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Aramis

O som negro que chega ao Brasil

A fórmula funcionou: a música africana-caribenha amplia seus no Brasil. Depois dos pacotes iniciais da RCA (através do selo Celulloid) e WEA, a EMI-Odeon também lança a sua série Africa Reggae Beat - e de quebra, conjuntos brasileiros, identificados a Mãe-Negra, ganham seus elepês - como os baianos do Reflexus e Madagascar. Do pacote da Odeon, o álbum com maiores chances de vendagem é "No Nuclear War", último disco de Peter Tosh, compositor-intérprete jamaicano assassinado em sua casa a 12 de setembro último. Fundador do Waillers - ao lado de Bob Marley (também já falecido), Tosh foi o grande divulgador do reggae e, após um trabalho em grupos se lançaria em carreira individual, participando inclusive do I Festival de Jazz São Paulo - Montreaux, em 1980. Em "No Nuclear War", Peter mostra suas preocupações políticas, "num discurso pacifista mas sem perder o balanço, nu reggae de forte pulsação rítmica" - como bem acentuou Antônio Carlos Miguel ("Jornal da Tarde", 30/10/87). As oito faixas deste elepê foram escritas, arranjadas e produzidas por Tosh, bem acompanhado por sua banda Word, Sound and Power. Da faixa-título, com seu brado antinuclear, a luta contra o racismo na África do Sul ("Fight Apartheid"), um disco que ratifica a visão social que Tosh sempre deu em seus trabalhos. Também o grupo Johnny Clegg & Savuka ("Third World Child", Odeon) procura lutar contra o apartheid. Não fica apenas na música, mas na formação interacial do grupo, unindo negros e descendentes de ingleses. O líder, Cleg, 34 anos, nasceu na Inglaterra mas foi criado na Rodésia (atual Zimbabwe) e na África do Sul. A música do grupo fica entre o pop-rock e os sons tribais da África - porque afinal nem todos podem fazer aquilo que Paul Simon realizou no seu excelente "Graceland", o álbum que detonou esta nova corrente musical. Outro álbum com raízes na África do Sul: "Sounds of Soweto" reúne sete artistas daquele país, incluindo Clegg & Savuka ("Asimbonanga"). O grupo Lumumba aparece em quatro faixas do álbum com destaque em "Yellow Mealie Meal" e "Confusion (Ma Africa)". O disco ainda mostra as cantoras Mara Louw ("Brother Joe") e Brenda com o grupo The Big Dudes ("Amalahle"). Se estes álbuns trazem a música que se faz na África - fundindo estilos tradicionais com influências externas - há também exemplos nacionais destas correntes. Um deles é o grupo Reflexus, considerado a revelação do Carnaval baiano de 1987, tocando em trio elétrico (trajetória idêntica a outras expressões da nova música daquele Estado, como Luís Caldas, Gerônimo, Sarajane e o grupo Chiclete com Banana. Reflexus gravou um compacto com "Guaratimbira" e "Doce Morena", bem executados nas FMs de Salvador e em junho atacou com "Banho de Beijos" - tentando fazer ressurgir música junina. Agora, preparando-se para o verão ( que na Bahia começou já em setembro), o Reflexus explode com "Alfabeto do Negão", samba de quadra do Ilê Ayê e "Madagascar", samba-tema do Olodum, a mais executada nas rádios de Salvador (que prestigiam os artistas locais, ao contrário do que acontece em Curitiba). Em seu primeiro elepê ("Reflexus da mãe África", EMI-Odeon), o grupo também dá seu recado político, regravando "Oração pela Libertação da África do Sul" Gilberto Gil), seguida de "Libertem Mandela" (Ythamar Tropicália / Rey Zulu). Outra banda baiana, de preocupações maiores em termos de restabelecer a rota com a África é a Olodum ("Egito Madagascar", Continental), com canções de força e poesia social, amparadas numa forte percussão de nove integrantes - e mais os vocais de Cláudia, Jaciara e Germano Santos. Canções como "Madagascar Olodum"(cantada por Lazinho), "Reggae dos Faraós" (vocalizada por Betão), "Raça Negra" e até a "Vinheta Cuba Brasil" - nesta destacando solos instrumentais dos saxofonistas John Moore e Bira Reis - revelam uma nova linha na criação musical - que, curiosamente, nada mais é do que a retomada de raízes com tempero internacional. xxx Dois acréscimos. Um, internacional: no pacote Afro-Reggae Beat, também está o elepê de Alpha Blondy, africano da Costa doMarfim, 34 anos, radicado na França, estrela do Reggae. "Jerusalém", agora editado no Brasil, é seu quarto elepê, gravado na Jamaica e com apoio instrumental dos Wallers, grupo que acompanhava Bob Marley. Alpha canta em francês, inglês e no dialeto afro "crioula", também falando contra o appartheid, entre outros temas políticos. xxx Surgindo com "Eu sou Negão", Gerônimo foi a revelação baiana do início do ano. Após um primeiro álbum produzido por Roberto Santana distribuído pela Polygram, faz um segundo disco com músicas divididas com vários parceiros, incluindo um "Tributo a Bob Marley" - letrinha curta (e fraca), mas de grande embalo. Aliás, o embalo, o ritmo e a comunicação é que fizeram com que Gerônimo explodisse musicalmente com tanto sucesso.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Música
13
08/11/1987

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