía no principal núcleo de atividades artísticas da cidade - vem sendo desaquecido em termos de programação há muito tempo e um frio relatório preparado pelo frei Paulo Cesar Botas e compositor Marinho Gallera, já entregue ao prefeito Roberto Requião, praticamente traça o destino daquela casa de espetáculos. A proposta é transforma-lo em mai um centro cultural de bairro, com atividades permanentes - cursos populares, palestras etc. - deixando a característica de casa de espetáculos, para a qual foi concebido há 14 anos passados. Embora a estatística prove que 21.366 espectadores estiveram nos eventos ocorridos no Paiol entre março a novembro deste na, o fato é que em termos de casa de espetáculos há muito que o teatro da Fundação Cultural vem sofrendo um processo de esvaziamento. Se no inicio dos anos 70, as 235 cadeiras do Paiol eram, tantas vezes, insuficientes para acomodar o público que ali comparecia, pouco a pouco os espectadores foram desaparecendo até chegar a melancólicas temporadas. No ano passado, por exemplo, em dezembro, os mais respeitados tecladistas do Rio Grande do Sul, maestro, arranjador e produtor Geraldo Flach, acompanhado de dois bons músicos, sofreu aqui a maior frustação de sua carreira: em duas noites, nenhum espectador. Só na terceira noite - um domingo, com a distribuição de muitos convites reuniu-se um público minimo que pôde conhecer a admirável arte de Geraldo. Um, entre tantos artistas, que saiu de Curitiba com a firma intenção de nunca mais aqui voltar. Meses antes, Luisinho Eça, 50 anos, 35 de música, nome maior na MPB. Fazendo a estréia de seu novo grupo - o Triângulo - com Luiz Alves, no baixo e Robertinho Silva, na bateria, também amargoua frustação de se apresentar para um público de menos de 100 espectadores em três noites . Para dar exemplos mais recente: David Tygell, ex-Boca Livre, teve exatos 54 espectadores em 3 apresentações feitas nos dias 28 a 30 de junho; a atriz Maria Vergueiro e seu primo o pianista Guilherme Vergueiro, com um belíssimo espetáculo de poemas e canções de Bertold Brecht, tiveram apenas 83 espectadores entre os dias 26 a 28 de julho; o mais dramático: Eliete Negreiros - uma das revelações da música brasileira e compositor e Cantor Passoca, na estréia, a 30 de agosto, se apresentaram para exatamente 5 (cinco) espectadores. No dia seguinte, a casa "melhorou": 18 pessoas apareceram para conhecer um show renovador, com músicas das mais interessantes. xxx Frente a estes números é realmente necessário uma proposta de reciclagem do Paiol. Ainda mais considerando-se que a Fundação Cultural para programar esta casa de espetáculos tem que fazer pesados investimentos -custeando transportes, hospedagem e ajuda-de-alimentação, aos artistas que vêm de outras cidades. Portanto, cada espetáculo que fracassa no Paiol - (e tem sido muitos nos íltimostempos) - representa prejuízos múltiplos. Mas mais do que o dinheiro que se perde, é a frustação profissional e psicológica dos profissionais que deixando suas cidades - onde, bem ou mal, conseguiram algum destaque - vêm para Curitiba, tida, no passado, como cidade-teste (sic) e de público requintado (sic, sic) para temporadas que não conseguem sequer ter o número mínimo de espectadores. Se espetáculos de gabarito fracassam, artistas comerciais, sem maior Know-how, conseguem surpreendentemente bom público. Assim o artificial grupo Tarancon, com música latino-americana, levou entre 1º a 3 de novembro último, nada menos que 1.357 jovens que superlotaram 5 sessões. xxx De há muito que aqui sugerimos a criação de uma assessoria de marketingcapaz de auxiliar não só a programação do Paiol, mas de outros espaços da cidade. Só com uma política inteligente e racional se conseguirá alcançar um novo público interessado em assistir espetáculos que tragam boas propostas - embora não sejam , habitualmente, estrelas globais. Da forma com que as coisas vem acontecendo , forma-se um perigoso círculo vicioso: qualquer artista que não tenha uma promoção prévia maior - seja através da televisão ou de sucesso fonográfico - corre o risco de não ter nunguêm para ouvil-lo no Paiol. Com isto, se fica confinados a nomes conhecidos, os quais, obviamente, por razões comerciais, assim que se sentem a existência de um público formado (como é o caso do Tarancon) preferem espaços maiores - como os auditórios Salvador de Ferrantes ou Bento Munhoz da Rocha Neto, do Teatro Guaíra. O fracasso de bons artistas em Curitiba faz com que, como uma bola de neve, cresça a fama de "casa pé-frio"do Paiol, desestimulando outros profissionais a vírem para temporadas em nossa Capital. Uma pergunta que se pode fazer: por que, há 10 ou 12 anos, em seus primeiros tempos, o Paiol tinha uma programação intensa e atraia grande público? Há várias explicações: quando o Paiol foi inaugurado - a 27 de dezembro de 1971, com o show "Encontro" (Vinicius de Morais/Marlia Medalha/Trio Mocotó), o auditório Bento Munhoz da Rocha Neto ainda estava em obras e o Salvador de Ferrante não se preocupava (como continua, aliás, não se preocupando) em estimular espetáculos musicais. Inexistiam outros espaços como os que são oferecidos hoje (teatro do SESC; Teatro do Sesi; Teatro da Classe etc.). Assim o Paiol, ao trazer grandes nomes da MPB, peças de vanguarda e mesmo exibindo clássicos do cinema (quandi inexistia Cinemateca) formou um público, abriu condições a que dois anos após a sua inauguração, o então prefeito Jaime Lerner criasse a Fundação Cultural, que tem até hoje, como logotipo, a imagem do Paiol - seu núcleo original. A cidade cresceu, a população quase duplicou nesta década e meia, novos espaços foram abertos, a inflação empobreceu a classe média (especialmente os estudantes) que frequentavam o Paiol e a sua programação foi sofrendo altos e baixos. Assim, acima de críticas a administração passadas ou presentes, o Paiol, dentro de um roteiro de animação da cidade, cumpriu uma etapa e hoje, abandonado, sem qualquer programação, envelhece precocemente aos 14 anos. Vamos aguardar os planos da "nova Curitiba", com os homens que Roberto Requião colocará na Fundação Cultural, para ver o destino desta casa de cultura e arte - hoje em melancólico ostracismo.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Tablóide
27/12/1985

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