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Aramis

Sexagenária Metrópolis com curtição dos jovens

Uma cidade de arquitetura avançadíssima. Arranha-céus imensos, trens cirulando em várias superfícies. Um vídeo-fone, uma espécie de computador e até um robô fantástico. Imagens corriqueiras nos dias atuais, mas que, há 60 anos passados, só poderiam nascer na imaginação de um grande ficcionista. Jovens nas faixas de 13/20 anos, entre os quais muitos até darks e punks tupiniquins que jamais ouviram falar em expressionismo curtem, adoidado, as imagens de "Metrópolis" (Cine Groff, hoje último dia em exibição). Seis décadas após o rígido Fritz Lang (1890-1976) ter concebido este fascinante mundo entusiasma platéias jovens, aos quais uma remontagem do filme, com aproveitamento de seqüências que haviam ficado perdidas por mais de 50 anos, são aproveitados - e aos quais uma águia em matéira de marketing musical, Giorgio Moroder, acrescentou não só uma incrementada trilha sonora mas também um curioso processo de colorificação artificial. xxx Radicado em Munique, Giorgio Moroder foi o homem que melhor soube industrializar o som discotheque a partir do final dos anos 70. Habilidoso alquimista chegou a Hollywood produzindo trilhas para filmes como "O Expresso da Meia-noite" e "American Gigolô" e logo ocupando um espaço seguro entre os produtores musicais. Sentindo as possibilidades de reaproveitamento de "Metrópolis" não deixou por menos: adquiriu seus direitos, buscou as partes que estavam esquecidas nos arquivos da Cinemateca de Berlim e encarregou a uma equipe de alta tecnologia para reprocessar o material, conseguindo colorir, de forma equilibrada, a maioria das seqüências. Pessoalmente, Moroder cuidou da trilha sonora, convocando a letrista Pete Bellotte para dez temas inéditos, cujas interpretações entregou a grupos e intérpretes dos mais vigorosos: Freddie Mercury, vocalista do grupo Queen em "Love Kills", Pat Benatar em "Here's My Heart"; Jon Anderson em "Cage of Freedom"; Bonnie Tyler em "Here She Comes"; Billy Squier em "On Your Own" e Adam Ant em "What's Going On" - mais os grupos Cycle V ("Bloode From A Stone") e Loverboy ("Destruction"), enquanto ele próprio encarregava-se de dois temas especialmente identificados à trama do filme: "The Legend of Babel" e "Machines". Antes mesmo do filme ser relançado, na nova versão, Moroder negociava com a CBS a exploração do tape e num bem cuidado álbum de capa dupla, em janeiro de 1984 a trilha chegava ao Brasil. O filme só teria suas primeiras exibições durante a primeira edição do FestRio, em novembro de 1984 - seguindo-se depois seu lançamento comercial. O marketing funcionou: um público jovem, atraído pela trilha sonora, passou a curtir o filme de Lang, interessando-se, inclusive, pela maneira com que se desenvolveu o chamado cinema expressionista alemão, do qual o velho Fritz foi um dos grandes expoentes. xxx Biógrafos de Fritz Lang como Luc Moullet ("Cinema D'Aujourd'Jui", Seghers, Paris, 1962) contam que a idéia de fazer um filme com um tema fantástico - numa cidade do futuro, do ano 2.026, uma classe que vive na superfície domina os trabalhadores nos subterrâneos - nasceu após Fritz Lang ter visitado, pela primeira vez, Nova Iorque. A arquitetura vertical da megalópolis o influenciou sobremaneira e isto ele transmitiu aos cenógrafos Otto Hunte, Erich Kettelhuf e Karl Vollbrechet. A roteirista Thea von Harbou (Tauperflitz, 1888 - Berlin, 1954), esposa de Lang até 1933 - e que ao contrário deste, aceitou o regime nazista (Fritz fugiu da Alemanha, em 1933, quando Goebels ofereceu-lhe a direção de todo o cinema nazista) - criou para "Metrópolis" uma história com elementos que vão do Kitsch ao fantástico. A figura do Rotwang (Rudolph Klein-Rogge), que constrói um robô-mulher para lembrar a grande paixão de sua vida, tem toques hilariantes, enquanto que a dupla atuação de Maria (Brigitte Helm), de um lado a boníssima criatura que deseja ajudar os trabalhadores, de outro uma "cruel feiticeira" também propõe diversas interpretações. O conflito entre o pai-capitalista, Joh Fredersen (Alfred Abel) e o seu filho, humanista, Freder (Gustav Frolich) também faz a questão social enfocada terminar com uma ingênua concessão, na qual a luta entre trabalhadores e patrão termina com um simbólico aperto de mãos entre o poderoso senhor de Metrópolis e o líder dos operários, com a frase - "o coração é o mediador entre o cérebro e o braço". Se de um lado há os que vêem neste filme toques condizentes com o futuro estado nazista, para outros o então jovem Fritz Lang, (que nasceu em Viena e começou a fazer cinema aos 19 anos, na Alemanha) já esboçava, ao seu modo, uma sátira mordaz. (Fãs de Jean Luc Godard juram que, em 1965, ao realizar "Alphaville", ele pretendeu homenagear o mestre alemão). Interpretações à parte, dentro da bela, diversificada e notável obra que Fritz Lang deixou - desenvolvida em grande parte nos EUA, "Metrópolis' é um filme fascinante e que retorna, nesta reprise, com um incrível sabor de novidade. Aliás, algumas curiosidades: embora feito na época do cinema mudo, "Metrópolis" tinha sua trilha sonora criada por Gottfried Huppertz para ser executada por pequenas orquestras nos cinemas que o exibissem. Rodado em 31 semanas, entre 22 de março de 1925 a 30 de outubro de 1926, com fotografia de Karl Freund e Gunther Rittau, foi uma superprodução para a época, justamente pelo tempo que demorou e seu custo - 1.300.000 marcos. Só para comparar, "Siegfriedd", de 1923 - primeiro episódio do "Die Nibelungen", foi concluído em apenas 13 semanas e "A mulher no Mundo", de 1931, ficou pronto em um mês e meio.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
13
20/08/1986

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