Um comercial de longa-metragem
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 19 de junho de 1980
No momento em que os autores de telenovelas hoje os intelectuais mais bem pagos do Brasil são acusados de transformar os personagens em garotos-propaganda, a serviço dos departamento de merchandissing das redes nacionais de televisão são, um filme como << O Vencedor >> (Cine Rivoli, 4 sessões) coloca a questão: e o cinema? Até onde é justo utilizar um longa-metragem para a << venda >> de produtos comerciais?
Independente dos méritos artísticos que valeram a << Breaking Away >> indicações a várias categorias de Oscar, a visão desta produção da 20th Century Foz parece um logo comercial de vários produtos. Em primeiro lugar do ciclismo, o que não de ter significado quando a crise do petróleo e a inflação levam o litro da gasolina a Cr$ 35.00 ( e a << promessa> de Delfim Neto em chegar aos Cr$60,00 em breve(, que além de ser uma opção de transportes tem méritos esportivos e mesmo por saúde. Depois, vem a Cinzano, deslavadamente promovida no filme, em suas cores vermelho e azul, marcas e logotipos, de tal forma que parece que a fábrica italiana financiou o filme. Mas outros produtos entram também no merchandissing - cigarros, Coca-Cola, bancos, etc., incluídos na << T-Shirts >>, as camisas usadas pelos atletas, transformadas em out-doors volantes. A impressão que se tem é de que apesar de ter realizado um dos maiores sucessos de bilheteria dos anos 60 (<< Bullit >> 68), o inglês Peter Yates não encontrou produtos suficientes crédulos em seu talento e para produzir e dirigir este filme, teve que buscar as agências de propaganda que controlam gordas contas da Cinzano e outros produtos. É verdade que a marca da bicicleta utilizada por Dave (Denis Chrustopher) não chegar a ser identificada, mas neste pode ter havido um << pool >> de fabricantes, para promover o produto em si, e não uma determinada marca.
Era comum, até há alguns anos, os filmes brasileiros trazerem ao final uma lista enorme de firmas, entidades e pessoas que colaboraram na produção. Hoje, vemos que o poderoso cinema americano usa uma forma mais audaciosa: a mensagem publicitária clara nos objetos, bebidas. Produtos, etc, utilizados pelos personagens. E no final de << O Vencedor >> , há ainda um agradecimento a Universidade de Indiana e a comunidade de Bloomington, onde o filme foi rodado enquanto a trilha sonora adaptada por Patrick Willians termina com o ufanista hino daquela instituição universitária.
Mas independente do merchandissing comercial. << O Vencedor >> é um filme de méritos. Sua visão paralela ao terno << Um Pequeno Romance >> (Cinema 1, 3.ª semana), parece indicar que ao lado da valorização da mulher como personagem (especialmente a partir de 1976), os conflitos conjugais (78 em diante) e o esporte no cinema (inúmeros filmes nos últimos 4 anos) uma tendência à pureza, juventude e mesmo ingenuidade parece contrabalançar a tanto sexo, violência & sangue dos anos 60 e mesmo parte da década passada. A censura livre de << Um Pequeno Romance >> e, especialmente este << O Vencedor >> é importante: filmes sobre jovens, seus problemas, tratados de uma forma honesta e simples. Não a angústia existencial, a delinqüência, o choque entre gerações embora não deixe de existir, em alguns momentos embora não deixe de existir, em alguns momentos, referências a tais problemas. Mas, antes de tudo, uma, visão romântica, de jovens capazes de se satisfazerem com um simples beijo, como Lauren (Diane Lane) e Daniel Michon (Thlonius Bernard) em << Um Pequeno Romance >> ou Dave Katherine (Robyn Douglas) em << Breaking away >>.
Em alguns momentos, a inquietação de quatro jovens de uma cidade provinciana do interior dos EUA - Dave, Mike (Denis Quaid), Cyril (Daniel Stern) e Moochner (Jackie Earle Haley), aos 19 anos, << gazeteiros >> das aulas, numa disponibilidade tão cara à adolescência, pode lembrar, de leve, aos inesquecíveis personagens de << Os Boas Vidas >> (I Vitoloni, 53, de Frederico Fellini). Mas na visão é tipicamente do << american way of life >> o << campus >> universitário, com suas comunidades, a rivalidade entre grupos, as competições esportivas. Esta << regionalização >> talvez faça com que << Breaking Away >> não alcance, no Brasil, o mesmo sucesso que aconteceu nos Estados Unidos. Inúmeros filmes que estouraram nas bilheterias nos EUA e Canadá, abordando temas jovens ou esportes pouco defundidos no Brasil, não chegam a entusiasmar a nossa platéia. Os conflitos de Dave, um jovem que deseja viver, falar e agir como italiano e que gasta suas energias pedalando pelas ruas e rodovias de sua cidade, pode ter uma empatia com maior adolescentes de vários países. A terna oposição (preocupação) do pai (Paul ooley), a compreensão da mãe (Barbara Barrie)., são pontos bem desenvolvidos pelo roteiro de Steve Tesich. E também o entusiasmo do pai, ao final, ao ponto de aderir à bicicleta. Mas é necessário << sentir >> o filme em seu universo para entender este trabalho de Yates, que aos 51 anos, 16 na direção de longa-metragens, tem freqüentado os mais diversos gêneros - polocoal, terror, guerra, comédia, além de ter a seu crédito um dos mais ternos filmes sobre o relacionamento de suas pessoas solitárias na metrópole novaiorquina (<< João e Mary >>, 69. Seu último longa-metragem havia sido uma superprodução das mais comerciais, << O Fundo do Mar >> (The Deep, 77), realizado exclusivamente devido ao sucesso de << Tubarão >>, do mesmo autor, Peter Bentley, > representa uma obra bem mais pessoal : a fotografia de Mathew Leonetti valoriza os exteriores e a trilha sonora de Patrick Willians faz uma excelente montagem de temas clássicos, além de alguns solos operísticos (cantadas por Val Stuart). Outro desafio em termo de público é a apresentação de um elenco totalmente novo: Dennis Christopher, o intérprete de Dave, apareceu num pequeno papel no excelente << Cerimônia de Casamento >> (A Wedding, 78, de Robert Altman) e, já com mais destaque, em dois outros filmes, ainda inéditos no Brasil (<< The Number >>, de John Hancock e << Good Time/Bad Times >>, de James Kirkwood). Anteriormente havia feito simples figuração em filmes rodados na Itália (<< Fellini`s Roma >> e << Salome >>) e em Los Angeles (<< 3 Mulheres >>, de Altman e << 9/8/55 >>, a cinebiografia de James Dean, pronta há 4 anos até agora inédita no Brasil). Sua presença forte e marcante neste << O Vencedor >> o inclui ao lado de Richard Gere (no Brasil, para promover a estréia de << American Gigolo >>, próximo lançamento da CIC), como uma das << New faces >> com condições de se destacar nesta década.
<< Breaking Away >> poderia ter estreado com excelente faturamento. Bastaria a Fama Filmes ter organizado, em conjunto com a Federação Paranaense de Ciclismo, uma pré-estréia, com um coquetel que a Martini teria obrigação de financiar. E como o prefeito Jaime Lerner é um adepto do ciclismo - Haja vista a construção de extensas ciclovias na cidade - por certo estaria presente também. E mesmo que muitos não gostassem do filme, talvez os produtos da Martini, servidos na ocasião, ficassem melhor do que a simples propaganda na tela. E a Monark poderia sortear uma bicicleta.
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