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Aramis

Chineses, desenhos, italianos e até uma homenagem a Hammett

Para uma época de férias escolares - o que significa vacas magras em termos de lançamentos, com as salas ocupadas por comerciais programas destinados ao público infantil - até que a situação poderia ser pior. Felizmente há opções, para quem não esteja preso ao vídeo esquemático e que retira metade do prazer de se ver um filme em tela ampla. Duas produções italianas - já a disposição nas locadoras - mas inéditas em circuitos de 35mm - "A Estória de Pierra", de Marco Ferrari (Ritz) e "O Professor do Crime" (El Camorrista), do estreante Giuseppe Tornatorre - que representou a Itália no FestRio-86 - estão entre as atrações. Da Ilha de Formosa, uma mostra de um "novo" (sic) cinema que ali se faz - numa tentativa dos anticomunistas da China Nacionalista - provarem que seus estúdios não produzem apenas o pior da linha Kung Fu. São 8 filmes, com legendas em espanhol, que estão sendo exibidos (em apenas 3 sessões diárias) no Groff. Na área dos desenhos animados, duas superproduções separadas por um hiato de 33 anos: em reprise (Bristol, 14, 16 e 18 horas), "A Dama e o Vagabundo", que o próprio Walt Disney (1901-1966) supervisionou em 1955, enquanto que no Lido II, uma nova grande experiência de um ex-desenhista dos estúdios Disney, Don Bluth (o mesmo de "A Ratinha Valente" e "Fievel, um Conto Americano"), com o toque de produção de Steven Spielberg: "Em Busca do Vale Encantado" (The Land Before Time). Evidentemente, que o cinema de animação também evoluiu bastante em três décadas - e entre os recursos que os estúdios Disney contavam em 1955 a toda a parafernália eletrônica de nossos dias, houve pelo menos uma alteração no ritmo de trabalho. Mas será interessante que o próprio público - alvo principal - as crianças - julguem as diferenças nestas produções. A reprise (Cine Guarani, Portão) de "Uma Cilada para Roger Rabbit" - que representou a soma dos impérios de Disney e Spielberg, para a mais avançada experiência de unir o cinema de animação com o trabalho de atores/atrizes (Bob Hopkins, Christopher Lloyd, Stubby Kaye, Joanna Cassidy), com direção de Robert Zemeckis e Richard Williams (animação) complementa a opção de se ter uma tríplice visão do cinema de animação. Justamente uma das maiores bilheterias mundiais desde sua estréia nos Estados Unidos (em 24 de junho/88; no Brasil desde o mês de dezembro), "Uma Cilada para Roger Rabbit" é fascinante. Mereceu as indicações e os Oscars conquistados na área técnica e por certo ficará naquela galeria de filmes que terão sempre um público cativo - mesmo com sua exploração em vídeo. Outra realização de Spielberg, "Indiana Jones e a Última Cruzada", lançada no Brasil um mês após sua estréia em mais de 2 mil cinemas americanos, também tem todos os ingredientes para extasiar o público - dentro do grande mérito que Spielberg devolveu ao cinema: o fascínio por filmes de aventuras, a magia que os antigos seriados e fitas de ação traziam - mas com realização mais requintada possível. Não é sem razão que Spielberg, 42 anos, em apenas 20 anos de carreira a partir de seu primeiro curta-metragem ("Amblin", 1969) e o seu primeiro sucesso internacional ("Encurralado / Duel", 1971, rodado para a TV mas lançado em cinemas) fez uma fortuna tão grande que, tranqüilamente, pagou uma "indenização" de US$ 100 milhões para sua ex-esposa, a atriz Amy Irving. Coisas da magia do cinema. A comédia pastelão - Se os desenhos de Walt Disney resistem ao tempo e adquirem, muitas vezes, maior dimensão e sucessivas revisões e as produções de Steven Spielberg têm o encanto do cinema-entretenimento, há, de outro lado, as produções que comercialmente não resistirão mais do que o modismo consumista imediato. É o caso, por exemplo, da série "Loucademia de Polícia", que chega ao 6º título ("Cidade em Estado de Sítio"), lançada em março último nos EUA e agora, em dezenas de cinemas do Brasil. Dos personagens originalmente criados por Neal Israel e Pat Proft praticamente nada restou. A grosseria, apelação, a falta de imaginação aumentam cada vez mais e dos elencos anteriores também não sobrou ninguém. Produção caça-níquel, dirigida por um certo Peter Bonerz, esta "Loucademia de Polícia 6" reúne intérpretes totalmente desconhecidos (Bubba Smith, David Graf, Michael Winslow, Leslie Easterbrook, etc.). Mas para o público que garante salas lotadas, isto não faz a menor diferença. Afinal, o roteiro (?) de um certo Stephen Curwick procura situações óbvias do cinema pastelão - mas sem a criatividade que este gênero tinha nas douradas décadas de 20 e 30. Sem ofensa, o cinema comercial que o produtor Paul Maelanasky faz na série "Loucademia de Polícia" é tão medíocre quanto a linha que Renato Aragão busca em suas comédias semestrais - como na que está nas telas, em que divide as trapalhadas com a Xuxa. Só que entre o colonialismo americano e a produção nacional, a opção deve ficar pelos nossos trapalhões. Ao menos esta receita de bilheteria aqui permanece e as produções de Aragão empregam nossos técnicos e intérpretes brasileiros. Homenagem a Hammett - Antes da consagração internacional de "Paris-Texas", que lhe valeu a Palma de Ouro no Festival de Cannes-84, o alemão Wim Wenders, 44 anos, passou alguns anos em Los Angeles. Ali fez um afetuoso documentário sobre os últimos meses de vida de um de seus ídolos, o diretor Nicholas Ray (1911-1979), em "Nick's Film - Lightning Over Water" (1980, nunca exibido no Brasil), e numa tumultuada relação com o produtor Francis Ford Coppola realizaria uma obra de ficção sobre a vida de Dashiel Hammett ("Hammett - O Falcão Maltês"), que pode ser melhor reapreciada agora, em seu relançamento no Cine Luz. A produção de "Hammett" foi complicadíssima e Wenders se vingaria de Coppola, fazendo, a seguir, um filme em preto e branco, "O Estado das Coisas" (Der Stand der Dinge, ainda em 1982), rodado em Portugal, sobre as neuróticas relações entre um cineasta europeu e seu produtor americano (este filme pode ser visto em vídeo, já que não teve distribuição comercial no Brasil). Considerado um dos mais importantes escritores americanos do gênero policial, Dashiel Hammett (Maryland, 27/05/1894 - Nova Iorque, 10/01/1961) é uma personalidade fascinante: exerceu uma série de atividades antes de se tornar escritor de contos e novelas policiais, a partir de "Colheita Vermelha" (1929) e de seu clássico "O Falcão Maltês" (1930, que no cinema marcaria a estréia de John Huston na direção, em 1941). Vítima do Macarthismo, chegou a passar seis meses na prisão em 1952, e, seus últimos anos de vida foram trágicos: alcoólatra, se tornou uma pálida imagem do escritor-aventureiro que sempre o caracterizou e era até escondido por sua grande companheira, a escritora Lillian Hellman (1905-1984). De um período de sua vida, na juventude, quando trabalhou como "private eye" (detetive particular) da agência Pinkerton - experiência fundamental para o gênero literário que o consagraria - Wim Wenders desenvolveu o roteiro para "Hammett" - que ganhou no Brasil o ridículo acréscimo de "O Falcão Maltês", numa referência ao seu romance mais famoso. Baseado (livremente) no livro de Joe Gores, "Hammett" é um legítimo thrilling que mistura realidade e ficção, trazendo Frederic Forrest no personagem título, ao lado de Peter Boyle, Marilu Henner, os veteraníssimos Elisha Cook e R. G. Armstrong - coadjuvantes em tantos clássicos "filme noir" dos anos 40. Com a fotografia dividida entre dois mestres - Philip Lathrop e Josep Biroc, "Hammett" é a reprise mais interessante nesta semana. Por último, uma lembrança: quem ainda não viu, não deve perder o excelente "A Encruzilhada" (Crossroads, 1985), de Walter Hill que só pela sua esplêndida trilha sonora de blues, vale mesmo uma revisão - apenas dois incômodos horários das sessões - 24 horas de amanhã e 10h30 de sábado no Cine Groff. LEGENDA FOTO 1 - Um novo desenho animado de Don Bluth, com a égide do produtos Spielberg: "Em Busca do Vale Encantado", no Lido II. LEGENDA FOTO 2 - "O Professor do Crime", filme em que o estreante Giuseppe Tornatorre mostra as relações de um camorista com sua organização, dentro de uma prisão. Representou a Itália no FestRio-86.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Cinema
8
30/06/1989

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