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Aramis

A voz que levou nosso folclore até a Rússia

Gravando um dos mais emotivos e bem humorados depoimentos para a série Memória Histórica do Paraná - patrocinada pelo Bamerindus e que o jornalista João de Deus Freitas Neto coordena há três anos - Stelinha Egg recordou sua longa carreira, iniciada aos 5 anos, quando, para surpresa de seus pais - Carlos e Stella Maria - num ofício religioso dominical, na Igreja Presbiteriana, mostrou sua belíssima voz entoando hinos religiosos que aprendeu "de ouvido, intuitivamente". Voz previlegiadíssima, Stelinha foi uma garota prodígio na tranqüila Curitiba dos anos 20/30, quando entre as aulas na Escola Normal (mais tarde, seria professora de educação física e, entre seus alunos, estava um garoto chamado Affonso Alves de Camargo Neto), ela, violão em punho, era presença requisitada para tertúlias musicais. O rigor de alguns presbíteros, julgando que a menina, filha de uma tradicional família evangélica, estava cometendo atos profanos ao cantar música popular, foi respondida a altura, quando ela, numa espécie de inquisição tupiniquim, foi convocada "para se desculpar" - "Eu tenho pelos nas ventas quando provocada e disse algumas verdades para os pastores, que nunca mais me incomodaram". A PRB-2, no belvedere do Alto do São Francisco, dirigida por Jacinto Cunha, começara a transmitir em 1927 e ali, ainda no final dos anos 20, a voz de Stelinha começou a se tornar conhecida - formando um público que só cresceu com o tempo. Com um repertório eclético, executando 30 obras foi convidada a representar o Paraná num grande evento musical no cassino Antártica, em São Paulo - onde se apresentavam os maiores nomes da época (Linda e Dircinha Batista, Bando da Lua, Orlando Silva, etc.). Embora nervosa, mas com acompanhamento do famoso Zé Carioca (José do Patrocínio Oliveira, 1904-1987) ao violão, a jovem cantora curitibana encantou o público. O jornalista Wandick de Freitas, que estava em São Paulo, por telefone relatou ao seu pai, Rodrigo de Freitas, então diretor de redação de "O Dia", que mancheteou o sucesso de Stelinha. Era a primeira das centenas de vezes que sua carreira seria notícia de destaque na imprensa paranaense. Contratada pela Rádio Tupi, trabalhou a seguir nas rádios São Paulo e Cultura, indo depois para a Tupi do Rio de Janeiro, onde logo se apresentava ao lado de ídolos como Caymmi e Sílvio Caldas. Foi eleita a melhor cantora folclórica no Congresso Internacional de Folclore, realizado em 1950, em Araxá. Única cantora paranaense, até hoje, a ter uma carreira de sucesso - só em 78rpm, sua discografia passa das 180 unidades, mais uma dúzia de elepês, duas grandes excursões ao Exterior - ela e Gaya foram dos primeiros artistas brasileiros a se apresentarem em países socialistas em 1955/56 - Stelinha não esconde uma mágoa: nunca recebeu uma premiação ou distinção no Paraná. Cantando nossos ritmos - embora identificada com a música folclórica, não gosta de ser lembrada como apenas intérprete do folclore, "mas sim que parte de ritmos do povo para a sua própria concepção" - Stelinha e Gaya participaram de documentários realizados na URSS ("Folclore de 5 Países") e França ("Bela Aventura", produção de Roberto Mariaux), que, infelizmente, nunca chegaram ao Brasil - embora mostrados para milhões de telespectadores em muitos países. Há três meses, o produtor Leon Barg, da "Revivendo", editou um álbum com seis gravações do início da carreira de Stelinha - inclusive "Uma Lua no Céu... Outra no Mar" (Jorge Travares / Alaíde Ferreira, 1944), que ao lado do côco "Tapioquinha" estavam em seu primeiro registro feito na Continental. Apesar de uma respeitável discografia, com dezenas de canções de sucesso, há anos que as nossas emissoras - inclusive a Estadual do Paraná - não a divulgam. O que não surpreende, já que a programação das AMs/FMs do Estado - é das mais colonizadas culturalmente. Sem guardar rancores, mas, naturalmente, entristecida por não ver o seu trabalho devidamente valorizado, Stelinha, sempre transfere ao Gaya, sua grande paixão, os méritos de uma carreira das mais coerentes e honestas. Jovial, alegre, bem humorada - uma de suas características, capaz de falar horas sobre uma vida rica de experiências pessoais e musicais, Stelinha tem muito a contar - e, assim, sua decisão de, em vida, fazer um espaço sobre sua carreira (e de Gaya), poderá se constituir não apenas num museu, mas um pequeno e ativo centro musical, voltado a jovens músicos e pesquisadores de nossa música. LEGENDA FOTO - Stelinha Egg, quando da excursão à Polônia e URSS em 1955.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
08/04/1990

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