IV FestRio decolou; um Boeing de imagens visuais está no ar
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 17 de novembro de 1987
"Freedom Cry", novo filme de Sir Richard ("Ghandi") Athenborough, que tem por tema os conflitos raciais na África do Sul, não pode vir para a abertura, hors concours do IV Festival Internacional de Cinema, Televisão e Vídeo do Rio de Janeiro (Sala Glauber Rocha, Hotel Nacional), mas a substituição foi à altura: "Au Revoir Les Enfants", o emotivo filme que marca o retorno de Louis Malle a França após 11 anos de EUA - e que recebeu o Leão de Ouro no Festival de Veneza, há apenas dois meses.
Substituições de última hora são sempre previsíveis. Em 1984, "Je Vous Salut, Marie", de Jean Luc Godard acabou cancelado - criando-se o escândalo quando Caetano Velloso, na sessão de abertura, bateu os pés e protestou. No ano passado, "Peggy Sue - Get a Married" (Peggy Sue - Seu Destino a Espera"), de Francis Coppola, que deveria encerrar o FestRio, acabou substituído pelo criativo "Histórias Verdadeiras" (True Stories), de David "Talking Head" Byrnes, até agora inédito no circuito comercial.
Em compensação, o filme de encerramento está confirmado: a superprodução "O Último Imperador", que o italiano Bernardo Bertolucci rodou na China Continental - e cuja estréia mundial coincide no FestRio e em Paris.
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Naturalmente, o FestRio ocupa desde domingo os mais nobres espaços da grande imprensa e televisão. É o maior evento cinematográfico do Continente Latino-Americano e o único festival de categoria "A" - mesma classe dos de Cannes, Berlim, Veneza e Moscou, ou seja, na parte competitiva apenas com filmes totalmente inéditos. Por isto, é natural que os títulos e realizadores que constam dos programas competitivos sejam por enquanto desconhecidos do grande público. Há exceções, naturalmente: Arthur Penn, que há dois anos competiu com o frustrado "Targets'' (um triller de espionagem, que nem chegou a ter lançamento comercial no Brasil, tendo sido apenas pirateado em vídeo), retorna com "Dead of winter", com Mary Steenbergen/Roddy MacDowall, um dos concorrentes americanos (o outro é "Atração Fatal". De Adrian Lynne, com Glenn Close/Michael Douglas, recém-lançado nos EUA).
Mas o FestRio volta-se especialmente para o cinema do terceiro mundo - dando oportunidade de se conhecer cinematografias distantes como Turquia ("Aaah Belinda"), Israel ("Bouba"), Iugoslávia ("Angel Gardien") e Hungria ("Gondviseles"). Mesmo países mais próximos enviam filmes inéditos, alguns ainda nem exibidos em seus países de origem, e que no Brasil não encontrarão distribuição comercial. Portanto, o banquete para os cinéfilos é extraordinário: são cerca de 300 filmes, espalhados em várias salas (os da competição e hors concours no Hotel Nacional), o que obriga a se fazer uma verdadeira maratona, cronometrada, para se acompanhar ao menos 30% do que é ofertado.
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Mesmo com o cancelamento de "Freedom Cry", na abertura, o ato político contra o appartheid previsto deve acontecer, através de uma homenagem, com a presença de personalidade internacional (cujo nome estava sendo mantido em sigilo até ontem) reverenciando a coragem do casal Winnie e Nelson Mandela, líderes da resistência negra contra a discriminação na África do Sul.
Entre as mostras paralelas para esta 4ª edição do FestRio está a já consagrada "Olhar Feminino", com filmes de realizadoras (a atração maior é "Heaven" de Diane Keaton, que foi sensação no último Festival de Cannes) o Cinema Americano (com inéditos e clássicos), a grande retrospectiva do cinema inglês e, especialmente, a "Os Melhores do Mundo" que reúne os filmes premiados nos últimos grandes festivais, incluindo, por exemplo, "The Princess Bride", de Bob Reiner, premiado em Toronto há um mês; "Sous Le Soleil de Satan", de Maurice Pialat (Palma de Ouro - Cannes 87) e "Der Himel Uber Berlim", que deu a Wim Winders o prêmio de melhor diretor também em Cannes.
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São mais de 300 filmes, 80 horas de vídeo e 80 horas de programas de TV de mais de 50 países. Ney Sroulevich, 47 anos, um gaúcho de barbas grisalhas, sempre com seu charuto cubano na mão, calcula que o mercado de filmes terá este ano negócios em torno de US$15 milhões. Agora é uma Associação sem fins lucrativos que organiza o FestRio (orçamento previsto de US$ 2 milhões), presidido por Luiz Carlos Barreto e que tem na parte executiva Nei Sroulevich, Jean-Gabriel Albicoco, ex-Gaumont (direção de operação) e Cosme Alves Neto (direção cultural).
Cosme Alves, diretor da Cinemateca do MAM é um dos animadores culturais de maior trânsito internacional, coordena inúmeros eventos paralelos - que vão desde as mostras Tesouros das Cinematecas até os seminários sobre o Cinema e as Drogas, A Religião no Cinema e Futuro na Tela: Sonho ou Ameaça, com a presença de personalidades como o ator Ernest Borgnine - e ciclos de filmes relacionados a estes temas.
A televisão também merece um seminário especial - este analisando a co-produção entre o cinema e a televisão e com expositores representando as maiores cadeias do mundo.
Encontros de dirigentes de entidades cinematográficas, organizadores de festivais, críticos, etc. completam o quadro que faz, a partir deste dia 19, o IV FestRio ser o centro cinematográfico por excelência.
Todas as dificuldades - a começar pela sempre falta crônica de recursos - são superadas, pois como diz Nei Sroulevich, o Boeing levanta vôo e, durante dez dias, estará fazendo uma viagem pelo mundo encantando do imaginário audiovisual.
LEGENDA FOTO 1: Belas imagens valorizam "Sonho de Valsa", o aguardado filme de Ana Carolina - que terá Sábado sua primeira exibição pública na sala Glauber Rocha no FestRio.
LEGENDA FOTO 2: "Noite de Verão (Summernight), de Gunnel Lindblon, com Sif Rund e Margaretha Bystron, é o filme da Suécia, em disputa do Tucano de Ouro no FestRio, será exibido nesta sexta-feira 21.
LEGENDA FOTO 3: Nei Sroulevich, o comandante do festRio: fazendo o mais importante festival do continente, é o personagem da semana na imprensa nacional.
LEGENDA FOTO 4: "Ao Revoir Les Enfants", de Louis Malle abre o FestRio na quinta-feira.
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