Spartacus & Kubrik (II)
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 18 de janeiro de 1977
Independente dos aspectos de superprodução, "Spartacus"(cine Bristol, sessão única às 20 horas) é sobretudo um filme em torno do homem e da liberdade. E isso o faz um filme de permanente interesse, como as peças de Esquilo ou Sófocles, escritas há milhares de anos. Revisto hoje, 17 anos após sua realização, "Spartacus", mantém todo o vigor, inteligência e atualidade que o fizeram, em 1961, um dos 10 melhores filmes exibidos no Brasil - e que o colocam como o melhor das superproduções de Hollywood. "Spartacus" foi o primeiro filme em que Stanley Kubrick utilizou as cores e teve a sua disposição grandes recursos técnicos (12 milhões de dólares, mais de 10 mil pessoas entre atores, extras e técnicos). Essa superestrutura industrial e as limitações impostas pela produtora (Universal) e pelo ator-produtor (Kirk Douglas) não retiraram, entretanto, as características básicas presentes no romance de Howard Fast e mantidas no roteiro de Dalton Trumbo.
Norman Kagan, autor de um livro sobre Stanley Kubrick, editado em 1972, na Inglaterra, chegou a especular sobre como Kubrick teria conduzido o filme se tivesse obtido liberdade total de realização (o que conseguiu em seus primeiros filmes e voltou a conquistar após "2001", em 1968). Kubrick sempre procurou entender seus personagens e o fato de Spartacus transformar-se de um homem bruto, analfabeto e amargo, num comandante bem humorado, ágil, sensível, não é um fato único em sua filmografia: praticamente em todas suas obras (ao menos às anteriores a este filme) observa-se numa transformação no comportamento dos heróis (ou anti-heróis): o boxeador Vicent Rapallo (Frank Silveira) em "A Morte Passou Por Perto" são dois exemplos característicos.
A trilha sonora de "Spartacus" é particularmente,interessante: aos ruídos característicos de uma superprodução em que a ação é básica, o maestro Alex North construiu toda uma faixa musical que, sem desprezar a música marcial, tem momentos de suave ternura principalmente no tema de amor entre Spartacus e Varinia, a partir dos primeiros encontros na escola de gladiadores. Aliás, é interessante observar a perfeita divisão do filme, ao longo dos 196 minutos: a ação se sucede em vários cenários, formando blocos isolados, mas que se prendem ao final com notável perfeição. Com uma das mais longas metragens da história do cinema, "Spartacus" não cansa ao espectador: a ação, as idéias, a competência da realização fazem o filme fluir normalmente. Para isso, contribui, também o magnífico elenco reunido - onde dois atores, em especial, constituem um "show" a parte: Laurence Olivier, então com 53 anos mas aparência bem mais jovem, como o ambicioso Craso e Charles Laughton (1899-1862), que compõe no corrupto senador Graco, um personagem de notável atualidade, chegando mesmo a lembrar certas figuras conhecidas da política paranaense (e universal, por que não dizer), em seu raposismo. Peter Ustinov, compõe um ótimo Baciato e mesmo atores coadjuvantes - Herbert Lom, John Gavin, Nina Foch, Charles McCraw, Harold Stone, Woody Strode (excelente como o gladiador Draba) estão marcantes. Jean Simmons, apesar de na época já contar com 41 anos (estreou no cinema em 44, vivendo a "Ofélia" em "Hamlet", de Laurence Olivier), está linda jovem. "Spartacus" vale muitos adjetivos, mas o mais importante é este: como os ideais de liberdade e justiça, também o filme de Kubrick não envelheceu. Ao contrário.
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