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Aramis

Entre as 4 estréias, um ótimo nacional: "A Hora da Estrela"

Após duas semanas praticamente sem estréias, acontecem quatro lançamentos. Um deles, sem favor, a melhor estréia do cinema brasileiro em 1986, consagrada pela crítica, 13 prêmios no Festival de Cinema de Brasília e três distinções no último festival de Berlim: "A Hora da Estrela", de Suzana Amaral (Cine Palace-Itália). Para os fãs do halterofilista (agora no clã dos Kennedy, após seu casamento com uma sobrinha do falecido presidente John) Arnold Schwarzenegger, temos mais um festival de musculatura e violência, contrabalançada com a sensualidade de Brigitte Nielsen (sra. Sylvester Stallone) em "Guerreiros de Fogo" (Cine Plaza). Com a credencial de Louis Malle, respeitado nome egresso da Nouvelle Vague, mas hoje radicado nos EUA, temos um filme de raízes sociais: "A Baía do Ódio" (Cinema I). E, finalmente, uma irreverente comédia sobre os bastidores do Vaticano, satírica ao Papa João Paulo II - "Il Papocchio" ou "Tudo Sob os Olhos do Papa", mas que apesar de sua irreverência foi exibido tranqüilamente em São Paulo - sem que os puritanos e a CNBB que impediram o lançamento de "Je Vous Salue, Marie" (que, por sinal, em cópias de videocassete, continua a ter exibições em todo o Brasil e ainda ontem foi visto por um grupo de fãs do Godard, em Curitiba) fizesse o menor protesto. Isto porque nem sequer sabem da existência desta comédia "Il Papocchio". A ESTRELA MAIOR - Suzana Amaral, 57 anos, 7 filhos, 9 netos, é o exemplo daquelas mulheres que tiveram que esperar sua vez e hora para fazer o que realmente desejavam. Só após ver seus filhos adultos foi que se voltou ao cinema. Primeiro fazendo documentários para a televisão, num sólido curso de direção no Actor's Studio, por 2 anos, em Nova Iorque e, afinal, na estréia na direção de um longa-metragem: "A Hora da Estrela". Corajosamente, trabalhando sobre o texto de um dos mais importantes - mas também de linguagem mais difícil - nomes da literatura brasileira, Clarice Lispector, Suzana conseguiu realizar um filme de imensa beleza e ternura, com uma personagem - Macabéa - de traços felinianos. Um filme que pode fazer chorar o espectador mais sensível e que em sua simplicidade é universal - tanto é que no 36º Festival de Berlim, no ano passado, além do Urso de Prata a Marcélia Cartaxo como melhor atriz, valeu ainda os prêmios da OCIC (melhor filme) e menção honrosa da Confederação Internacional de Cineclubes. Logo depois, no 8º Festival de Filmes de Mulheres, em Paris, era considerado a melhor realização. Anteriormente, no Festival de Cinema de Brasília - 1985, levou os 13 principais prêmios: filme, direção, atriz, ator (José Dumont), roteiro (Suzana; Alfredo Oroz), montagem (Idê Lacreta), fotografia (Edgar Moura), trilha sonora (Marcus Vinícius), cenografia (Clóvis Bueno) e, pelo Candango de Ouro (júri popular) - melhor filme, prêmio especial da crítica e troféu Jangada, atribuído pela OCIC - Organização Católica Internacional de Cinema. Já vendido para vários países e fazendo boa carreira nos cinemas de São Paulo e Rio de Janeiro, "A Hora da Estrela" chega agora a Curitiba (Cine Palace-Itália). A mesma emoção que, em termos políticos, nos passa uma obra como "A História Oficial", de Luiz Puenzo (agora em exibição no Cine Itália), "A Hora da Estrela" nos traz em termos de relações humanas. Um filme perfeito, inteligente e profundo, com ótimo elenco, Marcélia Cartaxo como Macabéa é a grande revelação, vinda do teatro amador (no projeto "Mambembão", do SNT, esteve em Curitiba há 2 anos, apresentando-se no Paiol com a peça "Beiço de Estrada", que teve mínimos espectadores). José Dumont, Tamara Taxman, Umberto Magnani, Denoy de Oliveira, Sônia Guedes, Lizete Negreiror e, em participação especial, Fernanda Montenegro - como a cartomante Cartola - estão esplêndidos. Um filme maravilhoso, de visão obrigatória. RACISMO AMERICANO - Há 30 anos passados, quando ninguém havia ouvido ainda o nome de Jacques Yves Cousteau, um jovem cinegrafista, ex-aluno do Idhec, em Paris, e contando então com 24 anos, se interessou pelas pesquisas oceanográficas que o comandante francês fazia no fundo do mar e o acompanhou numa de suas viagens. O resultado foi um extraordinário documentário - "O Mundo do Silêncio", que surpreendentemente chegou a ter distribuição comercial no Brasil (e em Curitiba foi exibido no antigo Cine Luz, em 1958). Já em 1957, o mesmo cineasta - Louis Malle - realizaria um "thriller" policial que ficaria famoso pela trilha sonora de Miles Davis e a presença de Jeanne Moreau, no auge de sua beleza: "Ascensor para o Cadafalso". "Zazie dans le Metro", comédia tipicamente francesa, baseada num livro de difícil leitura (só agora traduzido para o português) que nunca chegou ao Brasil. Mas, meses antes, Malle havia realizado aquele filme que foi o primeiro grande escândalo de Nouvelle Vague - e que no Brasil teve proibição, polêmica e, afinal, a liberação: "Os Amantes", com Jeanne Moreau e J. M. Bory. Cenas de envolvimento sexual e uma pálida insinuação de carinho oral fizeram com que "Les Amants" provocasse, há 28 anos, tanta polêmica quanto as que se repetiriam, anos depois, com "O Império dos Sentidos" ou, mais recentemente, "Je Vous Salue, Marie". Visto sempre com restrições dentro do movimento da Nouvelle Vague, Louis Malle tem uma obra extensa e diversificada - passando por vários gêneros. Radicado nos EUA há quase 10 anos, ali reiniciou sua carreira de forma brilhante com "Pretty Baby", fazendo há 4 anos o esplêndido "Atlantic City". Hoje casado com a atriz Candice Bergen e plenamente identificado com o american way of cinema, Malle sem abandonar um cinema de autor (como uma recente fita, "My Dinner With André" com dois únicos personagens conversando durante uma viagem de trem), realiza também obras abertas, abordando inclusive problemas sociais. É o caso de "A Baía do Ódio" ("Alamo Bay"), inspirado num artigo do "New York Times Magazine" (abril/1980), no qual Ross Milley retratava duas culturas em conflito. Dos 100 mil refugiados asiáticos que se estabeleceram no Texas depois da guerra do Vietnã, milhares fixaram-se na Costa do Golfo. Atraídos pelo clima ameno e pelo trabalho que lhes era familiar - a indústria pesqueira - prosperaram. Assim acumularam recursos suficientes para comprar barcos maiores e melhores do que aqueles de que seus vizinhos anglo-saxões podiam dispor. Estes "anglos", como se autodenominavam, já se sentiam ameaçados pelos regulamentos governamentais e preços descrentes e passaram a ver na prosperidade dos pescadores vietnamitas uma competição irritante. Isolados em sua comunidade, sem falar inglês, os vietnamitas começaram a sofrer campanhas de ódio e, em agosto de 1980, a partir da morte de um pescador americano, Nilly Joe Alpin, por um refugiado vietnamita, a situação esquentou. Barcos foram queimados e numerosos incidentes brutais se sucederam. A Ku Klux Klan apareceu e começou a atuar contra os refugiados. Embora muitos dos refugiados fossem ferrenhos anticomunistas, os "anglos" taxaram-nos de comunistas. Encorajados pelos agitadores da KKK, exibiam adesivos onde se lia: "O sonho americano para os americanos primeiro". E Louis Beam, membro da Klan, declarou ao "The New York Times": - Não precisamos viajar 19 mil quilômetros para matar comunistas. Podemos fazê-lo muito bem aqui. Como se vê, um argumento atual e forte em suas colocações sociais. Com Amy Madigan (vista té agora em "Ruas de Fogo" e "Um Lugar no Coração") e Ed Harris (marido de Amy, e que também atuou em "Um Lugar no Coração"), o elenco de suporte de "Alamo Bay" tem vários intérpretes orientais. A música é de Ry Cooder, o mesmo autor da belíssima trilha de "Paris, Texas", o magnífico filme de Wim Wenders (que continua em exibição no Cine Groff, em 3 sessões). "A Baía do Ódio" é um lançamento de visão recomendável nesta semana. TRAPALHADAS NO VATICANO - Sem qualquer referência maior e tendo passado despercebido mesmo em São Paulo - "Tudo sob os Olhos do Papa" - "Il Papocchio" - é uma comédia italiana, dirigida e produzida pelo desconhecido Renzo Arbore, com algumas curiosidades. Em primeiro lugar, a ação se passa no Vaticano, território raras vezes adentrado pelo cinema - a não ser para documentários ou respeitosos filmes religiosos. Sem muita sutileza, a história conta as preocupações do Papa - interpretado pelo ator Manfred Freyberger, perfeito sósia de João Paulo II - que, preocupado com a "concorrência" da discoteque, da televisão comercial das múltiplas atrações junto à juventude - que cada vez mais se afasta da Igreja - decide que o Vaticano também deve ter uma estação de televisão incrementada. E para tanto deve ser montado um grande show capaz de atrair a meninada para as coisas sagradas e desviá-la dos pecados do mundo. Contrata-se, então, o Chacrinha italiano, Arbore, que logo reúne sua equipe artística e começa a montar o espetáculo encomendado por Sua Santidade: músicas moderninhas, som vibrante, dança, adivinhações, piadas e tudo o mais que existe na parafernália dos shows de TV que vemos por aqui. Os elementos da sátira estão prontos - inclusive a própria televisão italiana (temática que Fellini aborda também em "Ginger & Fred", ainda inédito no Brasil). No elenco, além de autores populares na Itália como Renato Arbore, que faz o "Chacrinha italiano", temos Isabella Rosselini - filha do cineasta Roberto Rosselini e da atriz Ingrid Bergman, (e que, em termos internacionais só apareceu agora, em "O Sol da Meia-Noite", de Taylor Hackford, como a suave Darys Greenwood, em exibição no Astor). Talvez por amizade ao diretor Renzo Arbore (sobre o qual não há maiores referências), aparece, rapidamente numa seqüência o diretor americano Martin Scorcese ("Táxi Driver", "The Raging Bull" etc.), além da bela atriz Mariangela Melato. "Tudo sob os Olhos do Papa", em exibição no Cine Luz, também merece ser visto. LEGENDA FOTO 1 - A revelação Marcélia Cartaxo, no desfecho do premiado "A Hora da Estrela" - em cartaz em Curitiba no Cine Palace-Itália. LEGENDA FOTO 2 - A diretora Suzana Amaral. LEGENDA FOTO 3 - Um filme sobre racismo contra os vietnamitas: "A Baía do Ódio", de Malle, com Amy Madigan e Ed Harris. LEGENDA FOTO 4 - O "guerreiro" Arnold Schwarzenegger, desta vez, em segundo plano para catapultar Brigitte Nielsen. LEGENDA FOTO 5 - Sem dúvida que Kelly LeBrook é uma "Mulher Nota 1000". Ela está no Cine Condor. Ao seu lado, Anthony Michael - um novo ator. LEGENDA FOTO 6 - "Paris-Texas", de Wim Wenders, continua em reprise no Groff. Na cena, Harry Dean Stanton e o garoto Hunter Carson.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Seção de Cinema
5
18/05/1986

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