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Aramis

Santa Dica, a messiânica revolucionária de Goiás

Afinal quem foi Dona - ou Santa - Dica, esta personagem messiânica, totalmente ignorada na história oficial, mas que teve uma presença forte ao menos durante 20 anos na vida de Goiás? Benedita Cipriano Gomes quando tinha apenas 13 anos já sentiu manifestarem-se seus dons proféticos e milagrosos, atraindo ao pequeno povoado de Lagoa (hoje Lagolândia), onde nasceu, um número cada vez maior de peregrinos que passaram a vê-la como Santa. A menina Dica, roceira de rara beleza, vinda de uma família de camponeses, tornar-se-ia líder do único movimento messiânico do Centro-Oeste. Em apenas dois anos (1923-1925) o povoado de Lagoas se firmou como comunidade e Santa Dica, em pouco, se tornou forte influência política da região - como aconteceria com Antônio Conselheiro em Canudos e os monges na região do Contestado. Às margens do Rio dos Peixes - chamado de Rio Jordão "por ser milagroso" - a menina Dica realizou suas primeiras curas e transmitiu a seu povo o "recado dos anjos". Ali, desde as primeiras horas da luz do dia, a comunidade formava um mutirão na terra ao som de cânticos de trabalho. Para garantir-se a subsistência e a segurança, a partir de suas necessidades, pregava-se no reduto a igualdade, a luta pela abolição dos impostos e a distribuição de terras sob o lema "A terra é de Deus". Pela sua condição de líder, Santa Dica passou a ser utilizada nos primeiros tempos pelos chefes políticos da região. O seu poder e a evolução de sua comunidade, porém, despertaram atenções e causaram preocupações à classe dominante. Crescia o desejo de independência de Dica e sua comunidade, e os peregrinos sentiam-se seguros com a profeta adolescente. Assim a comunidade foi orientada pelas resoluções de Santa Dica, que seriam tomadas a partir de seus "encontros" com os anjos, durante seus transes. Após uma dessas "conferências", ela resolveu organizar os camponeses, formando o exército do povo, e os dirigentes através da ordem "pé-com-palha, pé-sem-palha", solução que encontrou, colocando uma palha de milho num dos pés de cada um, pois ninguém sabia o que era direita, esquerda. Em 1924, por ordem do governador de Goiás, Miguel da Rocha Lima, o comandante da Polícia Militar convocou Santa Dica a reunir voluntários, com a missão de interromper a entrada da Coluna Prestes - que se dirigia a Bolívia - pelo Estado de Goiás. Ela seguiu, levando aliados da Polícia Militar que também estavam sob seu comando, em direção a Anápolis, por onde passaria o grupo liderado por Siqueira Campos. O encontro se daria na segunda noite de espera. Santa Dica, deslocada da tropa, é pega de surpresa pelas tropas de Siqueira Campos, que já a conhecia de fama. Acabaram fazendo uma aliança, porém sob as vistas de um soldado que desertou e se deslocou à Capital para transmitir o ocorrido. Quando Santa Dica retornou ao reduto da Lagoa, seu povo foi desarmado e a Polícia Militar seguiu para a Capital. Em seguida, chegou ao reduto um coronel da Polícia Militar de Jaraguá, com a intenção de investigar os acontecimentos, além de testar os poderes da messiânica líder. Durante os "transes" ele lhe enfiava alfinetes e a queimava com cigarros acesos, sem que ela manifestasse dor. Manuelzinho Careado, braço direito de Dica, desconfiou daquele estranho e o expulsou. O coronel então, começou a incentivar os latifundiários da região para que o governo interviesse e tomasse medidas imediatas contra o reduto de Santa Dica - antes que ali se registrasse "um novo Canudos". Numa madrugada de 1925, um batalhão da PM cercou Lagoas, disparando as metralhadoras. O tiroteio durou 2 horas e quarenta minutos e ao amanhecer Santa Dica conduziu a comunidade na travessia do Rio Jordão, naquela época muito cheio devido às chuvas. Na forte correnteza, velhos inválidos e crianças se jogaram, sendo arrastados pelas águas. No relatório da polícia ficou escrito que "todos haviam se afogado". Mas os dias passavam e não apareciam os corpos. Vasculhou-se a região e foram encontrados os peregrinos sobreviventes. Todos foram levados à cadeia na cidade de Goiás Velho, onde permaneceram, junto com Santa Dica, nove meses, presos sem julgamento. O potiguar Mário Mendes, repórter do "Correio da Manhã", se interessou pelos fatos - que tiveram pequenos registros na imprensa carioca e foi para Goiás, integrando-se tanto na questão que se tornaria defensor de Santa Dica em seu julgamento. Absolvida, ela foi expulsa do Estado, considerada persona non grata. Foi com Mário Mendes para o Rio de Janeiro (sem confirmação, fala-se de que teria chegado a São Paulo e ali conhecido a pintora Anita Mafaldi, do movimento modernista). Mais tarde, solicitou ao governador Brasil Ramos Caiado, que havia assumido em 14/07/1925, autorização para retornar a Goiás. Junto veio Mário Mendes, que acabou sendo eleito prefeito de Pirenópolis, graças principalmente à influência que Santa Dica exercia. Com a revolução de 1930, Santa Dica foi intimada pelo governador de Goiás e colaborar com o Estado apoiando o governo de Washington Luís. Mas, nesta época, sofria já a influência do ambicioso marido. Posteriormente, voltaria ao reduto da Lagoa recomeçando suas atividades místicas e o trabalho da terra com a comunidade. Na revolução constitucionalista de 1932, teve nova participação. Com patente de Capitão (nestas alturas tinha 23 anos de idade), apoiou Getúlio Vargas. Formou uma companhia de 150 homens autorizados a usarem fardas do exército e que se incorporaram ao Departamento Manoel Ravello em operações de guerra do batalhão goiano "Siqueira Campos", acantonado em Uberlândia, Minas Gerais. A partir dos anos 30, Santa Dica se dedicaria especialmente ao lado do curandeirismo. Em 1937, Mário Mendes, por intriga dos latifundiários, foi deposto da Prefeitura de Pirenópolis - e viveria no anonimato até 1963, quando morreu de velhice. Santa Dica faleceria 17 anos depois, em 9 de novembro de 1970 - tão pobre como sempre foi. A seu pedido, está enterrada em frente à sua casa em Lagoa, debaixo de uma velha gameleira. LEGENDA FOTO - Nas filmagens de "Santa Dica", uma bela seqüência feita às margens do Rio Jordão (Foto Rubens Rebouças).
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Nenhum
6
26/11/1989

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