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Aramis

Star Dust, adeus!

POR trás de uma simples mudança de inquilino, cujo registro nem sequer se justificaria, num espaço de jornal, um dado significativo, para comprovar, mais uma vez, o esvaziamento da noite curitibana. Silenciosamente, nem sequer festa de despedida para os velhos fregueses, a última grande boite de Curitiba - o Star Dust - cerrou as portas há algum tempo. Na semana passada, finalmente o proprietário do imóvel onde funcionaram estabelecimentos noturnos por mais de 20 anos, alugou (por Cr$ 4 milhões mensais) os 600 metros quadrados para uma firma paulista, que ali deverá instalar-se nos primeiros dias de janeiro. xxx Ocupando o segundo pavimento de uma galeria comercial da praça Osório, que tem ligação com a Rua Carlos de Carvalho, o espaço que a família Demeterco possui há muitos anos foi ocupado, desde meados dos anos 60, por alegres e movimentados estabelecimentos noturnos. Quando o lendário Paulo Wendt (Paranaguá, 25.10.1915 - Curitiba, 20.07.1966) justificava o título de "O Rei da Noite Curitibana", comandando uma rede de animadas boites, instalou, na Praça Osório, um restaurante da madrugada, para ali convergiam artistas e fregueses da Marrocos, Cadiz, Luigi's, Tropical, La Vien En Rose, Graceful e tantos outros musicais em festivos endereços da então rica noite curitibana - que ganhavam farta cobertura na coluna "Ecos da Noite", que Renato Muniz Ribas fazia na então nascente "Tribuna do Paraná". Depois de funcionar como restaurante da madrugada, o imóvel da Praça Osório foi transformado em boite - com palco e camarins, no melhor estilo de Marrocos, que durante mais de dez anos ocupou o sobrado na esquina das ruas Dr. Murici/Marechal Deodoro. xxx Para os mais velhos, a estória é conhecida. Entretanto, aos leitores jovens é bom que se conte. Paulo Wendt, gordo e simpático "rei da noite curitibana", era homem de grandes amigos, mas terríveis inimizades. E, em certa madrugada, ao discutir com u freguês que se recusava a pagar a conta na Marrocos, foi assassinado. A viúva, Ediluz, associada com um cunhado, o mal humorado Amarelinho, tentou manter a boite na mesma tradição: grandes shows musicais, belas mulheres fregueses de gabarito. Entretanto, menos de um mês após a morte de Paulo, a boite era fechada definitivamente. O ator Jardel Filho, vindo a Curitiba para a pré-estréia nacional da superprodução "O Sr. Puntila e o seu Criado Matt", de Bertold Brecht, direção de Flávio Rangel, foi esticar naquela boite, e ao lhe ser apresentada a conta, achou que estava sendo roubado. Reclamou e, como conseqüência, foi jogado, escada abaixo, pelos leões-de-chácara do feroz Amarelinho. Machucado e humilhado, Jardel Filho denunciou a violência e o próprio governador Paulo Pimentel determinou o fechamento da boite. Nem a amizade de Miguel Zacarias, delegado de costumes e que sempre segurava as barras de Wendt, conseguiu evitar a ordem final. Fechada a Marrocos, Ediluz e Amarelinho passaram para a Praça Osório - transformando o restaurante noturno numa grande boite. Ao longo de 18 anos, muitos donos se sucederam naquela casa e ali ficou a resistência da madrugada, no velho estilo: muitas mesas, shows de todas as noites, música ao vivo. Nomes famosos, como do Índios Tabajara, virtuoses do violão, ali fizeram shows. xxx A cidade se transformou. As boites foram fechando, transformando-se no máximo em pequenas uiscarias, com música de fita, poucos funcionários e uma clientela cada vez mais arisca. O último proprietário da Star Dust foi um jovem japonês enriquecido subitamente e boêmio por natureza. Os tempos já eram outros e a crise dos últimos anos também se refletiu na madrugada: a mudança de nome da casa para "Privé Aquarius", a substituição da boa música ao vivo do passado por estridentes guitarras e o ritmo discothèque não foram suficientes para equilibrar as finanças. E assim, melancolicamente, a antiga Star Dust fechou definitivamente. xxx O publicitário Sérgio Mercer, ex-boêmio e seresteiro, autor de uma mini-estória da noite curitibana, publicada em capítulos no nosso extinto "Fim-de-Semana", recorda, com saudades, a época das grandes casas noturnas, com shows musicais do primeiro nível. Breno Sauer e seu conjunto, contratados por Paulo Wendt, fizeram temporadas tão longas que o grupo aqui ficou morando. O baterista do conjunto, o Pirata (Afonso Cid), nunca mais saiu da cidade e hoje é dono de bar num dos bairros da cidade Breno e Portinho (bateristas que substituiu ao Pirata) residem na Califórnia, enquanto o guitarrista Alemão (Olmir Stocker) e o baixista Gabriel estão em São Paulo. Na Moulin Rouge, depois de Jane 2, que outro empresário lendário da noite curitibana, o João Pedro Guimarães, dirigiu por anos - e que passou do bairro do Juvevê para o prédio anexo ao posto do Touring Clube, na Rua Carlos de Carvalho - também houve momentos musicais de glória. Além dos "grandes balles argentinos" - que traziam belíssimas mulheres - cantores como Jair Rodrigues (em início de Carreira), Agostinho dos Santos, Maria Odete e tantos outros ali fizeram longas temporadas. Mesmo casa menores - como o Luigi's e Graceful, King's Club (na qual, durante aos, o baterista era o hoje internacional Airto Guimorvan Moreira) - sempre mantinham bons conjuntos musicais. Mais distante do eixo Praça Osório/Alameda Cabral/Carlos de Carvalho, outras boites também movimentavam artistas e faturavam bastante. O Maxim's, ao lado do Mercado Municipal, foi uma das grandes casas que resistiu por mais tempo. xxx Hoje, o panorama da noite curitibana é diferente. Pizzarias aparentemente sofisticadas, muitos drivers, algumas discotheques de fim-de-semana são programas mais econômicos. Aos solitários, que buscam companhia feminina, uma noite bem acompanhada não fica barato - e ao invés das casas com shows artísticos como no passado, há as grosseiras apresentações de sexo explícito no Country Nice (na mesma Rua Carlos de Carvalho, mas ao lado de dois clubes tradicionais - o Rio Branco e o Juventus) e o Safari. xxx Sem dúvida, a noite curitibana esvaziou ...
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Tablóide
20
20/12/1984

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