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Aramis

Só dois espectadores para a sessão da fita proibida

Melancólico: "Em Nome da Segurança Nacional", documentário que custou ao seu realizador, Renato Tapajós, um dos mais violentos processos políticos e quase o levou, novamente a cadeia, foi exibido em Curitiba (Cine Groff, noite de sexta-feira, 29) para apenas 2 (dois) espectadores. xxx Inédito na cidade - chegou a ser anunciado algumas vezes, mas nunca foi exibido devido a, na época, a Polícia Federal agir com extrema violência em relação a este filme que registra a ação do Tribunal Tiradentes (São Paulo, maio/1983) que julgou e condenou a Lei de Segurança Nacional, o filme de Renato Tapajós finalmente teve uma cópia em condições de aqui ser projetda. O programa seria duplo, com filme político - "Frei Tito", da atriz e cineasta Marlene França, sobre o irmão dominicano, que vítima das torturas que sofreu no DOI-CODI, suicidou-se em Paris, há alguns anos. O documentário de Marlene França, emocionante e já premiado em vários festivais, acabou não vindo (no caso, a Embrafilmes foi quem segurou a cópia) mas em substituição houve a projeção de outro corajoso documentário, "Cone Sul", dos gaúchos Ênio Staub e João Guilherme Regis e Silva, sobre o sequestro dos uruguaios Lilian e Universindo, ocorrido em Porto Alegre, em novembro de 1978 - e amplamente denunciado pela imprensa brasileira na época. xxx Assim como "Os Anos JK" e "Jango" de Silvio Tendler, "Cabra Marcado Para Morrer" de Eduardo Coutinho ou "O Menestrel das Alagoas" de Wladimir de Carvalho, "Em Nome da Segurança Nacional" é um filme indispensável para se melhor entender o Brasil destes últimos 25 anos. Só que ao contrário dos outros realizadores, Renato Tapajós teve problemas maiores: documentando as sessões do Tribunal Tiradentes (uma espécie de Tribunal Bertrand Russel, em versão tupiniquim), realizadas no Teatro Municipal de São Paulo, há apenas dois anos, presidida pelo senador Teotônio Vilela, a câmara de Adrian Cooper capturou emocionantes depoimentos do jornalista Hélio Fernandes (diretor da "Tribuna da Imprensa"), do líder sindical e hoje presidente do PT, Lula, de uma baiana, presidente da União Nacional dos Estudantes, um líder de movimento camponês e uma ex-presa política. Especialmente este último depoimento, descrevendo as torturas e humilhações sofridas nos calabouços militares, faz com que as imagens de "Em Nome da Segurança Nacional" adquiram uma emoção tão grande e intensa quanto outros momentos (recentes) do cinema político - de "Jango" a "História Oficial", de Luiz Puenzo (que continua em exibição no Cine Itália, 5 sessões). Intercalando os depoimentos com cenas de arquivo, numa linguagem expressiva, Renato Tapajós realizou uma média metragem de extrema dignidade e que mesmo antes de sua estréia vem sendo perseguido. Inicialmente proibido pela Censura, lhe custou também um processo da própria LSN - que ele denuncia, e a exemplo de outro cineasta, o falecido Olney São Paulo (por "Manhã Cinzenta", na qual mostrava imagens de militares agredindo estudantes e operários), sofreu as maiores perseguições. Aliás, Tapajós também foi processado pelo seu romance-verdade, "Em Câmara Lenta", só recentemente editado. xxx Apesar da atualidade de "Em Nome da Segurança Nacional" e do fato de se constituir num documento - mais do que um documentário cinematográfico - que deveria interessar a políticos, jovens ligados ao cinema, estudantes, etc. - além dos próprios participantes do Fórum do Cinema do Documentário e do encontro de Cineclubistas, que se realizava em Curitiba, no último fim de semana, apenas 2 (dois) espectadores foram ao Cine Groff. Assim, este filme coragem, importantíssimo, retorna a São Paulo - numa de suas raras cópias disponíveis - praticamente inédito. Realmente, parece que os curitibanos não estão interessados em conhecerem aspectos da realidade brasileira e continuam a preferir "Guerreiros de Fogo" e as pornoproduções do Circuito do Orgasmo.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
13
04/06/1986

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