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Aramis

Um comercial de longa-metragem

No momento em que os autores de telenovelas hoje os intelectuais mais bem pagos do Brasil são acusados de transformar os personagens em garotos-propaganda, a serviço dos departamento de merchandissing das redes nacionais de televisão são, um filme como << O Vencedor >> (Cine Rivoli, 4 sessões) coloca a questão: e o cinema? Até onde é justo utilizar um longa-metragem para a << venda >> de produtos comerciais? Independente dos méritos artísticos que valeram a << Breaking Away >> indicações a várias categorias de Oscar, a visão desta produção da 20th Century Foz parece um logo comercial de vários produtos. Em primeiro lugar do ciclismo, o que não de ter significado quando a crise do petróleo e a inflação levam o litro da gasolina a Cr$ 35.00 ( e a << promessa> de Delfim Neto em chegar aos Cr$60,00 em breve(, que além de ser uma opção de transportes tem méritos esportivos e mesmo por saúde. Depois, vem a Cinzano, deslavadamente promovida no filme, em suas cores vermelho e azul, marcas e logotipos, de tal forma que parece que a fábrica italiana financiou o filme. Mas outros produtos entram também no merchandissing - cigarros, Coca-Cola, bancos, etc., incluídos na << T-Shirts >>, as camisas usadas pelos atletas, transformadas em out-doors volantes. A impressão que se tem é de que apesar de ter realizado um dos maiores sucessos de bilheteria dos anos 60 (<< Bullit >> 68), o inglês Peter Yates não encontrou produtos suficientes crédulos em seu talento e para produzir e dirigir este filme, teve que buscar as agências de propaganda que controlam gordas contas da Cinzano e outros produtos. É verdade que a marca da bicicleta utilizada por Dave (Denis Chrustopher) não chegar a ser identificada, mas neste pode ter havido um << pool >> de fabricantes, para promover o produto em si, e não uma determinada marca. Era comum, até há alguns anos, os filmes brasileiros trazerem ao final uma lista enorme de firmas, entidades e pessoas que colaboraram na produção. Hoje, vemos que o poderoso cinema americano usa uma forma mais audaciosa: a mensagem publicitária clara nos objetos, bebidas. Produtos, etc, utilizados pelos personagens. E no final de << O Vencedor >> , há ainda um agradecimento a Universidade de Indiana e a comunidade de Bloomington, onde o filme foi rodado enquanto a trilha sonora adaptada por Patrick Willians termina com o ufanista hino daquela instituição universitária. Mas independente do merchandissing comercial. << O Vencedor >> é um filme de méritos. Sua visão paralela ao terno << Um Pequeno Romance >> (Cinema 1, 3.ª semana), parece indicar que ao lado da valorização da mulher como personagem (especialmente a partir de 1976), os conflitos conjugais (78 em diante) e o esporte no cinema (inúmeros filmes nos últimos 4 anos) uma tendência à pureza, juventude e mesmo ingenuidade parece contrabalançar a tanto sexo, violência & sangue dos anos 60 e mesmo parte da década passada. A censura livre de << Um Pequeno Romance >> e, especialmente este << O Vencedor >> é importante: filmes sobre jovens, seus problemas, tratados de uma forma honesta e simples. Não a angústia existencial, a delinqüência, o choque entre gerações embora não deixe de existir, em alguns momentos embora não deixe de existir, em alguns momentos, referências a tais problemas. Mas, antes de tudo, uma, visão romântica, de jovens capazes de se satisfazerem com um simples beijo, como Lauren (Diane Lane) e Daniel Michon (Thlonius Bernard) em << Um Pequeno Romance >> ou Dave Katherine (Robyn Douglas) em << Breaking away >>. Em alguns momentos, a inquietação de quatro jovens de uma cidade provinciana do interior dos EUA - Dave, Mike (Denis Quaid), Cyril (Daniel Stern) e Moochner (Jackie Earle Haley), aos 19 anos, << gazeteiros >> das aulas, numa disponibilidade tão cara à adolescência, pode lembrar, de leve, aos inesquecíveis personagens de << Os Boas Vidas >> (I Vitoloni, 53, de Frederico Fellini). Mas na visão é tipicamente do << american way of life >> o << campus >> universitário, com suas comunidades, a rivalidade entre grupos, as competições esportivas. Esta << regionalização >> talvez faça com que << Breaking Away >> não alcance, no Brasil, o mesmo sucesso que aconteceu nos Estados Unidos. Inúmeros filmes que estouraram nas bilheterias nos EUA e Canadá, abordando temas jovens ou esportes pouco defundidos no Brasil, não chegam a entusiasmar a nossa platéia. Os conflitos de Dave, um jovem que deseja viver, falar e agir como italiano e que gasta suas energias pedalando pelas ruas e rodovias de sua cidade, pode ter uma empatia com maior adolescentes de vários países. A terna oposição (preocupação) do pai (Paul ooley), a compreensão da mãe (Barbara Barrie)., são pontos bem desenvolvidos pelo roteiro de Steve Tesich. E também o entusiasmo do pai, ao final, ao ponto de aderir à bicicleta. Mas é necessário << sentir >> o filme em seu universo para entender este trabalho de Yates, que aos 51 anos, 16 na direção de longa-metragens, tem freqüentado os mais diversos gêneros - polocoal, terror, guerra, comédia, além de ter a seu crédito um dos mais ternos filmes sobre o relacionamento de suas pessoas solitárias na metrópole novaiorquina (<< João e Mary >>, 69. Seu último longa-metragem havia sido uma superprodução das mais comerciais, << O Fundo do Mar >> (The Deep, 77), realizado exclusivamente devido ao sucesso de << Tubarão >>, do mesmo autor, Peter Bentley, > representa uma obra bem mais pessoal : a fotografia de Mathew Leonetti valoriza os exteriores e a trilha sonora de Patrick Willians faz uma excelente montagem de temas clássicos, além de alguns solos operísticos (cantadas por Val Stuart). Outro desafio em termo de público é a apresentação de um elenco totalmente novo: Dennis Christopher, o intérprete de Dave, apareceu num pequeno papel no excelente << Cerimônia de Casamento >> (A Wedding, 78, de Robert Altman) e, já com mais destaque, em dois outros filmes, ainda inéditos no Brasil (<< The Number >>, de John Hancock e << Good Time/Bad Times >>, de James Kirkwood). Anteriormente havia feito simples figuração em filmes rodados na Itália (<< Fellini`s Roma >> e << Salome >>) e em Los Angeles (<< 3 Mulheres >>, de Altman e << 9/8/55 >>, a cinebiografia de James Dean, pronta há 4 anos até agora inédita no Brasil). Sua presença forte e marcante neste << O Vencedor >> o inclui ao lado de Richard Gere (no Brasil, para promover a estréia de << American Gigolo >>, próximo lançamento da CIC), como uma das << New faces >> com condições de se destacar nesta década. << Breaking Away >> poderia ter estreado com excelente faturamento. Bastaria a Fama Filmes ter organizado, em conjunto com a Federação Paranaense de Ciclismo, uma pré-estréia, com um coquetel que a Martini teria obrigação de financiar. E como o prefeito Jaime Lerner é um adepto do ciclismo - Haja vista a construção de extensas ciclovias na cidade - por certo estaria presente também. E mesmo que muitos não gostassem do filme, talvez os produtos da Martini, servidos na ocasião, ficassem melhor do que a simples propaganda na tela. E a Monark poderia sortear uma bicicleta.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
1
19/06/1980

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