Também assim não há público que resista
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 24 de setembro de 1988
Quarta-feira, 21, 19h45. Na portaria do edifício-sede da Caixa Econômica Federal (entrada rua José Loureiro), chegam dois casais que haviam programado assistir, no auditório do 15o. andar, a projeção dos 10 vídeos sobre artes plásticas na promoção denominada Rio Arte Vídeo. Apresentada como uma realização conjunta da Secretaria de Estado da Culutra/ Coordenadoria dos Museus/ Caixa Econômica Federal (conjunto cultural), e que havia merecido um sofisticado poster (como, aliás, sempre acontece nos eventos desta pasta) e anunciava o início para aquela ocasião.
Os guardas da portaria atenderam com surpresa, aparlemados, os interessados em assistir os vídeos:
- O quê? Que é isto! Não estamos sabendo de nada!
Após alguma insistência, um atencioso guardião, do turno da noite, concordou em subir até o 15o. andar e verificar se "por acaso" estava acontecendo alguma promoção. Acompanhando os espectadores, foi até o auditório e confirmou-se o que dizia: luzes apagadas, nenhuma informação.
Ninguém sabia de nada em relação à promoção. Ninguém da Secretaria de Cultura ou do chamado "conjunto cultural" (sic) da Caixa Econômica Federal do Paraná para explicar a suspensão da exibição. (Estavam programados vídeo importantes, inclusive "O nervo de prata", de Arthur Omar, premiado no IV FestRio).
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Terça-feira, 20, 20h10. Cinemateca do Museu Guido Viaro. A professora Heidrun Bruckner, diretora do Goethe Institut/ Instituto Cultural Brasileiro Germânico, dirige-se à cabine de projeção, pelo lado da platéia, para tentar dar um aviso ao operador. Ao voltar ao seu lugar, tropeça e quase sofre um acidente fatal. Mais uma - entre dezenas - pessoa que tem sido vítima da verdadeira armadilha que é a sala de projeção da Cinemateca. Escada estreita, nenhuma segurança - riscos das pessoas se esborracharem no chão.
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Mesma terça-feira, 20, sessão das 18 horas, quando estava sendo apresentado pela primeira vez, um dos mais importantes filmes da retrospectiva do Cinema Alemão - "Kuhle Wampe", roteiro de Bertold Brecht, direção de Slatan Dudow (1903-1961): meia dúzia de garotos, entre 7 e 15 anos, pivetes que circulam nas imediações do Museu Guido Viaro, entram e até assoviam em protesto ao filme que realizado em 1932, com uma temática Marxista, obviamente, não se destina a sua compreensão. Os garotos, sem ter que fazer - e como a entrada é livre - entram e saem.
Nenhum funcionário da Cinemateca estava presente na sessão - afora o operador. Era de se imaginar que ao menos houvesse um na portaria, orientando o público.
Cinema I, filme em exibição "Feliz ano velho", de Roberto Gervitz. A cópia em projeção (4 sessões por dia) tem poblemas na trilha musical e com isto, em muitos momentos, a belíssima criação sonora de Luiz Henrique Xavier perde-se. No final da primeira sessão na noite de quarta-feira, 21, as luzes são acesas antes mesmo dos créditos e o operador interrompe a projeção. O espectador que se interessa em saber quem fez o filme fica sem esta informação devido à pressa do operador. Se fosse na sessão das 22 horas, a desculpa de que o funcionário tem que sair correndo para apanhar o ônibus da meia-noite que o leva a sua casa ainda seria aceitável (aliás, a direção da Vitória filmes determinou que nas segundas sessões fossem excuídas as projeções de trailers e curtas-metragens, para que os funcionários não percam a condução - pois isto obriga a empresa a pagar táxi).
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Apenas alguns exemplos que confirmamos, pessoalmente, nos últimos dias em relação a uma questão cada vez mais ampla: a falta de respeito com o espectador. Numa época em que o conforto do vídeo-cassete faz com que as pessoas sejam cada vez mais atraídas para ficarem em casa - e dispensando assim programas que exigem deslocamento ao Centro - as próprias instituições (e empresas de exibição) que deveriam se preocupar em oferecer facilidades aos espectadores, contribuem para afastá-los.
Qual a motivação que pode fazer um cidadão sair de casa numa noite fria, deslocar-se até a praça Carlos Gomes em busca de um auditório sem qualquer tradição cultural para ali ver vídeos de arte, que apesar de seu alto nível não tem maior atração a não ser para um pequeno círculo - e, ao invés da sessão anunciada (nos cartazes da Secretaria de Cultura) [encontrar as] portas fechadas. O pessoal da segurança da Caixa Econômica diz ignorar qualquer promoção cultural naquele horário (as outras duas exibições previstas também foram marcadas para horários absurdos: 14 e 16 horas). Qual o público que dispões de folga de duas horas, em dia de semana, para assistir a vídeos?
Algumas perguntas: por que uma promoção como Rio Arte Vídeo não foi programada para um outro espaço mais apropriado? Quem foi que suspendeu a sessão e nem sequer teve a delicadeza de informar os guardiões da Caixa Econômica? Por que os vídeos não foram exibidos no Museu de Arte Contemporânea - que mesmo não tendo uma sala apropriada, podeira sediar a promoção, já que se tratam de produções relacionadas a artistas plásticos?
Dos quase 100 filmes que constituem a Grande Retrospectiva do Cinema Alemão, organizado pelo Goethe e já levada a São Paulo, menos da metade veio a Curitiba. Oficialmente, Francisco Alves dos Santos, coordenador da área de cinema da Fucucu, diz que "não poderíamos ceder mais que duas semanas da Cinemateca para esta promoção e nos Cines Ritz, Luz e Groff tínhamos compromissos anteriores" (sic). Extraoficialmente, sabe-se que o todo poderoso presidente da Fucucu/ secretário municipal da cultura, advogado Carlos Frederico Marés de Souza, viu com antipatia esta promoção que teria classificado de "elitista". Aliás, embora diplomaticamente a doutora Heidrun Bruckner evite comentar, o tratamento que o Goethe recebe por parte da Fucucu - a quem oferece semanalmente excelentes promoções - não é nem um pouco atencioso e ela sonha com o dia em que as novas instalações do Instituto fiquem prontas, incluindo um auditório de 200 lugares, para a instituição não depender mais dos humores dos donos do poder municipal (embora, a esperança seja de que com a eleição de um novo prefeito, haja uma oxigenação na Fucucu, que necessita há anos de total mudança em seus quadros diretivos).
Por critérios misteriosos, filmes importantes foram cortados da mostra. Alguns dos filmes alemães vistos em São Paulo (e que serão levados a outras cidades) teriam sido eliminados da programação "porque já haviam sido exibidos, anteriormente, na Cinemateca". Muito bem! Mas será que não há uma renovação de público, com gente mais jovem (aliás, as sessões tem estado lotadas) interessada em conhecer, por exemplo, "A última gargalhada" de Murnau (1924) ou "Os Nibelungos" (1923/24, de Fritz Lang), excluídos da programação na Cinemateca? Mais grave ainda: no ciclo de filmes contemporâneos, foram eliminados dois longas de Doris Dorrie. Considerada uma das mais importantes realizadoras do momento - "No meio do coração" (Mitten ins herz, 1983) e, especialmente "Homens" (Menner, 1985) - este o maior sucesso na Europa em 1986, exibido no FestRio.
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Realmente, de nada adianta se falar tanto em "investimentos culturais", buscar recursos da Lei Sarney, se o mal começa pela raiz. Ou melhor, pela falta de respeito ao espectador.
Assim não há público que agüente!
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