O incrível Mr. Haley
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 16 de outubro de 1975
Em 1955, uma ultra-romântica musica de Sammy Fain e Paul Francis Webster, "Love Is A Many Splendored Thing", composta para a trilha sonora de "Suplicio de Uma Saudade", embalava muitos romances. Mas, paradoxalmente, ao romantismo daquele velho filme de Henry King, cuja musica até hoje é capaz de emocionar a geração dos anos 50, antepunha-se a chegada ao Brasil de um novo som, que no ano anterior havia começado a ganhar as paradas de sucessos dos Estados Unidos: o rock'n'roll, através do impacto de uma nova musica Rock Around The Clock", de M. C. Freedman. O entusiasmo que um novo ritmo, na interpretação de um guitarrista habilidoso, Bill Haley (na verdade William John Clifton, americano de Detroit, nascido em março de 1927), havia provocado já fizera com que o vigoroso cineasta, Richard Brooks, ao realizar o filme "Sementes da Violência" (The Blackboard Jungle, 55), escolhesse a demolidora melodia para marcar a violência da atitude de um grupo de alunos rebeldes, contra as idéias novas de um professor numa escola secundária, num bairro pobre de Nova York.
Para a década de 50, "Sementes da Violência" foi um filme corajoso e, quase que numa irônica coincidência, a rebeldia dos rapazes, liderados por Gregory Miller (Sidney Poitier, aos 28 anos em seu 5º filme e primeiro papel de destaque), contra o professor Richard Dadier (Glenn Ford), eclodia numa cena em que [destruíam] uma das coisas mais preciosas para o mestre: sua preciosa coleção de discos 78 rpm de jazz tradicional.
O SOM & A FURIA
Mesmo sem intenção, este fato pode ser lembrado, numa apreciação do som & da fúria com que o rock'roll chegava há exatamente duas décadas, pelas cordas e gritos de Bill Haley e seus cometas. Apesar disso, a palavra rock, já havia aparecido antes, mas sem qualquer força: na década de quarenta, algumas canções, sugeriam Rock tanto como ritmo de dança quanto relação sexual - daí, talvez uma das forças contidas nesta expressão, que resistiu ao tempo & ao espaço. "Good Rockin'Tonight" foi gravada por Roy Brown e "Rock All Night Long", pelo conjunto The Ravens, ambos lançados em 1948. Em 1951, Gunther Lee Carr gravou uma faixa dançante, "We Are Gonna Rock". Em 1952, o nome definitivo ficaria marcado pelo esperto disc-jockey Alan Freed, que inaugurava um programa de rádio com o nome de Moondog's Rock And Roll Party. Moondog's (Lobisomem), era uma espécie de personagem encarnado pelo próprio Freed, turbulento o suficiente para justificar o repertório incendiário do programa. Quando resolveu testar ao vivo, a popularidade de seu programa, Freed montou um "Moondog's Rock and Roll Party", na Cleveland Arena, em março de 1953. Cabiam 10 mil pessoas no estádio, mas somada à multidão que compareceu, ultrapassou 30 mil espectadores. Foi, possivelmente, o primeiro rock'festival, dos milhares que se sucediam pelas décadas de 50, 60 e 70. A extraordinária figura de Freed, inspirou em 1973 ao cineasta George Lucas, o personagem "Lobisomem", do filme "American Grafitti-Loucuras de Verão" - um disc-jockey que praticamente conduz toda a ação do filme.
Em 1953, entretanto, o auge da música jovem propagada costa a costa nos EUA era ainda a de Frankie Laine e suas baladas western, Frank Sinatra e Pery Como. Como gênero musical, o rock'roll só se tornaria conhecido a partir de "Crazy, Man, Crazy", gravado por Bill Haley, que teria, entretanto, no ano seguinte e com "Rock Around The [Clock]", sua consagração definitiva.
BILL, O CABELO CHUCA-CHUCA
O jornalista Tarik de Souza, lembra no último número de sua revista "Rock - A História e a Glória" (nº 10, [40] páginas, Cr$ 6,00 nas bancas), que, "de cara o que mais impressionava em Bill Haley era aquele pega-rapaz ou (chuca-chuca) no meio da testa. A coisa era bem grotesca e resumia de estalo, uma das características básicas do rock'n'roll: o intencional cafajestismo e mal gosto da transação. Era incrível como aquele otário, tipo padrão do straight da época de Eisenhower, conseguia virar tudo de pernas pro ar com um simples chuca-chuca. E fez isso sem precisar mostrar sua figura meio balofa e desajeitada.
Nessa mesma época, Elvis, Jerry Lee Lewis (não confundir com o comediante Jerry Lewis) e Chuk Berry também fizeram do rock um veículo dos mais eficazes em matéria de extravasamento sensorial um autêntico exercício muscular para adolescentes. Mas enquanto essa patota era formada por [indivíduos] de [características] particulares, Bill Haley, sem a mínima sex apeal, fazia questão de ser conhecido como líder dos Comets, a primeira banda da história do rock.
Há 5 anos, recordando "os velhos bons tempos", em entrevista no "Los Angeles Times" (abril/70), o próprio Haley dizia:
- "Tudo começou porque tinha de acontecer. Começamos com um simples grupo de country-western e, aos poucos, fomos acrescentando alguns toques de rhythm and blues. Não planejamos nada, a coisa foi evoluindo naturalmente. No início foi difícil arranjar trabalho, pois [éramos] ao mesmo tempo, um grupo de country-western e rhythm and blues. Era uma coisa nova e diferente e embora ninguém soubesse já [tocávamos] o rock'roll. Tivemos sorte de aparecer num momento em que não havia nada de novo no campo da música popular. A época das big bands tinha terminado - o mercado estava aberto para nós. E depois de tantos anos ainda está. É isso que me dá coragem de continuar na estrada".
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