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Aramis

"Ópera de Malandro" de Chico e reprises de "Stroszek" e "Ran"

Apesar de "Peggy Sue - Seu Passado A Espera" de Francis Ford Coppola ter condições de crescer de bilheteria, João Aracheski preferiu substituí-la ontem por "Ópera Do Malandro", o excelente musical que valeu a Ruy Guerra o prêmio de melhor direção do II FestRio. Assim, o musical de Chico Buarque que nasceu nos palcos, inspirados em John Gay (um inglês do século XIX) e Bertold Brecht (1898-1956), com belíssimas músicas (inclusive "Pedaço De Mim" e "O Meu Amor"), está agora em projeção no Astor, enquanto "Peggy Sue Got Married" aguarda hora para voltar, talvez no Cinema I. A "Ópera De Malandro" estréia nesta semana que precede ao XV Festival de Cinema Brasileiro de Gramado - hoje a principal amostra competitiva do cinema no País, e isto deve ter animado a marcação de outros filmes brasileiros em nossos cinemas: "Filme Demência" de Carlos Reinchenbach - premiado em Gramado no ano passado - estreará no Groff, dia 7 (em Gramado, Carlão concorre a partir de segunda-feira com seu novo longa, "Anjos De Arrabalde"), enquanto que "Eu", de Walter Hugo Khouri - sofisticado, luxuoso, belíssimas mulheres, sucesso de bilheteria no Rio de Janeiro e São Paulo, também deve estrear dia 30, no São João/Itália. Khouri, aliás, leva o seu "Eu" para uma exibição hors concours em Gramado, festival que freqüenta regularmente, mas no qual nunca participa da parte competitiva. Afora a estréia de "Ópera De Malandro" - o principal acontecimento cinematográfico da semana - duas reprises oportunas: "Stroszek", 1978, de Werner Herzog (Luz) e "Ran", 1986, de Akira Kurosawa (Ritz). No Groff, a auspiciosa promoção fora de série: uma semana no cinema sueco, com 7 filmes inéditos. A BALADA DE HERZOG - A exemplo de seu conterrâneo Rainer Fassbinder, Werner Herzog filma rápido e de forma delirante. Ainda agora está fazendo um filme com seqüências no Brasil, enquanto seus dois últimos longa-metragens (um deles rodado na Austrália) permanecem inéditos. Em 1978, Herzog realizou "Stroszek" que descreveu como uma "balada", uma forma que presumivelmente existe mais do que a suspensão do descrédito usual. Galardoado com dois prêmios - o especial do júri internacional no Festival de Taormina e o da crítica no Festival de Berlim (ambos em 1978), "Stroszek" foi mais um mergulho de Herzog no mundo dos perdedores, dos personagens marginais: Bruno Stroszek é vivido por Bruno S. (o mesmo intérprete de Kasper Hauser, outro filme brilhante de Herzog da mesma época), um personagem que tem sua infância passada em albergues, sua mocidade em reformatórios dirigidos por nazistas e, como adulto, alcoólatra, passa longos períodos na prisão. Como disse a crítica Katheleen Carol, "a vida lhe dá muitos socos no queixo mas Stroszek continua imperturbável". Um personagem dolorido mas extremamente humano - bem ao gosto do cinema pesadão que Herzog gosta de fazer - mas que, por isto mesmo, com poucas exceções, dificilmente conquistou o público brasileiro. Se Herzog chamou este seu filme de balada, pode-se também entendê-lo como uma parábola, na qual outra vez Herzog retoma uma dessas criaturas que a comunidade não pode absorver - como Kasper Hauser, a sua revisão de Nosferatu ou o próprio Aguirre. O filme é social, denso e profundo, com um elenco excelente. A curiosidade está na trilha sonora, criada por Chet Atkins, nome bastante conhecido do público jovem. Além de Bruno S. no papel título, o elenco traz Eva Mattos como a prostituta com quem Stroszek vive. Um filme especial para ser visto por quem se interessa pelo moderno cinema alemão. Em reprise no Luz. O LEAR JAPONÊS - Indicado a quatro Oscars no ano passado - e só levando o de melhor figurino - "Ran" é, entretanto, um clássico do cinema japonês. Embora exista versão em vídeo, não se compara a possibilidade de se apreciar esta belíssima obra de Akira Kurosawa na tela ampla tal como foi concebido e fotografado por Takao Saito e Masharu Ueda. Por três semanas, o público pode rever "Derzu Uzala", que há 11 anos já havia valido um Oscar de melhor filme estrangeiro a Kurosawa, reprisado no Groff. Agora, o atento Chico Alves relança "Ran", que com seus 161 minutos é uma obra densa e marcante - livre transposição de "O Rei Lear" de Shakespeare - retornando assim Kurosawa a obra do Bardo de Stratford-On-Avon, de quem, há 30 anos, já havia adaptado "Macbeth" ("O Trono Manchado De Sangue", 1957). RAN é uma palavra chinesa que significa caos ou desordem. Ao adaptar livremente a obra de Shakespeare, Kurosawa trocou o sexo dos filhos: na peça, são mulheres, agora, homens. Isto não é surpreendente para Kurosawa, que em quase todos os seus filmes sempre escolheu os homens como personagens centrais. Para as feministas, Kurosawa deve irritar: em seus filmes, a mulher sempre está a sombra, e em "Ran" encarna a maldade: a Dama Kaede é o próprio diabo em quimono de seda. Esposa do primeiro irmão, ela se torna amante do segundo e fomenta a guerra. Um monstro, mas também é uma vítima, pois seu clã foi outrora massacrado por Hidetora, o personagem central - o correspondente ao "Rei Lear" da peça de Shakespeare. Vincent Canby, o mais prestigioso crítico do "New York Times", extasiado ante a beleza de "Ran", escreveu que diferentemente de "Kagemusha", o filme mais complexo de Kurosawa, esta nova fita que envolve samurais tem situações políticas bem mais compreensíveis. "De longe - diz Canby - a figura mais interessante deste drama não é o louco e patético Hidetora, mas sua nora, Dama Kaede, a mulher de seu filho mais velho e principal herdeiro, Taro. É o desejo de vingança de Kaede, filha de um dos senhores derrubado por Hidetora, que empurra seu marido a humilhar o pai, a desfazer a escolha deste e a assumir o controle da família em seu único nome". Um elenco imenso, notáveis recursos técnicos e sobretudo uma grande beleza - além da marcante trilha sonora de Toru Takemistsu fazem de "Ran" um filme admirável. Para ser visto e revisto, sabendo-se, entretanto, que é um espetáculo que exige uma grande integração ao espectador. Não é passatempo digestivo. E muito menos para ser visto em vídeo. LEGENDA FOTO 1 - Bruno S. e Eva Mattos em "Stroszek", um filme amargo e profundo de Werner Herzog. Em reprise no Cine Luz. LEGENDA FOTO 2 - Imagens belíssimas e toda a magia do cinema de Kurosawa em "Ran", transposição ao Japão de "Rei Lear" de Shakespeare. Em reprise no Ritz.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Cinema
18
24/04/1987

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