O guardião da memória do cemitério
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 05 de abril de 1987
Pesquisador incansável e organizado, o advogado Francisco Souto Neto já tem uma opção profissional para quando se aposentar do Banestado, onde é o braço direito na diretoria de Crédito Rural: a de continuar as pesquisas que o crítico e historiador de artes Clarival do Prado Valadares deixou incompletas devido à sua morte: o levantamento da arquitetura dos cemitérios brasileiros.
Há dois anos, ao visitar o túmulo de seus trisavós, o visconde e a viscondessa de Souto, sepultados no século XIX, no Cemitério do Catumbi, no Rio de Janeiro, Souto Neto ficou tão indignado com o estado de abandono em que se encontrava o setor histórico daquela necrópole (onde estão também sepultados marechais, senadores do Império e os nobres do Brasil e de Portugal), que começou uma campanha que já alcançou repercussão nacional.
xxx
Francisco Souto Neto gastou parte de suas últimas férias para, debaixo de um calor senegalês, realizar um completo levantamento de duas quadras do setor histórico do Cemitério de Catumbi, catalogando as sepulturas com as lápides ainda intactas - e levantando as sem identificação. Elaborou mapas, gráficos e acompanhado com centenas de fotos, encaminhou este material tanto ao monsenhor Abílio Ferreira da Nova, procurador da Venerável Ordem 3ª dos Mínimos de São Francisco de Paula - responsável pela conservação daquele campo santo, como também ao senhor Ângelo Oswaldo de Araújo Santos, secretário do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, além de cópias à imprensa nacional.
xxx
Herdeiro do título de Visconde Souto - que pertenceu ao seu trisavô, Antônio José Alves de Souto (1813 - 1880) -, apaixonado por heráldica e incansável pesquisador de árvores genealógicas de sua família, Souto Neto extrapolou a simples preocupação familiar para, com suas denúncias, alertar em relação ao abandono em que os túmulos do Catumbi (e outros cemitérios) se encontram relegados. No Catumbi, descobriu que uma favela vizinha já soterrou os restos do túmulo de Teófilo Ottoni (1807 - 1869) e sobre o mesmo foram construídos barracos. Até agora, nada extraordinário ali aconteceu, mas fenômenos na linha "Poltergeist" podem aparecer.
O que revolta Souto Neto é o desleixo dos herdeiros de famílias tradicionais em não se preocuparem com a situação dos túmulos de seus antepassados. Vai mais além, ao denunciar para a direção do SPHAN: - "Aquilo não seria assombroso, se considerarmos que alguns herdeiros são capazes de atos espúrios, como o daquela bisneta que destruiu o mausoléu neobarroco do Visconde Guaramores, neles incluindo-se o próprio sarcófago do visconde".
xxx
Em suas denúncias na defesa do Cemitério do Catumbi, Francisco Souto Neto levanta até a hipótese de que interesses financeiros envolvem a crescente e ininterrupta destruição do setor histórico do mesmo.
Assim, está a exigir a contratação de guardas para o cemitério e a clamar providências para a identificação de muitos túmulos abandonados. Em seu levantamento, das 262 sepulturas que pesquisou, só 162 foram identificadas e 100 delas estão abertas, ou sem lápides que torne possível a identificação dos vultos históricos lá sepultados, "o que dá a exata dimensão do descaso por parte dos descendentes".
xxx
No Cemitério Municipal de Curitiba a situação não chega a tal gravidade - mas há também muitos túmulos abandonados. Em compensação, há curiosas obras de arquitetura de cemitério, que, analisadas por um pesquisador dedicado como é o Chico Souto, podem resultar numa interessante publicação. Eis aí uma sugestão para ele ocupar suas próximas horas de folga.
LEGENDA FOTO 1 - Francisco, Visconde de Souto, pesquisando túmulos destruídos no Cemitério do Catumbi.
LEGENDA FOTO 2 - Exemplo de túmulo destruído em Catumbi.
Enviar novo comentário