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Aramis

Um panorama brasileiro em curtas e médias-metragens

Gramado Há dois anos, Esdras Rubin, 48 anos, presidente da comissão organizadora do Festival, anunciava aos jornalistas que era pensamento da comissão organizadora eliminar, a partir de 1990, a categoria de 16 milímetros. Assim como o Super-8, praticamente estava desaparecendo - (mas mantido ainda em sua competição paralela neste Festival) - acreditavam os dirigentes que o 16mm também não teria mais produção regular que justificasse a realização de mostras competitivas paralelas. A extinção da Embrafilme/Fundação do Cinema Brasileiro, o fim de qualquer projeto da iniciativa privada em favorecer o nosso cinema, provocou que o 16mm fosse a única opção para muitos realizadores ainda tentarem colocar em imagens os seus projetos. A Kodak do Brasil - que sempre comparece nos festivais, num bom trabalho de marketing - vem investindo no fortalecimento desta bitola, oferecendo prêmios (em filmes virgens), depois que o projeto de enviar, anualmente, aos Estados Unidos, o melhor diretor de fotografia de Gramado foi desativado devido a dificuldades burocráticas. Frente a esta nova realidade, Gramado reconsiderou o projeto: não só manteve o 16mm como ampliou a participação para os médias-metragens, formato que embora com obras interessantíssimas tem a mais difícil das veiculações nos circuitos. Assim, este ano, sete curtas e três médias aqui disputaram os Kikitos, numa opção de temática, estilos e formas que provocaram tantas discussões entre os sete integrantes da comissão julgadora como os 10 concorrentes em 35mm e o único média em 35mm - "Isto é Noel" de Rogério Sganzerla. Até mesmo super-8 - bitola superada pela portabilidade, economia e mediatez de visão das imagens que a era do vídeo trouxe - ainda deu seus últimos mugidos numa mostra paralela, no Centro Cultural. Painel verde-amarelo Quem acompanhou as sessões no auditório Lupiscínio Rodrigues, às 17h - após os debates dos filmes em disputa, pode sentir um panorama do que se fez nos últimos dois anos na área do 16mm - acrescentando-se aos primos ricos, em 35mm, vistos nas sessões noturnas, complementando todo um painel verde-amarelo. Assim, cinco propostas que podem, flexivelmente, serem classificadas como documentários, aqui estiveram: "O Vôo Solitário" (Der Einsame Flug), que o jornalista Everson Faganello, 31 anos, de Florianópolis, rodou com diálogos em alemão porque o seu personagem focalizado, o entomologista Friz Plautmann, 89 anos, não fala um português compreensível. Utilizando cenas de arquivo - imagens de Blumenau e Joinville feitas pelo pioneiro cinegrafista catarinense Giuseppe Julianelli e cenas de índios caigangues de Wladimir Kozak, Faganello, infelizmente, perde-se em sua narrativa. A trilha sonora é da paulista Priscilla Ermel, uma das poucas pesquisadoras da música indígena, dois LPs gravados e que lançará pelo estúdio Eldorado a trilha que fez para este média-metragem. Outra produção catarinense foi "Farra do Boi - O Documentário", de José Henrique Nunes Pires e Norberto Depizollatti, com fotografia do curitibano Cido Marques (que já havia operado a câmera no curta anterior da dupla, "manhã", apresentado em Brasília-90). Fazendo um histórico das origens da farra do boi - polêmica manifestação cultural do Litoral catarinense, traz depoimentos contrários e a favor e cenas da festa em Ganchos, no ano passado. Sandra Werneck, 40 anos, cineasta da maior consistência, concorreu com seu fortíssimo "A Guerra dos Meninos", que por sua importância mereceria comentários à parte. Os outros documentários foram "Bastidores" - em que a atriz (e agora curta-metragista) Carla Camurati flagrou o incrível trabalho de troca de figurinos dos atores Ney Latorraca e Marco Nanini nos bastidores da peça de maior sucesso dos últimos 4 anos, "O Mistério de Irma Vap": a visão biográfica do pintor William Michaud (1829-1902) que viveu no Litoral paranaense em meio à Mata Atlântica, realizado pelo paulista Roberto C. Ávila e o belo "Independência", que com patrocínio do Banco Itaú (para uma série institucional) João Batista de Andrade ("O País dos Tenentes"), fez sobre a produção artística de pintores que estiveram no Brasil com expedições científicas e de artistas que participaram da Missão Francesa. Um filme com belíssima fotografia de Francisco Botelho, música original de Hermelino Lader e que, em 17 minutos, se constitui numa obra didática merecedora de ser levado a escolas, museus etc. Aliás, este filme faz parte de um projeto cultural do Banco Itaú destinado a possibilitar que aspectos da cultura brasileira sejam divulgados em curtas-metragens. Visão urbana Seis filmes trazidos a Gramado mostram aspectos urbanos vistos com olhares diferentes. Um dos mais criativos curta-metragistas brasileiros, Antônio Santos Cecílio Neto, 37 anos, com "Wholes" (uma palavra que inventou, a partir de "hole" buraco em inglês) arrancou aplausos por sua visão bem humorada, criativa - mas também social da São Paulo esburacada na administração Erundina. Outro paulista, Bruno de André, 36 anos, jornalista da "Veja", em "Aventura, Amor e Transporte Público" fez num filme curto e rápido a história de amor de uma cidade grande, da visão do transporte coletivo. Narrado como uma pequena crônica suavemente cômica, suas imagens (fotografadas por Carlos Reichenbach, com assistência da curitibana Heloísa Passos) e seu ritmo foram despertados por uma música, principal som do filme: "A Cavalgada das Valquírias", de Richard Wagner. Aliás, as imagens duram o tempo exato da composição de Wagner - cinco minutos e trinta segundos. De São Paulo, a já consagrada (e premiada em Brasília) produtora Anhangabaú, trouxe três curtas que também retratam o universo urbano da megalópolis. O delicioso "Viver a Vida", uma espécie de mini "Faça a Coisa Certa", que valeu a Tata Amaral o prêmio de melhor direção em Brasília; o esfuziante "Moleque de Rua - O Nobre Pacto" em que Márcio Ferrari faz um musical-documentário sobre a banda Moleque de Rua que há 18 anos tem as ruas de São Paulo como seu habitat natural, e o excelente "Rota ABC", de Francisco Cezar Filho - exibido ontem à noite, hors concours, antecedendo a "O Corpo" de José Antônio Garcia, - ambos premiados como os melhores filmes (curta e longa) em Brasília, há exatamente um mês. Geléia Geral Ficção, experimentalismo e animação completaram o panorama dos curtas: "Os Desertos Dias", do catarinense (de Caçador) Fernando Severo, radicado em Curitiba - com a belíssima fotografia de Flávio Ferreira (Ilha do Mel, Morretes e Antonina) ganhou elogios de alguns jornalistas - e já tem um convite para participar de uma mostra de curtas a ser realizada em Bolonha, dentro de alguns meses. Severo - aqui presente ao lado e seu produtor Rubens Genaro e fotógrafo Ferreira - afinal sorriu, já que estava meio irritado pelas críticas rigorosas publicadas no "O Estado de São Paulo" na quarta-feira. Dois filmes de animação: "Projeto Pulex" do curitibano (radicado em Porto Alegre) Tadao Miaqui (que vai agora estagiar no Japão) - que já tem o Prêmio Especial do Júri, em Brasília - e "Leonora Down", de Flávia Alfinito, Fernando Costa e Christiano Metri - desenvolvido com massinha de modelar e que conta as angústias de uma "mulherzinha" quase à beira de um ataque de nervos. O mais hermético e confuso dos curtas em competição foi "3x4", do paulista Augusto Fragelli - que pretendeu em 13 minutos fazer um thrilling político ao estilo de Costa-Gavras e se deu mal. Por último, os curtas "O Caminho da Salvação" de Farid José Tavares e "Eros", de Rosano Svartman e Eduardo Vaisman, apresentados sexta-feira, no encerramento da mostra competitiva e que ficam para registro posterior. Notas Por três anos a Kodak manteve o Prêmio Edgar Brasil, proporcionando a profissionais fazerem estágios em fotografia nos seus estúdios americanos. Infelizmente, por razões burocráticas, esta promoção foi extinta. xxx O Júri que analisou os curtas e médias-metragens (16/35mm) foi formado pelos cineastas Beto Brant (SP, "Dov é Menegheti") e Sérgio Silva (premiado em Gramado 91 com "Festa de Casamento"); jornalistas Roberto Moura (RJ, produtor da TV Educativa) e este repórter; atriz Giovanna Gold; Nidia Guimarães, assessora cultural da Prefeitura de Canela e Fatimarlei Lundardelli, jornalista, mestrada em cinema na USP. xxx Em duas sessões, concorreram os filmes em super-8 que ainda "Sobreviveram" ao final desta bitola, entre os quais "Era uma vez uma Época" de Sérgio Concílio e Vera Senine (SP); "Calibre 38", de Rogério Prado e Ana Maria Guriglia (SP) e "Viva Brasil" (Tempos Coloridos), de Ana Maria Guriglia (SP). xxx Ainda na categoria documentário, concorreram os médias "Isto é Noel", sobre Noel Rosa, direção de Sganzerla e "Nosso Amigo Radamés Gnatalli" de Aloísio Didier e Moisés Kendler, sobre os quais já fizemos várias referências em colunas anteriores. LEGENDA FOTO 1 - Misturando ficção e realidade, "Isto é Noel Rosa" tem o ator João Braga como intérprete do Poeta da Vila. O média metragem foi realizado por Rogério Sganzerla e fotografia de Dib Lufti. LEGENDA FOTO 2 - Interpretando o poeta Jorge de Lima, Fagner faz sua estréia como ator em "Santa Dica" (foto Rubens Rebouças) LEGENDA FOTO 3 - "Leonora Down", filme de animação realizado por Flávia Alfinito, Fernando Coster e Christiano Metri.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
11/08/1991

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