Os discos paranaenses (I)
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 03 de janeiro de 1980
Em música, 1979 encerrou com uma tríplice presença fonográfica em termos paranaenses: o lançamento do elepe do Samjazz, primeiro produzido de forma independente e com um repertório exclusivamente de compositores locais, a distribuição de "Onze Cantos", de Marinho Galera / Paulinho Vítola, como brinde de fim de ano da Múltipla-Propaganda e Pesquisa e o simpático compacto duplo do cantor argentino Osvaldo René, há algum tempo radicado em Curitiba. Somado a mais de 10 produções de artistas rurais, através da BG, de Ivan Graciano e a instalação do Mastersom, de Reinaldo Camargo, no Juveve, mostram as possibilidades de se desenvolver uma indústria fonográfica em Curitiba - fora do eixo massacrante Rio - São Paulo e dando oportunidades a que nossos talentos - compositores, instrumentistas, vocalistas, arranjadores - tenham sua hora e vez em uma presença discográfica. Para isso também muito contribuirá a seria programação que o Museu da Imagem e do Som, da Secretaria da Cultura e Esportes, vai dinamizar - e que foi iniciada, com o pé-direito, com o lançamento do lp contendo as músicas da peça "O Contestado", de Romario Borelli - agora sendo levada a cidades do Interior e que participará do "Mambebebão", representando o Paraná neste importante projeto do Serviço Nacional de Teatro.
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Para quem, como nós, viu o Samjazz nascer como um trio dos mais promissores, há 14 anos passados, com Hilton Ronald Alice no piano, João Chiminazzo na bateria e Norton Morozowicz na flauta / baixo - vencendo o I Jamsession, que organizamos a pedido do inesquecível Joffre Cabral e Silva (1914 - 1967), no Santa Mônica Clube de Campo, é uma satisfação ouvir o grupo, passados quase uma década e meia, fazer um elepe liberto do esquema comercial que descaracterizou todas suas gravações no longo período em que permaneceram contratados da Continental. Por imposição dos produtores daquela fábrica - e aceito, infelizmente por razões de sobrevivência, o Samjazz, já como quinteto, fez vários discos com músicas estrangeiras, em arranjos dos mais infelizes, que fizeram com que permanecesse no limbo por tanto tempo, apesar do valor de seus integrantes. No último lp registrado na Continental, Hilton ainda conseguiu incluir algumas músicas de compositores paranaenses, mas preso a imposições da fábrica. Por isso, foi dos mais salutares a iniciativa de autoproduzirem seu novo lp, gravado nos estúdios Sir, de Percy Tamplim, e que teve seu lançamento em O ESTADO, dia 27 último. O Samjazz trio nunca chegou a gravar logo após a sua formação, Norton foi para o Rio e hoje é o flautista brasileiro de maior projeção, integrando há 11 anos a Sinfônica Brasileira, solista requisitado inclusive por maestros internacionais, como Karl Richter, da Bach Orquestra de Munique, com o qual irá se encontrar no final deste mês (amanhã, Norton embarca no Rio para Nova Iorque, de onde segue para a Europa). João Chiminazzo trocou a bateria pela publicidade e hoje, como assistente da diretoria, vem orientando uma das maiores indústrias de Campo Largo. Hilton Alice, advogado, funcionário da Assembléia Legislativa, professor da Escola de Música e Belas Artes do Paraná e ativo presidente da secção do Paraná da Ordem dos Músicos do Brasil, não só conseguiu manter o Samjazz por todo este longo período, enfrentando as mais diferentes crises econômicas e artísticas - a fase do pop, a discotheque, o comercialismo, a falta de mercado de trabalho - e, mesmo com muitas (e naturais) substituições, evitar que o mesmo, a exemplo de tantos outros grupos instrumentais - vocais se desfizesse. É claro que houve períodos melhores e outros piores, mas a atual formação é, no mínimo, profissionalmente correta e este disco que gravou ao longo de vários meses, com produção de Reinaldinho Godinho, 30 anos, um dos mais sensíveis compositores paranaenses, crooner do conjunto e responsável pela parte musical do Sir (onde tem feito vários jingles premiados anualmente), é significativo. Mesmo buscando um compreensível equilíbrio musical-comercial, o resultado é positivo. Duas composições do próprio Reinaldinho Godinho - "Recado P'ros Olhos" e "Momentos Amantes", servem de amostra do imenso talento deste compositor paranaense de Siqueira Campos, 15 de vida musical, e que, por sua conta vem também trabalhando num elepe solo, onde reúne as músicas do espetáculo "Coração Musical", um dos melhores shows apresentados no ano passado no Paiol.
Paulo Chaves, cantor de méritos, compositor e que até agora aguarda chance de fazer um elepe na Chantecler (por onde já saíram dois compactos) é autor de "Visagem", participando ainda vocalmente em três faixas: "Tributo", "Recado" e "Nega, Neguinha", Hilton Alice é o autor da faixa instrumental "Samdisco", um dos melhores momentos, onde Carlinhos (bateria/percussão), Reinaldo (violão), Osnildo (guitarra), Orlando (sax-tenor) e Tatá (trompete) tem oportunidade de mostrarem, com maior liberdade sua competência com instrumentistas. Novos compositores - a dupla Angela / Chris ("Verdades") e Antônio Ferraz ("Nega, Neguinha") tiveram músicas incluídas, assim como "Teu Passado é Meu Defeito", de Tatara, encerrando o lado B, ganhou um belíssimo arranjo de Hilton. Tatara, trovador da madrugada, presença noturna e constante nos bares da cidade, é um bom poeta e tem algumas músicas com belas harmonias - embora, como cantor, nem sempre seja dos mais felizes. O aproveitamento de "Teu Passado é Meu Defeito" pelo Samjazz mostra o caminho que deve seguir: compor e entregar suas músicas a intérpretes de valor. Uma homenagem ao inesquecível Lápis (Palmilor Rodrigues, 1942 - 1978) foi a gravação de "Lenço de Flores", letra de Paulo Vítola, uma das mais belas músicas desta dupla, que há 5 anos, já entusiasmava a Hermínio Bello de Carvalho, que só não o incluiu numa de suas produções devido a mesma ter sido proibida pela Censura e só agora conseguido a liberação. "Tributo ao Rio", de Celso Pirata, com letra do publicitário Sergio Mallu é um momento de bom humor: a concepção lembra uma música de exaltação ao Rio de Janeiro, mas, no final, uma curitibana referência: o rio é o nosso poluído Belém. Valorizar muito a gravação a participação de violinistas como Eleni, Hildegard, Moisés e Walter José nas faixas "Recado pro olhos", "Tributo ao Rio", "Lenço de Flores" e "Verdades", Fábio (ex-Opus 4) e sua esposa, Angela, além dos arranjos vocais para "Verdades" e "Tributo ao Rio", participam dos vocais, enquanto o seguro violão de Célio Malgueira e a flauta de Alaor estão em "Lenços de Flores", "Scuit Né", do baterista / percussionista Carlos Freitas - também responsável pela parte técnica do SIR - teve seu arranjo de cuidar de todos os detalhes para fazer do lp do Samjazz um disco de condições de ser programado em qualquer rádio - AM ou FM - e poder disputar o mercado. Se Hilton e seus companheiros tiverem disposição de trabalhar promocionalmente o disco - inclusive viajando a outras cidades, é possível não só recuperar o investimento, mas fazer com que, afinal, mereçam um destaque nacional. De nada adiantará, entretanto, esperar que isso aconteça por milagre: a concorrência é grande com uma média de 10 discos sendo lançados por dia no mercado e a competição é violenta.
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Sobre os discos "Onze Cantos" de Paulinho Vítola / Marinho [Galera] e o compacto de Osvaldo René falaremos amanhã. De "Onze Cantos", o mínimo que se pode dizer é que se trata de um dos mais bonitos trabalhos fonográficos feitos em 1979.
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