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Aramis

A vida e a morte no olhar da infância e da velhice

Por uma destas incríveis coincidências, o lançamento cinematográfico que comercialmente mais funcionou na semana - "Meu Primeiro Amor" (cine Plaza, segunda semana já garantida) parece ser uma espécie de introdução a outra comédia (nem tanto) que, ironicamente, foi o maior fracasso da mesma semana ("Mamãe não quer que eu Case", cine Bristol, hoje último dia de exibição). Ambas são produções sem maiores intenções mas que, pretendendo fazer o público (so)rir acabam tocando em assuntos sérios - o que as poderia até aproximar ao vigoroso, denso e angustiante "Unidos pelo Sangue" (The Indian Runner), de Sean Penn (cine Ritz, também hoje em suas últimas sessões). Catipultuado [catapultado] pelo carisma que o garotinho Macaulay Culkin obteve em "Esqueceram de Mim" (2ª melhor bilheteria em Curitiba em 1991, com 235.252 espectadores, agora disponível em vídeo), "Meu Primeiro Amor" é daquelas produções que buscam os sentimentos familiares, do ponto de vista infantil, com ternura e humor traquinos. Entretanto, ao contrário de "Home Alone" (esqueceram de Mim) de Chris Columbus, o roteirista Laurice Elewany não pretendeu ficar apenas no superficial - na comédia pela comédia, explorando a empatia que Macaulay Culkin provoca junto a milhões de espectadores (o que o transformou num precoce superstar, com cotação que já ultrapassou os US$ 3 milhões por novo filme). Ao contrário, interpretando um personagem que apesar de fundamental dentro do roteiro, o garoto Thomas J., 12 anos, exemplo de filho obediente, mas solitário, o espaço é aberto para uma nova atriz, a garota Anna Chlumsky - que como a menina Vada Saltenfuss ganha a condição de estrelato. A relação entre duas crianças de comportamento especial - ela, filha de um agente funerário (Dan Aykroyd), viúvo, que aos 11 anos, vivendo numa casa-funerária, em companhia do pai e de uma avó artereosclerosada, acostuma-se a todo um clima de doenças e mortes - a leva a ter compulsão hipocondríaca. Para deixar este ambiente funesto há apenas a amizade com um coleguinha, Thomas J. (Macaulay Culkin), que a ama platonicamente - enquanto ela, infantilmente, se apaixona por um professor de literatura (Griffin Dunne), o ator revelado por Martin Scorcese em "Depois das Horas" com quem deseja desenvolver seu lado de escritora. Uma segunda abertura para a vida surge quando uma ex-manicure, Shelley De Voto (Jamie Lee Curtis) aceita trabalhar como maquiladora de cadáveres - e estabelece um relacionamento afetivo com seu pai, tirando-o da solidão auto-imposta desde a morte da mulher, quando do parto de Vada. Enciumada a princípio pela presença de Shirley, Vada acaba a encontrando com uma amiga-mãe que não possuía - num estreitamento de relações que solidifica quando tem que enfrentar a primeira tragédia de sua vida: a perda de um ser amado. Ao final, há uma visão otimista, de que a vida continua e que as perdas têm que ser aceitas normalmente. xxx Da pequena cidade interiorana em que se passa a ação de "My Girl", há como um salto no tempo e para a grande cidade - no caso Chicago, em "Mamãe não quer que eu Case". Agora, é como se a pequena Vada, 10 anos depois, trabalhando já então como maquiadora com um policial solteirão, 38 anos (John Candy), que vive com a Mãe dominadora (Maureen O'Hara, 72 anos), irlandesa (como é de nascimento e personagem que se caracterizou em filmes de John Ford) e que tiraniza a vida de seu filho. Como o personagem de "O Preço" (de Arthur Miller) que entrou na polícia para manter a família após a morte do pai garantindo os estudos de direito do irmão mais jovem, o gordo e simpático personagem vivido por John Candy, acomodou-se a uma existência cinzenta: o trabalho de recolher cadáveres ou criminosos, dirigindo um camburão, ao lado do companheiro (interpretado por James Belushi), o bingo às quartas-feiras com a mãe e dois velhos solteirões e uma existência solitária. Entretanto, o conhecimento com a italiana Maria (Ally Sheedy), uma jovem tímida, triste, - e que passa todo o tempo preparando os cadáveres com feições de astros hollywoodianos, decalcados de imagens congelados do vídeo, transforma seus sentimentos. Mesmo enfrentando a oposição materna - com toda ira de velha irlandesa traduzida num racismo tanto contra italianos como os poloneses - e mesmo o egoísmo do irmão mais moço, decide casar-se com a jovem por quem se apaixonou - e é correspondido. Um casamento, entretanto, que sofre revezes, idas e voltas, alongamento as vezes mais do que o necessário o roteiro deste filme em que o diretor Chris Columbus procurou mesclar de forma suave uma temática que facilmente cairia do dramalhão dos mais pesados. Certamente a presença firme do co-produtor John Hoghes - já definido como o Spielberg da comédia sobre jovens - buscou aliviar a mão, o que, coincidentemente, faz com que "Only The Lonely" (o título original, dos mais belos por sinal - lembra um dos melhores álbuns de Frank Sinatra) ser, a exemplo de "My Girl" (Meu Primeiro Amor") de Howard Zieff - daqueles filmes que ficam no purgatório das boas intenções: o tratamento em ritmo de comédia de assuntos sérios. A tirania de mães solitárias que acabam martirizando a vida dos filhos já resultou em belíssimos filmes, muitos deles em tratamentos dramáticos - e neste "Mamãe não quer que eu Case" a situação soa, muitas vezes, até como uma certa falsidade. Se em "Meu Primeiro Amor", a tragédia (a morte do garoto picado pelas abelhas) decepciona a faixa de público que busca apenas o entretenimento com o clássico happy end, neste "Only the Lonely" a solidão dos personagens centrais - incluindo a do velho vizinho grego, Nick (Anthony Quinn, 77 anos), apaixonado pela velha irlandesa (Maureen O'Hara) não atinge o público na proporção esperada. A trilha sonora, assinada por Maurice Jarre, está longe de aproveitar o clima romântico que o roteiro ofereceria - apesar da citação de alguns standards facilmente reconhecíveis. Independente porém destas apreciações, tanto "Meu Primeiro Amor" como "Mamãe não quer que eu Case" - colocam as questões da vida e a morte - através dos olhares infantis, da meia idade e da velhice. O que, afinal, é uma empatia universal - e uma realidade da qual ninguém escapa.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
20/02/1992

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