Teatro melancólico
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 14 de novembro de 1975
Fortaleza (Via Telex) - Por divergências entre os grupos de teatro amador do Paraná e total falta de apoio aos conjuntos gaúchos, coube a um modestíssimo grupo catarinense - o Diocesano, de Lajes - representar, de forma melancólica, a Região Sul no Festival Nacional de Teatro Amador, que de 8 a 15 de novembro, a Fenata, SNT e Secretaria de Cultura do Ceará, patrocinam nesta Capital. Ao final da apresentação de "Os Deuses Riem", adaptado do romance do inglês A.J. Cronin, os espectadores que restaram no Teatro José de Alencar, bem como críticos de expressão nacional - como Yan Michalski, do "Jornal do Brasil", Ilka Zanotto, d"O Estado de São Paulo" e Jefferson Del Rios, da "Folha de São Paulo", nem chegavam a criticar a mediocridade do espetáculo mas, sim, indagavam, o que teria levado, em pleno ano de 1975, um grupo de jovens, a trazerem a um festival nacional, uma peça tão rançosa e superada como a moralista adaptação do romance de Cronin - como habitualmente em seus temas, uma história ambientada em um hospital, com personagens maniqueistas - e, encenada de uma forma tão monótona - que fez as 2h30 min do espetáculo, parecerem seis horas.
Na tarde de quarta-feira, no debate entre os críticos e pessoal de teatro do Rio e São Paulo, com os diretores do Grupo Diocesano, houve algumas explicações. Maria Helena Kuhner, teatróloga e representante do SNT na Federação Nacional de Teatro Amador, explicou o que havia ocorrido na Região Sul; do Paraná, por ocasião do VIII Festival de Teatro, promovido pela Universidade de Londrina, dos onze grupos participantes apenas 5 concordaram em participar da seleção estadual para escolha dos representantes no encontro da Sexta Coordenadoria Regional, englobando os Estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. E, contrariando o que regulamentou a Fenata, os 5 grupos - Núcleo, de Londrina ("Guernica", de Arrabal"), Gruta, de Arapongas ("As Troianas", adaptação de Sartre), Gil Vicente, de Curitiba ("Auto da Barca do Inferno"), Tapecar, de Arapongas ("Morre um Gato na China", de Pedro Bloch e Celula de Ibiporã ("Agua Sombria", de W.B. Yeats) - pretendiam participar do Regional, quando o máximo seriam 3 concorrentes por Estado. Apesar dos esforços de Neusa Casagrande, representante da Fenata na Região prevaleceu a intransigência e os grupos paranaenses omitiram-se do Festival realizado em seguida, em Ponta Grossa, onde apenas o Grupo Teatral Diocesano, participou com "Os Deuses Riem" e o Grupo Teatral Arte Dramática, de Itajaí, levou "Papai Fanfarrão", de J. Wanderley e Mario Lago. Dos dois, o menos e assim mesmo péssimo - era o de Lajes, que com seus 16 integrantes acabou recebendo passagens e ajuda para vir a Fortaleza, fazer a melancólica apresentação.
Nos debates, o principal ator e diretor do grupo, Flavio Spindler, nervoso e irritado por temer as críticas, acabou justificando a escolha do texto "porque este é o tipo de peça que o público de minha cidade gosta e porque não fazemos teatro pornográfico". Pouco a pouco, os debatedores - principalmente os críticos Yan Michalski e Ilka Zanotto - fizeram ponderações inteligentes e racionais, mostrando a Splinder e seu grupo a necessidade de uma nova conceituação do que seja teatro e da responsabilidade dos grupos amadores. Em suas justificativas, o diretor do grupo lajeano reclamou, principalmente, da falta de textos e do desconhecimento total de qualquer técnica teatral. Como exemplo de espetáculo levado a Lajes, citou o polono-paranaense W. Romanoski, que com seu monólogo "Retrato de Wlade", lá esteve "há algum tempo", sem sucesso. Os debatedores e assistentes ficaram surpresos com o exemplo, pois ninguém, jamais ouvia tido qualquer notícia a respeito de Romanoski e seu monólogo.
Ao final, o diretor e professor Clovis Levy, que durante 3 anos foi mestre de interpretação no Curso de Arte Dramática da Fundação Teatro Guaíra, fez uma proposta que mereceu aplausos do grupo lajeano, netas alturas já convencido da justiça das críticas: transformar os Cr$ 30 mil prêmio regional em cursos para aprimoramento do elenco, já que o próprio responsável pelo grupo frei Conrado Vasselai reconheceu a franqueza do espetáculo e o fato de terem vindo representar o Sul "apenas por acaso". Dos espetáculos paranaenses. por divergências regionais, acabaram desistindo de concorrer, estavam dois vigorosos textos do jornalista Domingos Pellegrini Junior, do "Panorama", de Londrina: "Morto Vivo" e "O tronco", encenados pelos grupos da gente e Lam de Londrina e Maringá, respectivamente.
Sem a presença de dois de seus principais atores - que residindo em Maceió, não chegaram a tempo para a apresentação de quarta-feira, apesar do seu retardamento em duas horas - o Grupo de Cultura Teatral, de Caruaru, apresentou um dos mais vigorosos espetáculos deste Festival: "O Sol feriu a Terra e a chaga se alastrou", escrito e dirigido por Vital Santos, de grande beleza plástica e coreográfica, com uma temática nordestina - seca, misticismo religioso, honra e liberdade - o espetáculo foi aplaudido em pé, durante 2 minutos, pelo público que entendendo a falta de 2 dos atores, assim mesmo ficou entusiasmado com o nível do texto e da encenação - merecedor mesmo de percorrer todo o País, mostrando um pouco da criatividade pernambucana. O embaixador Paschoal Carlos Magno, realizador de 8 Festivais Nacionais de Teatro Amador e que participa como convidado de honra deste, tem feito algumas restrições ao critério de seleção da Fenata. O ex-secretário-geral do Conselho Federal de Cultura, fundador do Teatro do Estudante do Brasil e que se orgulha de conhecer todos os grupos que fazem teatro amador no País, lamenta a ausência de conjuntos que, em seu entender, tem a maior validade. Como exemplo, lembra o Grupo Celula, de Ibiporã, que levou a Londrina a peça de Yeats, e que tem a direção de Henrique Aragão escultor e entusiasta da arte, desenvolvendo um trabalho anônimo mesmo no Pará.
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