Uma peça que vale o "Preço" do ingresso
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 01 de setembro de 1989
Para quem gosta de Teatro com "T" maiúsculo e quer, realmente, aplicar bem o custo de um ingresso, a melhor opção é assistir, a partir de terça-feira, "O Preço", de Arthur Miller. Afinal, esta produção que comemorou no ano passado seus 20 anos de estréia nos palcos nova-iorquinos (e poucos meses depois, no Brasil, com o mesmo Paulo Gracindo a frente do elenco), é o exemplo maior do que se espera de uma peça magnífica.
Com apenas quatro personagens e um único cenário, Miller construiu uma peça definitiva em que discute valores da vida e da sociedade - não apenas americana, mas mundial. Uma direção competente de Bibi Ferreira, elenco de primeira linha - Gracindo, Carlos Zara, Rogério Froés, e, em participação especial, Eva Wilma - fazem com que o espectador veja "O Preço" com emoção, tocado pela profundidade de um texto admiravelmente bem saturado. Uma prova de que o bom teatro não precisa de elencos imensos, cenários e guarda-roupas suntuosos - mas deve, isto sim, passar o sentimento, a emoção e, principalmente, a verdade - que, tantas vezes, se perdem nas (boas) intenções mas que não se realizam no palco.
Yan Michalski, respeitado crítico comentando esta nova montagem de "O Preço", escreveu: "Hoje em dia, 20 anos na vida de uma peça de teatro correspondem, quase sempre, a uma velhice, e uma velhice ainda sem direito a uma segunda juventude: é muito difícil um texto escrito nos anos 60 nos parecer hoje verdadeiramente atual, enquanto, com muita freqüência, nos surpreendemos com a sensação de novidade e vigor que nos transmitem encenações e textos escritos em 500 a.C. (os clássicos gregos) ou no século XVII (Shakespeare, Moliére) ou por volta de 1900 (Theckhov, Ibsen).
"O Preço" não foge literalmente a esta regra: vários aspectos da sua forma e do seu conteúdo revelam rugas até mesmo prematuras. E no entanto, o enlouquecido panorama dos usos e (maus) costumes do Brasil de hoje encarrega-se paradoxalmente de injetar nas suas veias um inesperado soro de juventude. O que talvez explique a impressionante força de sua comunicação com o público que caracterizou a temporada carioca: e olhem que não se tem notícia de que em qualquer outro lugar do mundo, "O Preço" tenha alcançado, nos últimos anos, uma repercussão semelhante junto à platéia.
Em sua análise lúcida sobre a peça de Miller, Michalski lembra que a mesma é uma discussão sobre uma crise de valores. Antes do seu reencontro para a venda dos cacarecos que sobraram da antiga opulência da família, os irmãos Walter (Carlos Zara) e Victor Franz (Rogério Froés), estavam separados há muito tempo. A separação resultou de um dramático vazio de valores dentro do grupo familiar, que levou os irmãos a opções existenciais diametralmente opostas, mas ambas igualmente ocas e ilusórias. Walter torna-se um cirurgião rico e prestigiado. Victor sacrificou todas as suas ambições pessoais para que o seu irmão pudesse subir na vida. E no momento em que o velho Salomon (Gracindo) chega para comprar os cacarecos da família, os sentimentos explodem - com cobranças de parte a parte. Um argumento simples (plagiado há algum tempo na peça espanhola "Vamos Desmontar a Casa", que Maria Della Costa trouxe ao mesmo auditório), ganhou, entretanto, uma grande dimensão graças ao gênio de Miller, a montagem segura de Bibi Ferreira e um esplêndido elenco. Tudo isto faz com que "O Preço" seja daqueles espetáculos que merecem ser vistos. Por quem gosta do teatro com "T" maiúsculo.
LEGENDA FOTO - Paulo Gracindo e Eva Wilma em "O Preço": uma magnífica peça que vale o que custa o ingresso (estréia terça-feira, Auditório Salvador de Ferrante).
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