Nem Cristo tentou mais o espectador
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 11 de janeiro de 1989
Polêmica não lota mais cinema. Prova disto é que apesar das milhares de centimetragens que a imprensa nacional e regional dedicou para "Última Tentação de Cristo", ameaças de protesto e explosões nos cinemas que o exibiram e as "vigílias religiosas" que as ingênuas freirinhas fizeram na galeria dos Cines Lido I/II - o filme de Martin Scorcese não foi uma atração fatal para os católicos (e não católicos). Estreou no dia 25 de novembro e ao final de uma semana, o Lido l, com seus 550 lugares, apresentava um borderô de 4.208 espectadores, que cairia para 2.650 na semana seguinte. Apesar de 3.213 espectadores terem ido na terceira semana, Paulo Fucks, o poderoso tycoon da Cinema Internacional Corporation - distribuidora do filme e dona dos cinemas - mandou que o atlético Egon Prim, gerente regional, transferisse-o para o Lido II (apenas 330 lugares) . A renda subiu para 1.972 - média que vem se mantendo e que o faz permanecer em cartaz - com um total de 17.514 espectadores em sete semanas. Número insignificante, calculando-se que seria de se esperar que pela discussão provocada em torno desta visão adulta e corajosa da vida de Cristo, ficasse entre os de maior público. Ao contrário não entrou nem mesmo entre as 20 melhores
bilheterias do ano. Imagine-se, então, quanto renderia um filme hermético, complexo e mesmo chato como "Je Vous Salue Marie!", de Jean Luc Godard, que a hipocrisia do presidente Sarney levou a proibi-lo no início da Nova República, quando o Conselho Nacional de Bispos do Brasil e outras instituições conservadoras levantaram-se contra.
O desinteresse do público por "The Last Tentation of Christ", por sinal, um belíssimo filme, 7º classificado entre os 10 melhores do ano segundo a crítica - é mais uma prova da mudança de comportamento dos espectadores. E por comodismo, muitos deixaram de vê-lo nas telas amplas esperando que chegue em vídeo - o que deve acontecer em 120 dias.
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A hipocrisia e o (falso) moralismo da classe média garantiram a "Atração Fatal" (Fatal Atraction, 87, de Adrian Lynne), a maior bilheteria do ano: 82.179 espectadores nas 6 semanas em que este filme abordando as dores de cabeça que sofre um jovem advogado (Michael Douglas) após seu envolvimento com uma executiva apaixonada (Glenn Close), foi vista como "exemplo" dos riscos da prevaricação "out of home" nestes tempos aidéticos. Lynne, ex-diretor de filmes publicitários, é um campeão de provocações (aparentemente) cine-sexuais: seu vídeo-clip de longa-metragem "9 1/2 Semanas de Amor" (9 1/2 Weeks, 1985), após ter sido um dos filmes de maior bilheteria há dois anos, foi reprisado durante 4 semanas e com 24.887 espectadores ficou em 19º lugar - acima inclusive da estréia de "Inferno Vermelho" (Red Heat), de Walter Hill - que mesmo com toda a popularidade do halterofilista (ator?) Arnold Schwarzenegger atraiu apenas 24.571 espectadores (outro filme com o mesmo astro, "O Sobrevivente", ficou melhor classificado: em 4 semanas no Cine Plaza teve um público de 31.300, 132 a mais do que "Nascido para Matar", de Stanley Kubrick, em seis semanas).
Halterofilistas-heróis faturam bem e a prova é que Sylvester Stallone continua a ser uma das maiores bilheterias internacionais: seu "Rambo III", em sete semanas, ficou em segundo lugar com 76.713 espectadores. O riso ainda leva público ao cinema: afora as três comédias dos Trapalhões e a primeira investida de Xuxa na tela larga ("Xuxa Contra o Baixo Astral", 31.714 espectadores em 5 semanas, 13ª classificada), também ficaram entre as 20 melhores bilheterias "Três Solteirões e Um Bebê" (52.101 espectadores em 5 semanas); "SOS - Tem um Louco no Espaço" (36.274 espectadores em 6 semanas) e "Feitiço da Lua", de Norman Jewison, que valeu os Oscars de melhor atriz (Cher) e coadjuvante (Olympia Dukakis) 30.008 espectadores em 5 semanas.
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Afora "Moonstruck" (Feitiço da Lua), apenas dois outros filmes promovidos pelo Oscar entraram entre as maiores bilheterias: "O Último Imperador" (The Last Emperor), de Bernardo Bertolucci - 8 Oscars e o primeiro classificado na relação dos críticos - ficou em 11º, com os 35.944 espectadores que atraiu durante 6 semanas e o "Império do Sol", de Steven Spielberg - nenhum Oscar, mas o 6º classificado entre os melhores (segundo a crítica), rendeu um pouquinho a mais: foi visto por 38.174 pessoas durante três semanas.
O toque de Midas de Spielberg continua: lançado dia 15 de dezembro (Bristol/Astor), "Uma Cilada para Roger Rabbit", misturando cinema de animação e tradição, em 25 dias já atraiu 38.513 espectadores e continua em cartaz (a partir da próxima semana, deixa o Astor e passa para o Cinema I).
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Mas não se iludam! Se há filmes que faturam suficiente para permitir que as empresas exibidoras possam sobreviver nestes tempos bicudos, mais de 70% dos filmes têm rendas pequenas. Há casos curiosos: "Padre Nuestro", Espanha, de Francisco Regueiro, selecionado para o Festival de Cannes-1985 e escolhido o melhor do festival de Montreal, no ano seguinte, com dois respeitáveis atores espanhóis, ambos famosos pelos filmes que fizeram com Luiz Buñuel - Fernando Rey e Francisco Rabal - programado para o Cinema I, nem chegou a ser projetado: apareceram apenas 2 espectadores no primeiro dia. Claro que foi substituído imediatamente. As sessões da meia-noite do Cine Groff, que são programadas aleatoriamente, com o autoritarismo cultural que "norteia" (?) a política cinematográfica da Fucucu, não tem "público fiel" como também é alardeado. Prova disto é que duas reprises ali feitas tiveram exatamente dois ("Copacabana Me Engana") e quatro (o desenho "Boi-Aruá") espectadores. Aliás, uma relação de sessões suspensas - ou público inferior a dez pessoas - ocuparia também um amplo espaço e mostra que, mais do que nunca, para os cinemas voltarem a ter filas só mesmo com estréias muito especiais, conforto (e segurança) para o público e, sobretudo, um bom trabalho de marketing.
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