Curitiba, prejuízo é o preço para aqueles que exibem melhores filmes
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 16 de agosto de 1989
Menos de 100 espectadores assistiram "O Preço do Desafio" (Cinema I, hoje, último dia, sessões previstas para às 14, 16, 20 e 22 horas). Na estréia (quinta-feira, 10), apenas a sessão da noite, 20 horas, foi realizada: 7 espectadores. Em termos econômicos, considerando o custo-dia de um cinema (funcionários, aluguel, despesas de projeção e limpeza, etc.), seria natural que o filme fosse substituído já na sexta-feira por outro programa. Entretanto, devido a contrato com a distribuidora (Warner), mesmo arcando com elevados prejuízos, a Fama Filmes manteve o filme e assim, ainda hoje, estará em exibição. Se houver espectadores...
"Madame Souzantzka", de John Schlessinger, com Shirley McLaine (que não filmava desde "Laços de Ternura", 1983), premiado em Veneza no ano passado como a melhor atriz, também fracassou: menos de 400 espectadores no Lido II, o que significa que hoje terá suas últimas sessões (15, 17, 19,30, e 21,45h). Também se houver público...
Mesmo filmes que deveriam atrair o grande público - como os policiais "Operação Tequila", de Robert Towne - com três nomes famosos no elenco (Michele Pfeiffer, Kurt Russel e Mel Gibson) e "De Caso com a Máfia" (novamente com Michelle Pfeiffer), direção de Jonathan Demme fracassaram nos Cines Astor e Plaza, respectivamente. Ou seja, quatro dos melhores programas cinematográficos foram ignorados pela "culta" e "refinada" (sic, sic) platéia curitibana, cada vez mais dominada pela videomania, em seu comodismo, ou preferindo filmes na linha Rambo e Os Trapalhões. São dados estáticos, com a força dos números, para ninguém contestar...
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"O Preço do Desafio" é daqueles filmes que mereceriam uma atenção especial. Começa que embora distribuída por uma poderosa major cinematográfica (Warner Bros), sua realização só foi possível através da associação de uma empresa cultural - American Playhouse Theatrical - com recursos de várias fundações mencionadas no final. Realmente, não era um projeto para entusiasmar os tycoons acostumados a cifras bilionárias, assim como o resultado final, na bilheteria, tem números frustrantes. Se não tivesse ganho uma nomination ao Oscar - Edward James Olmos como melhor ator (perdeu para Dustin Hoffman em "Rain Main") por certo jamais chegaria ao Brasil, nos circuitos comerciais. Portanto, era de se esperar que houvesse um tratamento inteligente para o seu lançamento, sendo lamentável que uma obra desta dimensão seja queimada como veneno de bilheteria e nunca mais volte as telas (tipo do filme que deveria ser reprisado nas salas da Fucucu, se as mesmas fossem melhor orientadas, o que não acontece).
Tratando de um contemporâneo tema ligado a educação, baseado em fatos reais, "Stand and Deliver" poderia ser motivado junto a professores, pedagogos e mesmo técnicos de educação - abrindo assim uma faixa especial de espectadores. Mas para tanto teria que haver um trabalhoso projeto especial, de contatos e exibição(ões) especial(ciais), antes de seu lançamento comercial. Como nada foi feito, raros os professores que, tendo melhor (in)formação, se preocuparam em conhecê-lo.
"O Preço do Desafio" é uma obra que pode se transformar num cult movie. Ou seja: ignorada agora pelo público, tem elementos tão fortes que o credenciam a ser devidamente valorizado no futuro.
Para o público que só vai a tela atraído por nomes famosos não há atrações: tanto a equipe técnica como o elenco é formado por nomes desconhecidos, embora o coadjuvante Lou Diamond Phillips tenha vivido o músico Richie Vallens em "La Bamba", o musical que esteve entre as maiores bilheterias de 88.
O filme, baseado em fatos rigorosamente reais, acompanha a trajetória de um idealista professor, Jaime Escalante, boliviano radicado em Los Angeles, que abandona um bem remunerado emprego numa firma de computação para se tornar professor de uma escola de subúrbio em Los Angeles, o colégio Garfield. Ali, num ambiente pesado (e já há uma filmografia imensa sobre colégios e alunos barra-pesadas enfrentados por professores idealistas e corajosos, desde que Richard Brooks inaugurou o gênero há 35 anos, com "Sementes da Violência / Blackboard Jungle"), Escalante aceita o desafio. Deveria lecionar processamento de dados mas a escola não tem computadores.
É designado então ao departamento de matemática e encontra um ambiente devastado por gangs e drogas com um alarmante índice de desistência. Enfrenta a barra, busca um método próprio - com uma didática muito original - e consegue motivar a sua classe, formada por portoriquenhos e mexicanos, basicamente - a freqüentar um curso de cálculo matemático, matéria tão difícil que menos de 2% dos colegiais de todo o país tentam fazê-lo. Com contrato assinado, 17 jovens aceitam terem aulas durante as férias - das 7 às 17 horas, incluindo sábados e feriados e os resultados são fantásticos: todos receberam nota acima de 6, suficiente para passar. Uma média tão alta que o Serviço de Testes Educacionais de Princetown, New Jersey, desconfia e acusa-os de terem fraudado os resultados - pois havia coincidência nas respostas incorretas. Os estudantes, ofendidos, fazem novas provas e confirmam os resultados. No final, uma informação: a partir de 1982, o número de alunos aprovados nesta matéria vem crescendo de forma impressionante graças ao sistema que o professor Escalante desenvolveu.
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Fascinante e emotivo já em sua temática - que discute a questão educacional, problemas de minorias raciais (se os alunos aprovados não tivessem sobrenomes espanhóis, será que o Serviço de Testes os acusaria de fraude?) e mesmo as dificuldades enfrentadas pelo professor e sua família, são colocados num roteiro preciso, desenvolvido pelo diretor Ramon Menendez (cubano, há 25 anos nos EUA, ex-assistente de Oliver Stone em "El Salvador - O Martírio de um Povo", e que realizou anteriormente os longas "Bordeline" e "Califórnia", inéditos no Brasil) em colaboração com o produtor Tom Musca. A direção de Menendez é segura, objetiva - quase numa linha de documentário (afinal, escreveu o roteiro com a colaboração do próprio professor Escalante), trabalhando com um elenco identificado à temática. James Olmos, desconhecido no Brasil, mas com boa experiência no teatro (especialmente na Costa Oeste Americana) e alguns filmes (inéditos entre nós: "Zoot Suit", "The Ballad of Gregório Cortez", "Salvando Grace" e até uma ponta em "Blade Runner") está esplêndido na criação do idealista professor boliviano. Um trabalho que, sem dúvida, o fez merecedor da indicação ao Oscar.
"O Preço do Desafio" é daqueles filmes de pequeno orçamento, que passam desapercebidos mas ficam como exemplos de um cinema presente e atual. Se o leitor gosta de obras inteligentes corra e vá hoje ao Cinema I para assisti-lo. Pois não terá uma segunda chance...
LEGENDA FOTO - O diretor, a equipe de realização de "O Preço do Desafio", um filme esplêndido, que deveria ser visto por todos que se interessam por educação. Hoje, último dia de exibição no Cinema I.
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