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Aramis

As magnólias em flor no campo da amizade

Discípulo do crítico Andrew Sarris, do The Village Voice, bíblia semanal da população do Greenvich Village em Nova York, o curitibano Lelio Sottomaior Júnior, em seus telegráficos e objetivos textos cinematográficos gosta de fazer classificações originais para filmes & cineastas. Por certo, se fosse escrever sobre "Flores de Ação" (cine Lido II, 4 sessões, até amanhã), o classificaria como "um filme feminino" - assim como a superprodução que o antecipou na mesma sala, "A Caçada ao Outubro Vermelho" é um exemplo do chamado filme masculino. Afinal, são diferentes formas de se enquadrar certos gêneros. "Steel Magnolia", com uma origem autobiográfica e teatral, é voltado à sensibilidade e à emoção, especialmente da mulher, mas que não exclui o toque ao espectador masculino. Assim como "Hunt for Red October", de John McTiernan, calcado num romance de Tom Clancy - também inspirado em fatos verdadeiros - apesar de sua frieza tecnológica (com uma linguagem extremamente dirigida, tornando-o difícil para o público menos atento) nem por isto deixa de chegar a uma faixa feminina. O núcleo de "Flores de Aço" volta-se, mais uma vez, ao universo familiar, tão carinhosamente cultuado pelo cinema americano nestes últimos anos, com ênfase especial na fase pós AIDS. No fio da navalha de cair no dramalhão - quase um misto entre o eterno "Férias de Amor" (Picnic, 1956, de Joshua Logan) e "Laços de Ternura" (Terms of Endearment, 83, de James L. Brooks) - é incrível que "Flores de Aço" seja desperdiçado em seu lançamento no Brasil. A impressão que fica é de que Columbia, representando esta produção do veterano Ray Atark (através da Tri Star/Rastar) simplesmente não quis fazer deste um filme com uma renda mínima. Um elenco com seis esplêndidas atrizes - uma delas, justamente a menos conhecida. Julia Roberts, premiada com o Globo de Ouro e indicada ao Oscar por seu trabalho, uma história repleta de lances melodramáticos que não eliminam, entretanto, o humor e uma mensagem otimista, mais requintes de produção (belíssima trilha sonora de Georges Le Rue, a fotografia de John A. Alonzo capturando toda a beleza de uma típica cidade do interior) são elementos mais do que suficientes para atrair um público que garantiria ao menos duas a três semanas de exibição. Entretanto, "Flores de Aço" chegou inesperadamente no Lido II, após ter sido anunciado no Plaza e quase ter caído na desastrosa programação do circuito da Fucucu. Com isto, até ontem, o atlético Egon Prim não alimentava ilusões de que o filme pudesse reagir em termos de bilheterias - embora todos que o assistam saiam da sala fazendo a maior propaganda boca-a-boca. Roberto Harling escreveu "Steel Magnolia" como uma homenagem a sua mãe e sua irmã, Susan, diabética, que insistindo em ter um filho, acabou morrendo jovem. A peça foi um dos êxitos na temporada da Broadway há três anos e continua sendo encenada em várias partes dos Estados Unidos. Basicamente uma peça sobre seis mulheres, cuja amizade e lealdade se sustenta através dos ciclos da vida, casamento, nascimento e morte. Personalidades desiguais - mas por isto mesmo fascinantes - há o sentimento de amizade, solidariedade e a ternura que as envolve. A bela Shelby (Julia Roberts), que casando com Jackson Latcherie (Dylan McDermott), insiste em ter o filho que a levaria a uma morte precoce; a mãe, M'Lynn Eatenton (Sally Field, excelente, já tendo ganho dois Oscars por "Norma Rae" e "Um Lugar no Coração"); a abilolada mas simpática cabeleireira Truvy (Dolly Parton, cantora country e aqui em sua melhor atuação no cinema); a amargurada, esbravejante e sincera Ouiser Boudreaux (Shirley MacLaine, em mais um show de representação); Claire (Olympia Dukakis, Oscar de coadjuvante em "Feitiço da Lua"), a elegante viúva do ex-prefeito da cidade e a misteriosa Annelle (Daryl Hannah). Rodada na cidade natal do roteirista Robert Harling, Natchitoches, Louisiana, a utilização de belos exteriores, num ritmo cinematográfico, tira a claustrofobia do teatro - embora haja as inegáveis estruturas de carpintaria dramatúrgica. Herbert Ross, 63 anos, 21 de cinema, vindo do teatro - e que tem adaptado inúmeras peças à tela (entre as quais cinco textos de seu amigo Neil Simon), parece fazer uma homenagem a Joshua Logan/William Inge em "Picnic": a confraternização da cidade, o espírito de festas envolvendo a comunidade e, especialmente, a seqüência final - com a câmara aérea, acompanhando o ônibus que deixa a pequena cidade (como em "Picnic", acompanhava o trem no qual William Holden partia, seguido por Kin Novak, apaixonadíssima, no ônibus) lembrará aos espectadores mais velhos ao belíssimo "Férias de Amor" - já reprisado várias vezes na televisão e cujo lançamento em vídeo a L-Ktel/Columbia já deveria ter feito. Em 1958, John Ford rodou algumas seqüências de "Marcha de Heróis" (The Horse Soldiers) e Natchitoches, o que, por três décadas, foi fator de promoção turística da pequena cidade. No ano passado, Herbert Ross ao aceitar a sugestão de Robert Harling para usar a sua cidade natal para as filmagens, acrescentou uma empatia visual maior. Assim, "Flores de Aço" tem o encanto, sinceridade, simplicidade das pequenas comunidades - capazes de serem vistas neste lado humano, com simpatia, mas também como palco de maldades, limitações e mediocridades, como no romance de Grace Metalious ("Peyton Place") que Mark Robson caricaturaria num dos maiores sucessos da 20th Century Fox dos anos 50 ("A Caldeira do Diabo", 1957). O toque feminino em "Flores de Aço" é tão grande que os papéis masculinos são de meros figurantes, quase caricatos: Drum Eatenton (Tom Akerritt), marido de M'Lynn e pai de Shelby, e beira o ridículo, enquanto que Spud Jones (Sam Shepard, além de ator também um famoso dramaturgo e roteirista, autor do script de "Paris-Texas"), passa o tempo todo de forma indolente, como o companheiro entediado de Truvy, solar e dinâmica. O advogado Jackson Latcherie (Dylan McDermott) também não passa da composição formal. Definitivamente, Harling concebeu sua peça e assim manteve na adaptação ao cinema - do ponto de vista feminino. Em "Laços de Ternura", Aurora Greenway (Shirley MacLaine, Oscar de melhor atriz) enfrentava a morte da filha Emma (Debra Winger). Neste "Flores de Aço", é M'Lynn que vê sua bela, inteligente e amorosa filha Shelby assumir o risco de morte precoce, ao decidir ser mãe, "pois mais vale 30 minutos de felicidade do que uma vida medíocre... "A partir desta condicionante dramática, poderia-se ter apenas um dramalhão. Isto não acontece. Assim como "Terms of Endearment" foi, há 7 anos, merecidamente galardoado com o Oscar de melhor filme - e um grande sucesso de público - "Steel Magnolia" mereceria maior premiação. Só que ocorreu o contrário: obscuramente, está passando despercebido e perdendo o público que poderia atingir. Só ficará em exibição até amanhã. LEGENDA FOTO - Olympia Dukakis e Dolly Parton em "Flores de Aço", um filme sobre amizade e solidariedade das mulheres. Em exibição até amanhã no Cine Lido II.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
20/06/1990

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