O psiquiatra, Curitiba e a crise do casamento
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 23 de dezembro de 1980
O psiquiatra Eduardo Mascarilhas, 37 anos, um dos mais badalados profissionais do Brasil e que em setembro último foi ameaçado de expulsão da Sociedade de Psiquiatria do Rio de Janeiro, juntamente com Hélio Pelegrino, por fazer algumas corajosas denúncias (o alto custo de todos os divãs da praça, fazendo com que só os neuróticos mais privilegiados pudessem botar em dia suas cucas fundidas e "o maciço desconhecimento da obra de Freud por muitos analistas"), em polêmica entrevista a Ruy Castro, na "Playboy" que está nas bancas, fez uma afirmação citando Curitiba como exemplo de província. Referindo-se às idéias avançadas de Sigmund Freud (1856-1939) em relação ao sexo & psicanálise, Mascarilhas exemplificou: "Como psicanalista eu tenho de acreditar no Freud - ou psicanalista não sou. Não se esqueça de que o Freud falou todas essas coisas e outras ainda mais contundentes na alvorada do século, morando numa cidade chamada Viena que, em termos culturais, não passava de uma Curitiba ou Belo Horizonte européia. Não confundir Viena com Paris, Londres ou Berlim. Viena era Viena e por isso as pessoas passaram dez anos sem cumprimentá-lo, de 1897 a 1907, obrigando-o a um exílio intelectual, social e financeiro na sua própria cidade. O Freud dizia, por exemplo, que a nossa moralidade era uma reação à nossa licenciosidade. Quer dizer, quanto maior a licenciosidade, maior a moralidade. Todo moralista é pervertido e, quanto mais moralista, maior a extensão de sua perversão".
xxx
A entrevista de Eduardo Mascarilhas, considerado o psicanalista de "nove entre dez estrelas da televisão e cinema nacional", tem colocações das mais curiosas em relação a vários assuntos, especialmente em relação a crise conjugal. Por exemplo, descrevendo a cabeça de um homem jovem num casamento em crise, diz Mascarilhas: "Ele sofre desesperadamente porque sente que esta perdendo os melhores anos da vida dele com uma mulher que não o completa. E, além disso, ele sofre a pressão da galera interna, que é o superego. Porque a galera não perdoa - ela sabe quando está havendo futebol ou não. Sentado ali na arquibancada, contemplando o jogo da vida, o superego sabe de tudo e vaia (...) A nossa capacidade de triunfar sobre o superego deve ser de 70 a 80%. Ele insiste em te dizer: "Companheiro, assim não dá! Isso é a antivida". Mas você vai levando, vai procrastinando, vai se perdendo em promessas feitas a si próprio e em esperanças que nunca serão realizadas, emitindo cheques sem fundo contra seu próprio banco da existência, o banco do destino, e ele vai recebendo esses cheques de qualquer maneira. Um dia você vai à falência emocional".
Mas Mascarilhas analisa também a posição da mulher em crise conjugal: "Bem, chega um dia em que a mulher fica um pote até aqui de mágoa, porque ela se sente como uma Bela Adormecida - adormecida por essa maçã envenenada d moralidade social e familiar - e descobre que passou a vida esperando ser despertada pelo beijo do seu Príncipe Encantado para assumir o seu estado de mulher. Mas o problema é que o seu [príncipe] encantado tem 25 anos e está com uma ansiedade erótica que não pode esperar, perguntando-se a todo momento se casamento é coisa de homem ou de fritador de bolinho. Quer dizer, dentro dele há uma exigência de "Ulisses, vá pro mar", enquanto ele se sente uma Penélope tecendo tapete. Para um macho, isso é uma coisa dolorosa, por que ele foi criado para ser esse Ulisses e de repente se vê chegando em casa com o jornal e a manteiga debaixo do braço. Não era essa a aventura que ele esperava protagonizar pelo mar Egeu da vida e da sexualidade. Já a mulher tem uma paciência muito maior, porque foi incentivada a ser essa Penélope por um gigantesco marketing, que se fosse pago, iria custar bilhões de dólares: "Beba Penélope"; "Fora de Penélope" não há salvação".
Enviar novo comentário