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Aramis

Malle faz seu belo filme com memórias da infância

Rio de Janeiro - O mergulho na memória, a sinceridade das emoções vividas produz filmes da maior empatia. Assim Louis Malle ao voltar aos seus anos de aluno de um colégio religioso, na França ocupada de 1943/44, em "Au Revoir, Les Enfants" (Adeus, Meninos) ou inglês John Boorman recordar os dias do bombardeio de Londres em "Esperança e Glória" (Home and Glory, já com previsão de lançamento comercial pela Columbia Pictures), foram os dois primeiros momentos de sensibilidade do FestRio. "Au Revoir, Les Enfants" foi exibido na noite de abertura - em substituição a "Cry Freedon", de Richard "Ghandi" Athenborough (que trata sobre os conflitos na África do Sul), e emocionou ao público. Revisitando um tema que há 13 anos, já havia abordado em seu "Lacombe Lucien" - a ocupação alemã na II Guerra Mundial - mas mergulhando em suas próprias recordações, Louis Malle, 55 anos, realizou um filme terno, político e que, passados quatro décadas, traz valores sempre atuais. 1944, na França ocupada, Julie Quentin, 12 anos, um garoto inteligente volta às aulas num colégio de padres numa cidade do Interior. Ele exerce uma influência natural sobre os seus companheiros. Lê muito, possui impulsos místicos e passa por períodos de angústia e solidão. Contingências o farão entrar precocemente no mundo violento dos adultos. As aulas recomeçam e o diretor da escola, padre Jean, um bom e austero religioso, admite três novos alunos. Um deles fica na classe de Julien: Jean Bonnet, um garoto inteligente, sensível e reservado. Pouco fala de si e de sua família. Os dois iniciam uma forte amizade que perdura até que a Gestapo invade a escola e leve embora Bonnet, os outros novos alunos e o padre Jean . Os três garotos eram judeus e o padre estava tentando salvá-los do holocausto abrigando-os sob falsos nomes. Uma história simples, emotiva e real que Louis Malle conta com o sabor da autenticidade. Centenas de vezes o tema de crianças em colégios foi visto no cinema. Na própria nouvelle vague, François Truffaut, com rara sensibilidade, realizou um filme sobre crianças ("A Idade da Inocência/Le Argent de Poche") e, anos antes, Yves Robert fez o delicioso "A Guerra dos Botões" - para só citar dois exemplos. Louis Malle, também um cineasta vindo da nouvelle vague e que se tornaria famoso com o escandaloso (para a época), "Os Amantes" (1958), neste seu "Au Revoir, Les Enfants" vai mais além. Sem ficar no superficial ou no sorriso simpático - e evitando também apenas a emotiva nostalgia (como em "Conte Comigo", do americano Rob Reiner, recententemente visto em Curitiba), Malle aprofunda-se no comportamento dos pré-adolescentes durante a II Guerra Mundial. Garotos de famílias abastadas, num colégio rigoroso e eficiente, estabelecem solidariedade, cometem suas traquinagens mas sentem, a violência do racismo - especialmente ao final, quando Gestapo invade o estabelecimento. "Au revoir, les enfants" não é um filme para se sorrir - embora haja certos momentos descontraídos mas, antes de tudo uma viagem ao mundo de uma infância tensa. O tom absolutamente pessoal e confessional de Malle - que tem no personagem Julien Quentin - o seu alter ego - é que confere a carga de dramaticidade (sem ser dramalhão), ao filme, que vem tendo uma boa carreira na Europa, conforme o próprio Malle diria, na manhã de sexta-feira, na entrevista com a imprensa. Magro, baixo, simpático e acessível, o diretor de "Ascensor para o cadafalso" - fala com emoção deste seu filme com o qual repetiu a premiação de Veneza (além de "Les Amants" ter lhe dado o prêmio especial do júri em 1958; com "Atlantic City", seu primeiro longa rodado nos EUA também obteve o Leão de Ouro em 1980). Um cineasta seguro, que ao longo de 30 anos de carreira - a partir do documentário "O mundo do silêncio" (primeiro filme sobre o oceanógrafo Jacques Costeau, lançado em Curitiba no antigo Cine Luz, em 1958), tem circulado por diferentes gêneros, sempre com precisão e brilho. "Au Revoir, Les Enfants" é um belo filme, que, se espera, tenha lançamento comercial no Brasil em breve. LEGENDA FOTO: Louis Malle ao lado da atual mulher Candice Berger, quando recebeu o Leão de Ouro, em Veneza, com o filme "Au Revoir Les Enfants".
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
24/11/1987

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