O bom teatro com Maria e o negro que vem de Praga
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 27 de junho de 1989
Sandro Polônio tinha razão de estar irritado no último fim de semana. Enquanto a comédia besteirol "As Sereias da Zona Sul", de Vicente Pereira e Miguel Falabella, conseguia bom público no Auditório Bento Munhoz da Rocha Neto, eram poucos os espectadores para "Temos que Desfazer a Casa", de Sebastian Junyent, que Maria Della Costa e Maria Castelli apresentavam no Auditório Salvador de Ferrante.
Sandro e Maria Della Costa já perderam a conta do número de vezes que estiveram em Curitiba.
- "Há 40 anos que nunca deixamos de trazer nossos espetáculos a esta cidade, mesmo quando nem existia o Teatro Guaíra. Portanto, é lamentável que, nestas alturas, percamos para uma comédia besteirol".
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Vindo de uma boa temporada no Sul, Sandro e Maria não esperavam encontrar uma temporada tão fraca. Além da concorrência do besteirol de Miguel Falabella e Guilherme Karam, o péssimo tempo nos últimos dias contribuiu para as casas semivazias. E quem perdeu foi o público. Maria se encantou com o texto de Sebastian Junyent, 41 anos, autor espanhol até agora desconhecido no Brasil, ao assistir a uma encenação desta peça em Buenos Aires. Conseguiu seus direitos, procurou um jovem diretor - Marco Aurélio, e numa produção despojada, com apenas duas atrizes - ela e Maria Castelli (veterana, mas mais conhecida por suas atuações em telenovelas em São Paulo) conseguiu encenar um espetáculo harmonioso, que permite várias leituras.
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De princípio, há pontos que lembram "O Preço" de Arthur Miller (que terá no final do ano uma montagem no mesmo Auditório Salvador de Ferrante). Duas irmãs - Ana (Della Costa) e Laura (Castelli), numa sala entulhada de velharias - móveis, louças, objetos diversos, roupas, etc. - discutem a partilha dos bens deixados pelos pais. Como no texto de Miller, há um conflito entre as irmãs: Ana, abandonou o lar aos 17 anos, teve várias aventuras e só agora, precisando do dinheiro da herança - a venda das jóias da mãe e do velho casarão - retornou a Madri (onde a ação se localiza). Laura, acomodada, ficou com a responsabilidade de atender a família - acompanhar as mortes do pai e da mãe, aceitar como marido "a única opção que tinha" e, acostumar-se a um mundo cinzento. Nesta leitura linear, o texto de Sebastian Junyent discute o lado do vazio existencial, da insignificância das coisas materiais e parte de uma frase de Eugene O'Neil (1888-1953) - "Depois dos quarenta anos, muitas mulheres tem deixado de viver. A vida passa ao seu lado e elas apodrecem em paz".
Entretanto, uma segunda - e mais política - leitura, pode ser vista: a de uma libertação da mulher, a repressão machista contida especialmente em dois longos monólogos, oportunidades para "over representations" das duas Marias.
Um texto simples em sua concepção - mas grande em suas intenções - numa encenação que mereceria ter encontrado melhor público. Falando sobre as personagens Ana e Laura, Junyent disse: "Não há grandes causas que desencadeiem o drama. Só há pequenas coisas. Essas malditas pequenas coisas que todos vamos amontoando em nossa memória até que nos sufoquem".
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Numa temporada de muitas (boas) atrações nos dois auditórios do Guaíra (e haja grana para acompanhar a todos os espetáculos), teremos duas produções de qualidade trazidas por Verinha Walflor. Hoje e amanhã, a sofisticação de "Teatro Negro de Praga", que mistura pantomima, balé, ópera e teatro com efeitos de luzes, máscaras, enfim, muitos efeitos especiais (sessões às 21 horas, ingressos entre NCz$ 25,00 e NCz$ 10,00). A temporada brasileira deste caríssimo espetáculo tem patrocínio da White Martins e a organização é da Dell'Arte, que mesmo com o dólar ultrapassando os NCz$ 3,00, não deixa de empresar grandes produções internacionais - como este Teatro Negro de Praga, criado há 28 anos e que se constitui, no mínimo, num espetáculo diferente e original.
Já nos dias 20 de junho, 1º e 2 de julho, uma peça introspectiva, infelizmente programada para o imenso Guairão: "Louco de Paixão", de Sam Shepard, direção de Hector Babenco, com Edson Celulari, Xuxa Lopes, Linneu Dias e Otávio Muller.
LEGENDA FOTO - Um espetáculo com multiatrações, hoje e amanhã no Teatro Guaíra: Teatro Negro de Praga.
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