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Aramis

O tango maldito de Piazzola (I)

As duas apresentações de Astor Piazzolla (Auditório Bento Munhoz da Rocha Neto, hoje e amanhã, 21 horas) constituem uma oportunidade única para o público curitibano conhecer o trabalho da maior importância que o renovador do tango argentino vem desenvolvendo há mais de 15 anos - hoje reconhecido mundialmente. Pois, quando Piazzolla gravou os dois volumes de "L'História del Tango", os velhos e ortodoxos cultores do tango tradicional concordaram em sua crítica: desta vez ele tinha ido longe demais. Afinal, já não bastava ter gravado, em 1960, um disco inteiro com os poemas e textos que Jorge Luis Borges havia escrito sobre o mesmo tema - "El Tango?"? Nem mesmo o poema sagrado de Borges, "Ode íntima a Buenos Aires", havia escapado a fome inovadora de seu "[bandonéon]" destruidor de velhos mitos (os admiradores do tango tradicional jamais aprovar o sacrilégio de Piazzolla, que gravou tangos "clássicos", como "Sentimiento Gaúcho", "El Choclo" e "A Media Luz", no primeiro volume de sua "[História] del Tango"). Havia muito de jazz e de experiências polirrítmicas, justaposições harmônicas e sincopes avançando num terreno proibido, o terreno do tango como expressão máxima do trágico lirismo portenho. - Acho o tango algo grande demais para se limitar ao romantismo do passado, dizia Astor Piazzolla. O tango provoca-me, quero explorar todos os campos e vazios que ele abre. Por que amarrar-me ao que sempre ouvi? Pouco tempo depois, saia o segundo volume de sua "História del Tango", e, para desespero de seus ortodoxos críticos - ele insistia em usar xilofone, vibrafone, um quarteto de cellos, um quarteto de violas, além do absurdo de uma guitarra elétrica "dialogando" com seu bandonéon. Mas, como acentuou o jornalista Milton Eric Nepomuceno, do "Jornal da Tarde" e um dos maiores amigos de [Piazzolla] no Brasil, para os que conheciam seus trabalhos, ele estava no mais certo dos caminhos. Ousado, concordavam, mas perfeito: ninguém, em mais de 30 anos, pensara em renovar o tango, conservando todo o lirismo e as características da "alma portenha", perfeitamente representadas em sua música. Seus discos, apesar de despertar graves polêmicas, vendiam bem. Chegou a gravar um lp durante o recital que fez no Philarmonic Hall de Nova Iorque, em princípios da década de 60 - a primeira vez que o tango aparecia numa casa reservada à musica erudita ou a experiências semi-eruditas. Aliás, vem de longe a briga de Piazzolla a favor do tango como expressão de música contra a imagem do tango como música trágica e boêmia, limitada a alguns bairros da periferia de Buenos Aires. Em março de 1960, quando musicou os poemas e textos de Jorge Luis Borges - o maior nome da literatura hispano-americana, ele já dizia que "as experiências aleatórias que conseguimos, nesta obra, com a percussão do tango, chocam-se com o bandonéon e as cordas, rigorosamente no estilo simples das músicas simples, porque estes versos de Borges são simples e belíssimos". Hoje e amanhã, uma oportunidade única, de, ao vivo, entender, porque Piazzolla é considerado um dos gênios da música contemporâneos popular. LEGENDA FOTO - Piazzolla
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Tablóide
4
07/10/1975

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