Amor e sorrisos numa comédia sofisticada
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 17 de outubro de 1989
Existem filmes-reflexões assim como os filmes-utilidade pública. Mas há também os filmes-entretenimento realizados com dignidade e que cumprem uma das funções do cinema: a diversão. "Ensina-me a Querer" (cine Palace-Itália, hoje último dia em exibição) é um exemplo nesta última categoria.
De princípio, poderia-se classificar o diretor-roteirista Jerry Belson como um discípulo de Black Edwards. Como o realizador de "Mulher Nota 10", este novo cineasta - até agora desconhecido entre nós - cpnsegue desenvolver um tema simples, já utilizado dezenas de vezes, numa comédia das mais agradáveis: Sean Stein (Michael Caine), um bem sucedido escritor, tem azar com as mulheres que ao cabo de alguns anos de convivência acabam levando-o ao tribunal e obrigando-o a lhes pagar gordíssimas pensões. Está disposto a deixar Los Angeles, sua Hollywwodiana mansão em Beverly Hills para ir viver no Kuwait, "onde as mulheres não tem direitos e são açoitadas". Mas o seu advogado, Jay (Jackie Cooper) e convence a ir a uma festa beneficente num museu de aeronáutica interrompida por assaltantes que deixam os convidados nus, amarrados uns aos outros. E a companhia que lhe cabe na incômoda situação é a bela, tímida e insegura Daisy (Sally Field), uma artista plástica que sobrevive fazendo telas em linha de produção enquanto sonha em encontrar um marido "antes dos 41". O resultado é óbvio: Sean apaixona-se por Daisy que também o corresponde, já que seu último amante, o advogado Mary (Steve Guttenberg) partiu sem deixar notícias.
Antes, porém, de um novo envolvimento oficial - e que lhe pode custar mais alguns milhões de dólares - Sean decide testar os sentimentos de Daisy, passando-se por um escritor duro, sem sucesso - e aceitando viver às suas custas.
Numa linguagem frenética, intensa, com gags das mais felizes, Jerry Belson construiu uma comédia de categoria, sofisticada em seus ambientes como o mestre Black Edwards sempre soube fazer.
Sally Field, uma das mais talentosas atrizes americanas da nova geração - geralmente associada a interpretações de mulheres fortes e sofredoras ("Um Lugar no Coração", "Norma Rae", que lhe valeram inclusive Oscars) é uma esplêndida presença como comediante. Cabelos pretos, com a sensualidade de the girl of the next door - conforme a receita sexy que Hugh Heffner soube implantar na filosofia da revista Playboy, compõe uma enternecedora Daisy: ingênua até certo ponto, apaixonada e dedicada, mas também como uma pitada de malandragem - para dividir sua cama entre Marty - que a deseja mas não deseja o casamento - e Sean, que sonha em lhe fazer sua esposa, mas antes quer "testar os autênticos sentimentos", com medo de cair em outra esparrela.
Já a disposição em vídeo, "Ensina-me a Querer" (Surrender) é uma comédia que envolve o espectador desde a primeira seqüência, com ação primorosa, fazendo deslizar os acontecimentos que se sucedem - e tendo o ritmo sofisticado com que Black Edwards soube marcar suas melhores comédias a partir de 1954 ("Sorria para a Vida") e que o fez sempre um diretor de mão suave e bem humorada, atingindo seus pontos máximos em "Bonequinha de Luxo" e a série musical perfeita com Henry Mancini, Jerry Belson e indo buscar em Michel Colombier o compositor seguro para costurar uma trilha suave, valorizando inclusive canções incidentais - como clássico "It Entered My Mind" (Rodgers/Hammerstein), que marca uma das cenas de amor entre Daisy/Sean. Requintada em sua produção, com aproveitamento dos espaços naturais de Los Angeles. "Ensina-me a Querer" é uma comédia agradável, que poderia também emplacar uma segunda semana de sucesso se o exibidor [...] Sérgio Rezende, para estrear amanhã em sua sala curitibana.
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