Sivuca, Toots & Sylvia, o musical encontro no Rio
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 18 de maio de 1986
Um dos eventos para a MPB, em termos nacionais, no ano que passou foi o projeto "Rendez Vouz In Rio", desenvolvido pelo produtor Rune Ofwerman, da Sonet - prestigiosa etiqueta fonográfica da Suécia. Entusiasmado pela música brasileira, Ofwerman veio ao Rio para gravar nada menos do que três esplêndidos Lps - dois com o acordeonista-compositor Sivuca e um terceiro com uma cantora sueca, Sylvia Vrethammar, pouco conhecida mas há 16 anos já identificada aos nossos ritmos e canções. Lançados na Europa no segundo semestre de 1985, os três álbuns do projeto Rendez vous in Rio saíram agora, felizmente, no Brasil, em edições da RGE - que com isto passou a contar com três ótimos discos em seu catálogo, necessitado aliás de um reforço qualitativo.
Dos três álbuns, o mais ansiosamente aguardado era o do encontro do paraibano Sivuca (Severino Dias de Oliveira, Itabaiana, 26/5/1930) com o belga Toots Thieleman (Jean Baptiste Thieleman, Bruxelas, 29/4/1982), lendário nome do jazz - reconhecido unanimemente como o maior executante de harmônica-de-boca, habilidoso guitarrista e criador de clássicos como "Bluesette". Amigos há muitos anos, de caminhos europeus e americanos - quando Sivuca morou nos EUA, o reencontro dos dois grandes instrumentistas foi um acontecimento especial - registrado não só em disco mas também para um especial de televisão sueca, gravado no mais agradável espaço da noite carioca - o Chiko's Bar.
Tanto as carreiras de Sivuca como de Toots são longas - passando por múltiplas experiências. Ambos saíram de seus países e obtiveram reconhecimento nos Estados Unidos mercê da criatividade e talento com que executam seus instrumentos. Toots tocou com Charlie Parker, integrou a orquestra de Benny Goodman mas foi durante os 6 anos em que fez parte do conjunto do pianista cego George Shearing que alcançou sua maior popularidade - numa fase das mais slowly do jazz, que encanta colecionadores como os milionários Caetano Rodrigues, de Curitiba, ou Leonel Flores Brayner, de Salvador - capazes de pagarem qualquer preço por gravações desta época. Já Sivuca, de suas raízes nordestinas trouxe um balanço e comunicabilidade que o levou a se tornar, já a partir de 1949, um músico inquieto e integrado a vários movimentos musicais, não ficando apenas no regional. Em 1958, participando de uma Feira Internacional em Bruxelas entusiasmou-se com a Europa e por lá ficou cinco anos. Voltou para o Brasil mas, em 1964, já viajava novamente - desta vez para os EUA, onde residiu por quase 20 anos, trabalhando com brasileiros (Carmen Costa, por exemplo) e astros internacionais como a africana Miriam Makeba, além de ter (em 1969) participado de um show de sucesso na Broadway, "Joy", ao lado do cantor e compositor Oscar Brown Jr. (Chicago, 10/10/1926).
De volta ao Brasil nos anos 70, ao lado da companheira Glorinha Gadelha, também compositora e cantora, Sivuca vem trabalhando bastante, fazendo shows e gravando uma média de 2 lps por ano para a Copacabana.
Quem esperava do encontro de Toots & Sivuca piruetas jazzísticas pode ter ficado decepcionado. Tratando-se de uma produção destinada basicamente ao público europeu, a partir da Suécia (onde as gravações feitas no Rio, em abril/85, foram remixadas), o "Rendez vous in Rio" com a participação de Luiz Avellar nos teclados, Luizão no baixo, Ricardo Silveira na guitarra, Paulo Braga na bateria e dois percussionistas - Ohana e Marçal - é um disco de balanço suave, com um repertório no qual se alteram dois hits internacionais ("I Just Called To Say I Love You", de Wonder) e "Imagine" (John Lennon), hits da MPB ("Pela Luz dos Olhos Teus", Tom); ("Luz do Sol", Caetano, a melhor faixa do lp) e "Vai Passar" (Francis/Chico), a temas novos, como "Sandra" (Avellar) ou "There's no Greater Love" (Johnny Spencer).
O resultado final, entretanto, é satisfatório. Não chega a ser um clássico, mas é um ótimo álbum instrumental para levar o talento de músicos brasileiros ao Exterior.
Já em "Som Brasil", feito dentro do mesmo projeto, Sivuca exibe-se também como acordeonista, acompanhado por Avellar, Teo Lima (bateria), José Menezes (guitarrista), Luizão (baixo) e Ohana (percussão). Com exceção de duas faixas - "Waltz for Sonny" - homenagem de Toots a seu amigo Sonny Rolins e o "Submarine for Sale" do sueco Ulf Peder Olrog - Sivuca ficou num repertório verde-amarelo, com destaque as suas próprias composições: "Aurora Boreal", "João e Maria", "Pedras de Fogo", "Sylvia", "Som Brasil", e "Recado da Bahia". Há também músicas de outros autores, mas identificadas ao espírito da gravação: os choros "Flamengo" (Bonfiglio de Oliveira) e "Vale Tudo" (Jacob Bittencourt) e uma justa homenagem ao catarinense Luís Henrique Rosa, falecido no ano passado, em acidente automobilístico: "Amor, Sempre Amor".
Como se vê, Sivuca não ficou apenas num repertório "made for tourist", mas, livremente, busca dar várias visões da música brasileira.
O CANTO DE SYLVIA - Sueca de Uddevalla, extremamente sensual (basta olhar a foto de Paulo Teixeira na capa), Sylvia Vrethammar já tem quase 20 anos de estrada musical. Contratada da Sonet Records, em 1969 gravou um compacto ("Let Me Love You") que a projetou bastante e no ano seguinte, veio ao Brasil participar do FIC, onde obteve a terceira colocação, fez muitos amigos e chegou a gravar um lp ("Dance The Samba With Me") com um grupo chamado Os Pandeiros de Ouro. Em 1974, cantando em espanhol vendeu 600 mil cópias de "Y Viva España" e há 10 anos chegava até a Rússia, além de temporadas nas principais cidades da Europa. Assim, identificada a um repertório internacional, com muito balanço, Sylvia foi escolhida pelo produtor Rune Ofwerman para completar o projeto Rendez vous in Rio, gravando entre os dias 8 a 13 de abril, nos estúdios da Som Livre, o lp "Rio de Janeiro Blues", com a participação de Sivuca, Toots e outros músicos também presentes nos lps acima mencionados. Nos backing vocals, a amável presença de Luna Messina, Viviane Godói de Carvalho e Regina Sousa. O repertório eclético, naturalmente, com até um forró ("O Cheiro da Carolina", Amorim Roxo/Zé Gonzaga), dois hits de Ivan Lins/Victor Martins ("Começar de Novo/Antes Que Seja Tarde"), o esfuziante "Que Bonito" (Luís Bandeira) e músicas novas - "Someone Home" da pianista Eliane Elias (radicada nos EUA), "Estalo de Maracatu" (Luciano de Castro/Glória Gadelha), "Make the River Flow" (Clarence Ofwerman/Bengt Lundberg), "I Belong" (Goran Fristorp-Hald David), e terminando com um clássico que o cinema americano popularizou nos anos 30: "Carioca" (Youman/Kahn/Eliseu).
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